Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO DIA DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS.

Autor
Leonel Paiva (PFL - Partido da Frente Liberal/DF)
Nome completo: Ildeu Leonel Oliveira de Paiva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO DIA DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/1997 - Página 27767
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.

O SR. LEONEL PAIVA (PFL-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por mais ligeira e superficial que seja, qualquer análise que se faça em relação à História de nosso tempo haverá de identificar, com evidente nitidez, os paradoxos e as contradições deste final de século. O avanço tecnológico - rigorosamente sem precedentes - não é capaz de reduzir as enormes diferenças entre regiões, povos e classes sociais; a extraordinária ampliação do conhecimento convive com milhões de analfabetos pelo mundo afora; o conforto e as facilidades da vida material moderna não atingem colossais contingentes de deserdados e excluídos em todos os cantos.

Ademais, o momento histórico que vivemos é pródigo em determinadas características que, sob o ponto de vista moral e ético, não deixam de ser preocupantes. O vertiginoso ritmo da vida contemporânea faz com que a idéia de transitoriedade a tudo presida: a vinculação orgânica com o passado, essencial para a compreensão da trajetória das sociedades, deixa de existir, reduzindo a dimensão do tempo ao presente vivido. Daí a inegável crise de valores pela qual passamos e que tem na banalização da própria vida humana sua mais aguda expressão.

Há, no entanto, aspectos altamente positivos que singularizam nossos dias. Entre esses, quero destacar um por sua relevância e sobretudo pelo que permite descortinar em termos da História que as sociedades estão construindo. Refiro-me à cidadania, cuja ampliação conceitual e prática tem sido a tônica das últimas décadas, constituindo-se em verdadeiro fenômeno de escala mundial.

Ao falar de cidadania em nosso tempo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos referindo-nos à maior participação política dos cidadãos, ao aprimoramento da concepção de democracia, ao respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana. São conquistas que custaram muito esforço, muita luta, abnegação e força de vontade de homens e mulheres em todo o mundo, movidos pela crença de que a construção de uma sociedade justa, fraterna e democrática pressupõe, em primeiro lugar, o respeito essencial à dignidade do ser humano.

Exatamente por isso, Sr. Presidente, este 10 de dezembro, que ora comemoramos, é data especial para todos nós que, em cada canto do planeta, acreditamos na eterna possibilidade humana de crescer com seus erros, superar vicissitudes e edificar uma vida melhor. Há aproximadamente 50 anos, no dia 10 de dezembro de 1948, a Terceira Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Reunida em Paris especialmente para esse fim, a Assembléia - composta de representantes de 65 países, deles excluídos os derrotados na Segunda Guerra Mundial - produziu um texto histórico. Pode-se dizer, com segurança, que a Declaração de 1948 completava um ciclo que o final do século XVIII havia iniciado, com as revoluções liberais que sepultaram o antigo regime absolutista: a Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, generoso emblema da Revolução Francesa de 1789. Num espaço de dois séculos, três documentos decisivos no campo dos direitos humanos, verdadeiros marcos na História da Civilização.

A cinqüentenária Declaração Universal dos Direitos Humanos, cuja proclamação o mundo hoje celebra, surgiu em um momento especial. O mundo buscava refazer-se da mais trágica e dolorosa experiência bélica jamais vista, a Segunda Guerra, encerrada então há três anos. Motivada, entre outras razões, pelas feridas mal cicatrizadas da Grande Guerra de 1914-1918, o conflito iniciado em 1939, além de ter sido efetivamente universal e de ter propiciado a criação de armas atômicas - características que o distinguem de todos os anteriores e ampliam seus efeitos dramáticos - colocou o mundo frente a um dilema atroz: preservar a civilização ou sucumbir à barbárie nazi-fascista.

O espírito que norteou a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos foi, pois, o da reconstrução do mundo sobre novas bases, a exemplo do que já sinalizara, poucos meses após o fim da guerra, a própria Carta das Nações Unidas. Novas bases que se afastassem dos princípios e das práticas que, na primeira metade do século, haviam empurrado os povos para duas guerras mundiais e que, por isso mesmo, configuravam um modelo fracassado.

Como bem assinalou Dom Lucas Moreira Neves, em primoroso texto publicado pelo Jornal do Brasil, em dezembro de 1988, a Declaração surgiu quando terminara, “pouco mais de três anos antes, uma guerra que envolvera, de um modo ou de outro, a maioria dos países-membros. Estes conservavam, viva e dolorida, a memória de graves violações dos direitos humanos mais sagrados, na lógica absurda daquela guerra. E ao assinarem o documento, o faziam com o íntimo desejo de que nunca mais fossem possíveis tais violações.

Identificada com os novos tempos e com os anseios majoritários da opinião pública mundial, a Declaração de 1948 correspondeu a um inegável avanço em relação aos dois textos do final do século XVIII, aqui citados. Em conformidade com eles, reafirma os direitos individuais, tais como liberdade de pensamento, de consciência, de religião; mais do que eles, introduz os direitos sociais, nos quais se destacam o direito ao trabalho, à educação, à segurança social, a um nível de vida satisfatório, ao repouso e ao lazer.

Em apenas trinta artigos, cuja elaboração contou com a decisiva participação de um brasileiro - o imortal Austregésilo de Athayde, tantas vezes Presidente da Academia Brasileira de Letras e orador escolhido para fazer o discurso solene de proclamação do documento -, a Declaração explicita os direitos considerados fundamentais, a partir dos quais gravitam tantos outros, derivados e secundários. Sua marca, como conquista da civilização, está hoje presente nas Constituições de praticamente todos os Estados representados na ONU.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, celebrar, hoje, os quase cinqüenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos significa reafirmar nosso compromisso com a paz entre os povos, sabendo ser impossível conquistá-la e preservá-la sem o aporte da justiça e da democracia.

Ao finalizar, não imagino forma mais adequada para fazê-lo senão repetir as palavras de nosso Austregésilo de Athayde, escritas quando da celebração do quadragésimo aniversário da Declaração que ele ajudou a produzir: “Nenhuma outra idéia supera a de que não haverá paz no mundo, nem democracia, nem justiça, sem que haja uma compenetração universal dos valores éticos, morais, políticos, sociais e econômicos, englobados de maneira sintética, mas explícita, que assegurem ao homem a dignidade de sua pessoa.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/1997 - Página 27767