Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO DIA DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO DIA DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/1997 - Página 27684
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.

           O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL/MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para muitos, as sociedades de nossa época vivem o período da pós-modernidade da história. Para outros, o tempo é simplesmente o da modernidade. Tanto num caso como no outro, trata-se de um tempo que se caracteriza por tecnologias avançadas, por meios de comunicação que tornam a notícia instantânea e por uma globalidade, à qual são afixados perfis mágicos.

           Para outros mais, essa diferenciação é irrelevante, pois os elementos mesclam-se, integram-se. Com a modernidade ou a pós-modernidade, convivem aspectos da pré-história. À civilização agregam-se barbáries; à riqueza, extrema miséria; ao conforto, situações de total indigência. Essa é a realidade vivida e contemplada, já no crepúsculo do século XX, nesta data comemorativa do Dia Universal dos Direitos Humanos.

Não há como negar que, apesar de tudo, o ser humano, que é existencialmente condicionado, continua um permanente e criativo laboratório de utopias. Carente e sonhador, convive com um constante entardecer e alvorecer de paradigmas, com uma perene afirmação de princípios e uma renovada contemplação de falências. Racional, vive descobrindo que a racionalidade não é tudo. Mergulhado em simbolismos afetivos, continuamente descobre que o afeto também empalidece e a emoção e o coração não conseguem expressar e sustentar satisfatoriamente toda uma imensa e variada riqueza humana.

O ser humano, às portas do terceiro milênio, pode-se considerar um migrante à procura do equilíbrio e da plenitude, procura movida pela saudade de algo que afirma, mas vive perdendo, impulsionado pela esperança que teima em apontar para horizontes melhores.

Apesar dos esforços, das conferências de cúpula, dos compromissos acertados entre as nações, à frente de todos está uma realidade extremamente dicotômica. Uma minoria da humanidade usufrui das circunstâncias mais alvissareiras, materializadas na existência e na eficiência das leis, no emprego seguro, na moradia confortável, no atendimento imediato e exitoso das necessidades de proteção à saúde e de desenvolvimento da educação, na abundância dos meios econômicos e financeiros que permitem a mobilidade e o gozo das maravilhosas ofertas de bem-estar e consumo hoje disponíveis.

No outro lado, à margem da história ou sem fazer história, uma grande parte dessa mesma humanidade, reconhecidamente destinatária dos mesmos direitos básicos universais, convivendo na companhia constante do esquecimento, do abandono e da morte. Para essa parte sobreviver é uma arte e um acaso. Uma arte, quando consegue superar as circunstâncias e a elas sobreviver; uma sorte, quando, por mera casualidade, não morre à míngua.

Nessas çondições encontram-se numerosos povos do denominado mundo periférico. O mundo de grande parte da África, da América Latina e da Ásia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores aqui presentes, ao meditar sobre o sentido da comemoração do Dia Universal dos Direitos Humanos, ocorre-me a certeza de que essa instituição está a exigir de todos os povos, inclusive dos mais poderosos, um salto qualitativo. Não são poucos hoje os especialistas em filosofia social que sustentam ser o contrato social nascido na modernidade um contrato que está requerendo, urgentemente, uma reformulação, uma refundação. O contrato social da modernidade funda-se sobre os princípios da igualdade e da liberdade. Falta-lhe, no entanto, um terceiro princípio, o princípio de solidariedade.

Pregado há quase 2 mil anos, de forma pacífica e como resultante da conversão do coração, nas plagas de Jerusalém, consagrado após violento derramamento de sangue sob o nome de fraternidade pela Revolução Francesa, reiterado e festejado ao longo dos anos da história contemporânea, o princípio da solidariedade ainda não está integrado nas relações entre as gentes e as nações.

Não teria chegado o momento propício para a humanidade efetivar esse salto de qualidade?

O princípio ético da solidariedade traduz um valor moral com o que as sociedades, por meio de seus governos, devem marcar suas opções políticas, econômicas e sociais, se desejam ser sociedades organizadas de maneira mais civilizada e de forma coerente com as celebrações reiteradas nos direitos universais do ser humano.

Enquanto princípio, as sociedades pela solidariedade devem ser dirigidas. Sob a inspiração do princípio, a elas deve ser proposta uma meta ideal justificada e direcionada por objetivos, por critérios de discernimento, para evitar desvios em relação ao ideal traçado. Enquanto princípio ético, a solidariedade, por sua natureza, concretiza-se em caminhos de ordenamento jurídico em níveis de formulações constitucionais e de leis de caráter geral e em atitudes de cunho político, mediante instrumentos adequados em termos de instituições e ações que tornem historicamente viável o seu valor, o valor da solidariedade.

Não tenho dúvida de que já é hora de implantar, mais do que implantar, é hora de viver esse princípio como base da vida social, para superar de fato a barbárie da fome, das guerras fratricidas, do desamparo, da manipulação, da exploração, da prepotência em escala do mais forte sobre o mais fraco, do individualismo, do isolamento e da ilegitimidade.

A solidariedade funda o ideal, traça o caminho para a igualdade ética de todos os sujeitos. A solidariedade orienta eticamente a relação social assimétrica. A solidariedade é princípio axiológico da vida social assinalada pela empatia, pela cooperação e pela busca da plenitude.

Na solidariedade, radicaliza-se a sociabilidade. Nesse contexto, todas as pessoas, por meio das suas instituições e estruturas, procuram a humanização dos seus agrupamentos, na concretude da cooperação. Na solidariedade, os contratos entre sujeitos e nações iguais e livres assumem uma caracterização ética, no sentido da verdade de que todos os sujeitos possuem uma vinculação profunda, como co-partícipes da situação de todos.

É ilusão, é irrealismo pensar em igualdade e liberdade, em direitos universais de todos sem solidariedade. Porque somente a solidariedade é capaz de considerar e de assumir a condição de assimetria da vida humana.

À margem, ou fora desse contexto, tenho a convicção de que pouca oportunidade resta para os povos comemorarem o Dia Universal dos Direitos Humanos como evento de efetivo êxito no melhoramento das relações e das condições de vida. Nem a globalização, nem o livre mercado, nem capitalismo, nem socialismo terão reais possibilidades de qualificar positivamente a vida humana, pois todas essas visões estão presas a mecanismos que alijam os seres humanos como pessoas, cultivam a riqueza como fetiche, destroem custos sem escrúpulos porque é preciso crescer, semeiam e cultivam a escravidão sem senhores.

Fora desse contexto, continuaremos a comemorar o Dia Universal dos Direitos Humanos na perspectiva da sociedade futura a qual, parafraseando o que disse Keynes, em 1930, valorizará os fins acima dos meios e preferirá o bom acima do útil.

Portanto, Sr. Presidente, é com este pronunciamento que faço a minha homenagem ao Dia Universal dos Direitos Humanos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/1997 - Página 27684