Pronunciamento de Benedita da Silva em 01/12/1997
Discurso no Senado Federal
COMENTANDO ASPECTOS DO RELATORIO APRESENTADO PELO SENADOR JOSAPHAT MARINHO AO PROJETO DE LEI DA CAMARA 118, DE 1984, QUE INSTITUI O CODIGO CIVIL.
- Autor
- Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
- Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
CODIGO CIVIL.:
- COMENTANDO ASPECTOS DO RELATORIO APRESENTADO PELO SENADOR JOSAPHAT MARINHO AO PROJETO DE LEI DA CAMARA 118, DE 1984, QUE INSTITUI O CODIGO CIVIL.
- Publicação
- Publicação no DSF de 02/12/1997 - Página 26525
- Assunto
- Outros > CODIGO CIVIL.
- Indexação
-
- ANALISE, RELATORIO, AUTORIA, JOSAPHAT MARINHO, SENADOR, PROJETO DE LEI, CAMARA DOS DEPUTADOS, CRIAÇÃO, CODIGO CIVIL.
A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o projeto de lei da Câmara nº 118/84, que “Institui o Código Civil”, de iniciativa do Presidente da República, encaminhada ao Congresso Nacional em 1975, acaba de ser aprovado no Senado Federal. Após nove anos de tramitação na Câmara dos Deputados, retorna agora àquela Casa.
São 2.073 artigos (desdobrados em inúmeros outros dispositivos). Foram apresentadas cerca de 336 emendas e o relator apresentou outras 148 emendas. O projeto apresenta aspectos de continuidade em relação ao Código Civil vigente (princípios gerais, direito das obrigações e contratos, direito das sucessões, direitos de posse). Outros, de transposição, modificação e consolidação de legislações esparsas, especialmente na área de direito comercial (personalidade jurídica das empresas e títulos de crédito). Outros, de adequação às alterações constitucionais entrementes ocorridas (direito de família e justificação da propriedade pela função social).
Há dois grandes méritos no projeto, após o relatório Josaphat Marinho:
1º) a linguagem foi atualizada e ao texto foi imprimido maior objetividade;
2º) na medida do possível, as matérias de direito processual foram retiradas, para que se fortalecesse a natureza de direito material do código.
Dentre as inovações, destacamos:
- redução da maioridade de 21 para 18 anos, idade em que a pessoa passa a ser considerada plenamente capaz para todos os atos civis, como se casar e abrir empresa;
- disciplina a função social da propriedade e do contrato, o que inexiste no Código atual;
Em relação ao Direito de Família, o texto consolida mudanças da Constituição quanto à igualdade entre homens e mulheres no casamento e na aceitação da união estável. Também proporciona igualdade de direitos entre filhos, sejam eles naturais, legítimos, adotivos ou tidos em relação de adultério, como na Constituição. Acaba a autorização legal para o marido pedir a anulação do casamento, quando a mulher não é virgem. E a expressão ‘pátrio poder’ é substituída pelo ‘poder familiar’.
O relatório apresentado pelo Senador Josaphat Marinho, aprovado ontem, foi altamente positivo. Entretanto, diversos poderiam ser os a questionamentos. Temas que, à época da aprovação do código na Câmara dos Deputados eram relevantes, como, por exemplo, a “correção monetária”, deixaram de sê-lo e foram retirados, ante posterior processo de desindexação da economia (todavia, o relator teve o cuidado de permitir a revisão dos valores e preços, pela via judicial, por “motivos imprevisíveis”). Os juros, quando não convencionados, não acompanharão, por lei, a regra programática do art. 192 da Constituição Federal (12% ao ano), mas os que forem praticados para pagamento de tributos federais. As regras de direito possessório mereceriam maior atenção e não mera repetição das atuais, em razão dos agudos conflitos sociais que, atualmente, se verificam no campo e na cidade, os quais sugerem uma adaptação do conceito de posse “justa” à função social dos bens, especialmente os imóveis.
Embora destacando pontos extremamente positivos do parecer, especialmente o esforço do relator, Senador Josaphat Marinho, algumas questões mereciam ser melhor discutidas.
1º) Em relação ao art. 2º como se sabe, por modernas técnicas cientificas, em que se destacam a Universidade de Washington (EUA) e o Instituto Roslin (Escócia) já é possível a concepção de mamíferos, inclusive um ser humano, por engenharia celular, sem que se recorra à fusão de células aplóides, isto é, um gameta masculino (espermatozóide) com um gameta feminino (óvulo). Por esses processos, é possível, por duplicação de células diplóides (todas as células humanas, exceto os gametas, são células diplóides, inclusive o ovo ou zigoto, ou seja, possuem 23 pares de cromossomos), a formação de um novo ser humano com características idênticas a outro. Pela clonagem, o ser duplicado possui o código genético igual ao do possuidor/fornecedor da célula diplóide que lhe deu origem. Nesse caso, poderia gerar um impasse ético que a ordem jurídica deve repudiar, dadas as terríveis possibilidades, para a humanidade, advindas da proteção a fetos clonados, sob o manto de resguardo de “direito de nascituros”.
2º) o artigo 981 que diz: “O empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real”. Este dispositivo acaba com a chamada “outorga uxória”, em caso de alienação e gravação (Exemplo: hipoteca) de imóveis de empresas, sendo o empresário casado, qualquer que seja o regime de bens. Em outras palavras, deixa-se de exigir a autorização do cônjuge, para que ditas alienação ou gravação se realizem. O impasse que se constata é o seguinte: de um lado, é nítido o propósito de, com isso, desestimula-se a união estável (que prescinde da outorga uxória para os efeitos aqui examinados). De outro lado, é evidente que a situação do cônjuge e de seus descendentes fica muito mais vulnerável com a nova normatização. Em que pese a imperfeição relacional, já que o texto Josaphat Marinho é tecnicamente mais apurado, é preferível a redação original da Câmara dos Deputados à legitimar uma situação que gerará maior intranqüilidade no seio das famílias.
3º) De acordo com os artigos 984, 985, 989 a 993, (Da Sociedade) serão estes os dispositivos a reger a questão do convívio de pessoas de orientação homossexual. São as chamadas sociedades de fato, aqui consideradas sociedades simples, em confronto com as disposições relativas às sucessões, que definirão a prevalência e alcance dos interesses societários e hereditários nessa questão.
4º) Os artigos 1.113 e 1.121 - Embora a capitulação refira-se a: Da Transformação, da Incorporação, da Fusão e Cisão das Sociedades, esta última não está devidamente conceituada e seu processamento e efeitos inexistem no texto codificado.
5º) Art. 1.126 - “Sociedade Nacional”: a redação que, hoje, reveste-se de constitucionalidade é a do texto original da Câmara dos Deputados, em face da Emenda Constitucional nº 6/95 (revogação do art. 171 da Constituição Federal).
6º) Art. 1.276 (da Perda da Propriedade) - Projeto do Senador Lauro Campo, já aprovado pelo Senado Federal e encaminhado à Câmara dos Deputados, arrecada o imóvel rural abandonado e o transfere ao patrimônio público, após dois anos de abandono (o tempo atual é de três anos). O relator elevou o prazo para cinco anos, o que nos parece demasiado, em vista da necessidade de estoques de terra para programas de colonização e reforma agrária.
7º) Art. 1603, inciso III - não está clara a situação da chamada “barriga de aluguel”, para efeito de definição da maternidade.
8º) O artigo 1.636 gera controvérsias, pois estabelece a idade mínima para adoção aos 25 anos, quando o Estatuto da Criança e do Adolescentes prevê a idade mínima de 21 anos.
9º) Artigo sem número, antes do art. 1752, última sugestão do Relator para o Título Da União Estável)): Em relação ao concubinato, não estão ditos os efeitos jurídicos do concubinato.
10º) Art. 1904 - Do Testamento Particular: pode haver questionamentos acerca da redução do número de testemunhas necessárias, de cinco para apenas três, como o quer o relator.
Gostaria de destacar a sensibilidade do Senador Josaphat Marinho em acatar duas questões por mim sugeridas:
1 - Apesar do texto aprovado estabelecer a idade mínima em 25 anos de idade para adoções no país, hoje fixada em 21 anos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o relator aceitou retirar a seguinte exigência: além dessa idade mínima, era preciso que o casal contabilizasse pelo menos cinco anos de união. Argumentamos que essa medida dificultaria as adoções, fazendo com que o tempo mínimo de união fosse rejeitado.
2 - Substituir as expressões “retardamento mental” e “excepcionais”, abandonadas há muito tempo porque são obsoletas e imprecisas, pelas denominações “portador de necessidades especiais” ou “portadores de deficiência mental”.