Discurso no Senado Federal

MANIFESTANDO SUA SURPRESA DIANTE DOS COMENTARIOS DO PRESIDENTE DA REPUBLICA RELATIVAMENTE AO DESEMPREGO NO BRASIL, QUE DESQUALIFICOU UMA PESQUISA REALIZADA PELO DIEESE.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESEMPREGO.:
  • MANIFESTANDO SUA SURPRESA DIANTE DOS COMENTARIOS DO PRESIDENTE DA REPUBLICA RELATIVAMENTE AO DESEMPREGO NO BRASIL, QUE DESQUALIFICOU UMA PESQUISA REALIZADA PELO DIEESE.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/1997 - Página 26522
Assunto
Outros > DESEMPREGO.
Indexação
  • CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DISCORDANCIA, DADOS, ESTATISTICA, DIVULGAÇÃO, DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATISTICA E ESTUDOS SOCIO ECONOMICOS (DIEESE), COMPROVAÇÃO, AUMENTO, DESEMPREGO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • ANALISE, DIFERENÇA, METODOLOGIA, DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATISTICA E ESTUDOS SOCIO ECONOMICOS (DIEESE), INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), AVALIAÇÃO, INDICE, DESEMPREGO, PAIS.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última quinta-feira, surpreendi-me com comentários do Presidente da República relativos ao desemprego no Brasil. O Presidente procurou desqualificar uma pesquisa do DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos, que apontava um índice de desemprego, em setembro, na grande São Paulo, da ordem de 16,5%.

O Presidente da República, pela sua trajetória de político e sociólogo, conhece muito bem a credibilidade que o DIEESE conquistou, ao longo da sua existência, pela seriedade com que efetua as suas pesquisas, tanto de índices inflacionários, quanto de índices de desemprego; enfim, de todas as estatísticas relativas às questões econômicas e sociais no Brasil.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso disse que aquela pesquisa era irreal e que o DIEESE só havia chegado àqueles números porque considerou a faixa de idade em que foi pesquisado o desemprego - a partir dos dez anos.

Vi esse comentário transmitido pela televisão, e a câmara focalizou o Ministro Antonio Kandir, que esboçou um sorriso no momento em que o Presidente da República fez esse comentário. A impressão que tive foi que essas informações lhe foram passadas pelo próprio Ministro. Não sei se aí estava embutida uma certa divergência ou uma certa picuinha com o antecessor do Ministro Kandir, o Senador José Serra, porque, como foi depois divulgado pela imprensa, a metodologia utilizada na pesquisa sobre o desemprego foi definida em 85, e recebeu a participação ativa do Senador José Serra e, também, de outro Ministro do Governo Fernando Henrique, o Ministro Paulo Renato.

O Presidente da República cita a pesquisa do IBGE como a que oferece os resultados corretos sobre o desemprego no Brasil. Em primeiro lugar, temos de tecer alguns comentários sobre as metodologias.

A pesquisa do IBGE apresenta dois índices: 5,66% quando considera a chamada taxa de desemprego aberto - a pesquisa é feita apenas na semana anterior, ou seja, a pesquisa teve a duração de uma semana; e 6,13% quando considera o prazo de pesquisa por trinta dias, como é o prazo observado pelo Dieese. O IBGE, no caso da taxa de desemprego aberto, considera apenas as pessoas que não tenham auferido nenhum rendimento ao longo do mês ou da semana. Isso quer dizer que, se a pessoa está desempregada, mas pintou o portão do vizinho e por isso recebeu R$10,00, está excluído da chamada taxa de desemprego aberto. Contudo o IBGE produz outro resultado, chamado taxa de desemprego oculto, que considera como taxa de desocupação a ocupação sem rendimento ou a ocupação com rendimentos inferiores a um salário mínimo. Dentro dessa taxa, o IBGE chega a um índice de 13,49%, muito próximo, portanto, ao índice do DIEESE, que é de 16%. Considerando que o índice do DIEESE se refere apenas à grande de São Paulo e o do IBGE - 13,49% - refere-se a várias regiões metropolitanas brasileiras, verificamos que o desemprego no Brasil está atingindo índices nunca vistos em nossa história. Mas, pelo jeito, o Presidente da República resolveu fechar os olhos a isso, mesmo porque é sempre mais cômodo criticar os resultados das pesquisas, em uma atitude semelhante àquela do cidadão que descobre o adultério da esposa e resolve pôr a culpa no sofá, mandando que o retirem da sala, no entendimento de que, em assim procedendo, evitará que isso continue a acontecer.

Sr. Presidente, ainda continuando essa discussão sobre o desemprego, encetada desde a emissão do pacote econômico que aumentou os juros, o que, sem dúvida alguma, irá aumentar ainda mais a taxa de desemprego no Brasil, temos a dizer que várias empresas de São Paulo estão dando férias coletivas a seus empregados, e as férias coletivas são uma espécie de ante-sala da demissão. De sua parte, a única medida que o Governo apresenta como solução para resolver o problema do desemprego no Brasil é o projeto que institui o chamado contrato temporário de trabalho, que está para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado,.

           Na semana passada, vimos esta Casa, muito justamente, tecer elogios ao Senador Josaphat Marinho pela sua competência, pela sua cultura jurídica, pelo seu trabalho brilhante na elaboração do parecer ao projeto do novo Código Civil. Muito bem; o Senador Josaphat Marinho já fez uma declaração de voto, por escrito, sobre esse projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, no qual demonstra categoricamente que esse projeto é flagrantemente inconstitucional. Vamos ver como será o voto dos vários Senadores que aqui têm louvado os conhecimentos constitucionais e jurídicos do Senador Josaphat Marinho. Vamos ver como se comportarão durante a votação dessa matéria, tanto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania quanto no plenário do Senado.

           Independentemente da questão constitucional, penso que o fato de o Senado ter demorado a votar esse projeto deu, e dará, ao Governo tempo de desistir da aprovação dessa matéria.

           Esse projeto foi votado na Câmara dos Deputados e, salvo engano, o resultado foi muito equilibrado. Se fosse, por exemplo, uma proposta de emenda constitucional não teria sido aprovada, porque a votação foi de 20 e poucos votos. De lá para cá, alguns países que adotaram legislação semelhante a essa que está embutida no projeto de contrato temporário de trabalho, a partir da verificação prática dessas medidas, estão revogando-as.

           Esse projeto se inspirou em legislação semelhante, que havia sido aprovada na Argentina e na Espanha, e os números, nesses dois países, mostraram que, apesar da introdução dessa chamada flexibilização da legislação trabalhista, o desemprego, nesses países, continuou aumentando, comprovando, na prática, a ineficácia de legislação semelhante para combater o desemprego.

           A Espanha, por meio de dois decretos, revogou, recentemente, as medidas que havia tomado anteriormente, que introduziam mecanismos semelhantes ao desse projeto que está aqui no Senado.

A Argentina também, a partir da modificação da composição do Parlamento, com a vitória das oposições nas últimas eleições, já está trabalhando no sentido de revogar essas medidas, não por ideologia, mas porque elas se revelaram ineficazes no combate ao desemprego.

Como o Senado, até hoje, não votou essa matéria, tivemos tempo, inclusive, para comprovar essas modificações nas legislações de outros países. Como o projeto foi proposto visando copiar aquilo que havia sido implantado em outros países e como esses países, a partir da comprovação da ineficácia dessas medidas, as estão revogando, espero - o que, aliás, é o mais lógico -, já que o projeto foi feito pela iniciativa de copiar a legislação, que agora copiemos também as decisões da Espanha e da Argentina, que - repito - estão revogando essas legislações.

Espero que o Senado Federal não vote esse projeto ou o rejeite e o mande para o Arquivo, e passe a trabalhar no sentido de encontrar medidas mais eficazes no combate ao desemprego. Inclusive, espero que o Presidente da República, em vez de criticar o Congresso Nacional, como, aliás, tem sido uma constante em todas as suas visitas ao exterior - aproveite a sua visita à Inglaterra e se informe sobre algumas medidas que foram tomadas recentemente pelo Governo trabalhista inglês, como a que implantou o imposto sobre os lucros das empresas privatizadas, cobrado apenas uma vez. No caso britânico, a previsão é arrecadar entre 5 e 6 bilhões de dólares, dinheiro que será aplicado exatamente em medidas que visam a combater o desemprego. Seria uma boa oportunidade para o Presidente da República obter informações sobre esse projeto que está sendo implantado na Inglaterra, para aplicá-lo no Brasil. Isso talvez fosse algo a ser copiado pelo nosso País. Não adianta tentar tapar o sol com a peneira, tentar esconder o aumento da taxa de desemprego no Brasil simplesmente criticando a metodologia empregada na pesquisa, o que, como já foi demonstrado pelo próprio DIEESE, não têm a mínima sustentação.

Infelizmente o Presidente da República acabou fazendo interpretações, talvez em virtude de informações recebidas do seu Ministro do Planejamento, que não encontravam nenhum respaldo na realidade. É estranho que o Presidente da República, como sociólogo, como alguém que conhecia a metodologia do DIEESE, tenha feito essas críticas. Depois, tais críticas acabaram caindo no vazio, o que, no meu entendimento, demonstra que essa metodologia, ao contrário do que o Presidente da República pensava, foi usada pelo DIESE porque tem respaldo, tem apoiamento, e não apenas para fazer oposição ao Governo. Ela, inclusive, foi desenvolvida por pessoas muito ligadas ao seu Governo e ao seu Partido.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/1997 - Página 26522