Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO DIA DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO DIA DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/1997 - Página 27685
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste 10 de dezembro - Dia Mundial dos Direitos Humanos -, voltamos a esta tribuna para tratar do assunto que deve ser prioridade para todos os homens e mulheres comprometidos com o seu tempo e com o futuro da humanidade.

Se, em outros momentos da vida do País e do mundo, os direitos humanos já estiveram mais identificados com a condição democrática, hoje estão principal e diretamente vinculados à política econômica e social e sua repercussão na vida dos povos.

A afirmação dos direitos humanos na sociedade brasileira e no mundo passa, necessariamente, portanto, pela superação do atual modelo econômico mundial, auto-intitulado neoliberalismo, que impõe a submissão, o atraso e a miséria às nações periféricas.

Srªs e Srs Senadores, inexiste direito de qualquer espécie quando a ideologia econômica em curso descarta o ser humano das suas fórmulas tecnocráticas de desenvolvimento, dos projetos de ocupação de mercados ou dos avanços conquistados por novas tecnologias de produção.

É hipocrisia falar-se em direitos humanos diante do crescente quadro de concentração de renda, seja no Brasil ou no mundo, que torna alguns mais e mais poderosos e empurra para a marginalização absoluta milhões de seres humanos.

Em nosso País, por exemplo, contrariando a propaganda oficial, os recentes dados divulgados pelo IBGE informam que a concentração de renda aumentou ainda mais no período de 1987 a 1996, tornando os ricos mais ricos e os pobres ainda mais pobres.

Segundo o IBGE, em 1987, os 10% mais pobres detinham 1,12% da renda nacional, enquanto que, em 1996, esse percentual baixou para 0,98%, ao mesmo tempo em que os 10% mais ricos, que em 1987 detinham 41,91% da renda nacional, aumentaram a sua participação para 42,36% em 1996.

Enquanto isso, segundo dados da ONU, apenas 358 famílias em todo o mundo detêm uma renda equivalente à renda nacional de 40% dos países do mundo, o que por si só já basta para evidenciar a distorção insuportável nas relações de produção e distribuição das riquezas.

Atualmente, na minha avaliação, a principal condição para vigência de direitos humanos, em qualquer sociedade, é a garantia do direito ao emprego, ao trabalho, ou seja, à existência, à sobrevivência, à própria vida.

A cada dia que passa, mais claro fica que o direito ao trabalho deve ser elevado a um patamar superior de discussão nas sociedades, superando o atual estágio de resignação diante de seu crescimento vertiginoso.

A sociedade não pode mais aceitar como um fato normal que, depois de faturar altos lucros, diante da crise do tal “mercado”, a primeira reação das grandes empresas seja simplesmente ameaçar ou mesmo demitir em massa os trabalhadores. Também não podemos admitir que as autoridades mundiais, de uma hora para outra, transformem modelos econômicos em “modas” ultrapassadas, como declarou recentemente o Presidente do Fundo Monetário Internacional em relação à Coréia do Sul.

Além da moda, de “ataques especulativos”, de países mergulhados em crise econômica e de fortunas acumuladas pelos especuladores, estão milhões de crianças, de jovens, de trabalhadores, de mulheres e de idosos excluídos - no Brasil, na Coréia do Sul, na Argentina, na África ou na periferia dos países ricos.

É preciso, portanto, que governos, autoridades e lideranças tratem o direito ao trabalho como um direito fundamental de cidadania, de desenvolvimento do ser humano e, até mesmo, da própria liberdade.

Os direitos humanos não serão alcançados em sua plenitude, se prevalecer a passividade, a sujeição ou a conivência ativa com essa política, por parte das autoridades, governos e lideranças de diversos setores.

Srªs e Srs. Senadores, é com esperança, no entanto, que, neste momento, além da constatação das dificuldades, podemos verificar que, em vários pontos do Brasil e do mundo, as consciências e as vozes se levantam contra a suposta supremacia das idéias vigentes.

Um exemplo dessa reação é a escritora francesa Viviane Forrester, que, em seu livro "O Horror Econômico", denuncia com profunda sensibilidade a indignação às supostamente inquestionáveis regras de "mercado" vigentes.

Diz ela, em seu livro:

Eis então a economia privada solta como nunca em plena liberdade - essa liberdade que ela tanto reivindicou e que se traduz por desregulamentações legalizadas, por anarquia oficial. Liberdade provida de todos os direitos, de todas as permissividades.

Desenfreada, ela satura com suas lógicas uma civilização que está se acabando e cujo naufrágio ela ativa.

E continua a autora:

Naufrágio camuflado, posto na conta de "crises" temporárias, a fim de que passe despercebida uma nova forma de civilização que já desponta, onde só uma pequena porcentagem da população terrestre encontrará funções. Ora, dessas funções dependem os modos de vida de cada um e, mais ainda, para cada um, a faculdade de viver. O prolongamento ou não de seu destino.

É com esse espírito de resistência, de questionamento constante e de compromisso com a vida das pessoas comuns que devemos lembrar a passagem deste Dia Mundial dos Direitos Humanos, para que ele, de fato, seja proveitoso e educativo. O mesmo sentimento que, no Brasil, marcou a vida de Herbert de Souza, o Betinho. Inclusive, ontem, Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidade sempre sintonizada com o tempo presente, homenageou aquele que representa hoje, sem dúvida, e representará daqui para frente, o exemplo, a esperança, o compromisso de luta, o entusiasmo e a ação nas pessoas de sua mulher e seu filho, com o Prêmio de Direitos Humanos Miguel Seabra Fagundes. Uma postura que vemos crescer na sociedade, especialmente entre os trabalhadores, no sentido de questionar, de exigir o debate, de cobrar resultados concretos das políticas oficiais e de apontar um novo rumo para o desenvolvimento do País.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o fim da impunidade que exigimos para crimes como o de Corumbiara e Eldorado dos Carajás deve se cobrada também para aqueles que submetem pessoas, famílias, povos e nações à privação do emprego, do direito a uma vida mais digna.

Esses temas, tanto em relação à violência física quanto à violência oficial da exclusão econômica, devem merecer tratamento global, pois têm origens e conseqüências de ordem mundial e dizem respeito ao conjunto da humanidade.

Eu gostaria também de registrar aqui um fato importante que recentemente aconteceu em Porto Alegre, organizado, patrocinado pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do meu Estado. Estive lá e participei de um evento importante, com a presença do Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Perez Esquivel, argentino que se vem manifestando e traçando uma luta pela paz, pela solidariedade e pelo combate à violência.

Naquela oportunidade, o Dr. Adolfo Perez Esquivel defendeu a idéia de transformar os primeiros dez anos do século XXI na Década da Educação pelos Direitos Humanos.

Trata-se de uma importante iniciativa para ser abraçada pelo mundo, pelos governantes, pelo povo em geral para se combater qualquer forma de violência, de abuso contra os direitos humanos e de exclusão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é, portanto, com esse compromisso, ao concluir este pronunciamento, que conclamo a todos os brasileiros, homens e mulheres, a se unirem pelo maior de todos os direitos humanos, que é o direito à vida digna para si e para o próximo, com empregos, com salários decentes com educação de qualidade, com igualdade para homens, mulheres, negros, idosos, portadores de deficiência. Um país com soberania nacional e fraternidade universal.

O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Muito obrigado, Senadora, estava esperando a oportunidade de aparteá-la, principalmente para cumprimentá-la pelo tema que escolheu, em dia tão importante como o de hoje, em que se comemora a defesa dos direitos humanos, dia da Declaração Universal desses direitos. O problema da dignidade do cidadão está intimamente relacionado à oportunidade de trabalho, V. Exª tem razão. Verificamos que a globalização trata a sociedade como uma massa disforme que tem de seguir para um lado ou para outro, buscando a oportunidade apenas do ganha-pão. Ao invés de trazer benefícios à sociedade, impõe-lhe sacrifícios como a perda de empregos, a diminuição de salários e tantas outras contradições que o mundo não deveria oferecer ao indivíduo. Infelizmente, a massificação do capital tem trazido essas amarguras para o cidadão mais carente. Sabemos que a moeda foi criada para substituir a troca, o escambo; ela tinha o poder de substituir o valor equivalente ao produto que fosse ser adquirido. E, hoje, o que ela virou? Um valor de especulação, perdeu seu sentido real. A moeda especula, sacrifica, leva à falência pessoas que se deixam seduzir pelo canto do cisne do capital especulativo, transformando-as em escravos, tirando-lhes a oportunidade de trabalho. V. Exª citou Esquivel. Conheço um pouco da história de sua luta durante essas duas últimas décadas que, a exemplo de Ghandi, pregava a defesa dos direitos humanos por meio da não violência - algo que muitas vezes enxergávamos como uma fantasia. Hoje, acreditamos que é a realidade. O mundo busca extirpar a violência apenas com a expressão “eu sou de paz”, através desses movimentos que nascem com os jovens. O pronunciamento de V. Exª tem toda a razão de ser, pois procura, através dos exemplos de Betinho, Esquivel e tantos outros, mostrar que o mundo foi feito para não haver violência. Nele deve haver respeito ao cidadão e direito de oportunidades iguais para todos, como V. Exª pregou em seu discurso. Obrigado, Senadora.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Agradeço o aparte de V. Exª e incluo-o no meu pronunciamento com muita satisfação. Sem dúvida, ele enriquece as nossas considerações.

           Neste dia, lembramos mais um ano de existência do que deveria ser a constituição universal, em que todos os povos, todos os governantes, toda e qualquer pessoa deveria se espelhar. Todos deveriam buscar nessa Constituição a orientação para se governar com sensibilidade, com a razão, buscando a igualdade e a inclusão das pessoas. Todos são importantes. Todos são necessários e devem ter seu espaço, uma vida digna, melhores condições de saúde e acesso à educação e ao trabalho. Principalmente, todos devem ter oportunidade de viver não apenas num espaço onde se diz que a democracia está em vigor. Queremos muito mais do que isso. Queremos que as pessoas possam dizer: “Vivemos num País democrático e também temos garantidas a nossa afirmação e a nossa vivência plena da cidadania”.

           Somente quando houver igualdade, uma melhor distribuição da renda e melhores oportunidades, poderemos dizer que a Declaração dos Direitos Humanos no nosso País e no mundo realmente está valendo. Isso é muito importante e devemos continuar perseguindo, porque acreditamos que, acima de tudo, há esperança e o compromisso daqueles que entregaram até mesmo suas vidas, como o fez Herbert de Souza, na luta pela igualdade.

           Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

           Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/1997 - Página 27685