Discurso no Senado Federal

DEBATENDO O SUBSTITUTIVO DA CAMARA DOS DEPUTADOS AO PROJETO QUE REGULAMENTA OS PLANOS DE SAUDE PRIVADOS, EM TRAMITAÇÃO NESSA CASA. SUCATEAMENTO DA REDE HOSPITALAR PUBLICA NO PAIS.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • DEBATENDO O SUBSTITUTIVO DA CAMARA DOS DEPUTADOS AO PROJETO QUE REGULAMENTA OS PLANOS DE SAUDE PRIVADOS, EM TRAMITAÇÃO NESSA CASA. SUCATEAMENTO DA REDE HOSPITALAR PUBLICA NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 09/12/1997 - Página 27243
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, LIMITAÇÃO, SENADOR, VOTAÇÃO, SUBSTITUTIVO, CAMARA DOS DEPUTADOS, REGULAMENTAÇÃO, PLANO, SAUDE, SEGURO-DOENÇA, PROVOCAÇÃO, IMPEDIMENTO, SENADO, FUNDAMENTAÇÃO, DECISÃO, REFERENCIA, ASSUNTO.
  • DISCORDANCIA, POSIÇÃO, SEBASTIÃO ROCHA, SENADOR, QUALIDADE, RELATOR, SENADO, SUBSTITUTIVO, CAMARA DOS DEPUTADOS, REGULAMENTAÇÃO, SEGURO-DOENÇA, REFERENCIA, SUPRESSÃO, ARTIGO, AUTORIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, EMPRESA PRIVADA, PLANO, SAUDE, MOTIVO, POSSIBILIDADE, MELHORIA, ATENDIMENTO, DIAGNOSTICO, TRATAMENTO, UTILIZAÇÃO, TECNOLOGIA, PAIS INDUSTRIALIZADO, PRIMEIRO MUNDO.
  • DISCORDANCIA, SUPRESSÃO, ARTIGO, SUBSTITUTIVO, REGULAMENTAÇÃO, SEGURO-DOENÇA, REFERENCIA, CONCORRENCIA PUBLICA, CONTRATAÇÃO, SERVIÇO, ASSISTENCIA MEDICA, SERVIDOR, ORGÃOS, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • IMPORTANCIA, URGENCIA, VOTAÇÃO, SENADO, SUBSTITUTIVO, REGULAMENTAÇÃO, SEGURO-DOENÇA, PAIS.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, considerando "simplesmente antiético, e até mesmo imoral, excluir cobertura de despesas com doenças contraídas independente da vontade do segurado", o nobre Senador Iram Saraiva apresentou projeto a esta Casa, em 1993, proibindo qualquer exclusão de cobertura de despesas com tratamento médico em contratos para atendimento médico-hospitalar com empresas privadas de seguro-saúde, com planos de assistência médica, de medicina de grupo e assemelhados, que vinham redundando, ainda, em elevado número de recursos à Justiça e entidades como o Procon.

Projeto simples, limitado a três curtos artigos, que o Senado aprovou e enviou ao exame da Câmara dos Deputados. Esta devolveu-nos, depois de quatro anos de debates e tramitação, extenso substitutivo, no qual a regulamentação, com grande abrangência, disciplina os serviços prestados pelas empresas de seguro-saúde, bem como das operadoras dos planos de saúde que, do nosso ponto de vista, devem ter legislação específica.

O trabalho na Câmara dos Deputados desenvolveu-se sob forte polêmica, dada a vasta importância da matéria, que diz respeito a cerca de 40 milhões de brasileiros, bem como a poderosos interesses financeiros envolvidos num mercado que cresce de modo espetacular, acompanhando a falência do sistema público de saúde.

De plano, a que se destacar que o seguro-saúde é uma modalidade de seguro pessoal, oferecido e operado por uma seguradora e regulamentado por normas legais próprias, diferentemente dos planos de saúde que constituem contratos de prestação de serviço de assistência médico-hospitalar, feitos entre, por um lado, pessoas ou empresas e, por outro lado, empresas ou cooperativas que vendem esses serviços.

O seguro-saúde é hoje a modalidade de seguro que mais cresce no setor e, na opinião dos especialistas da área, será o principal produto da década. Foi instituído entre nós em 1966, podendo ser visto como decorrente da crise em que, já naquela época, debatia-se a Previdência Social após a unificação dos antigos institutos e caixas de pensões e aposentadoria.

           Mesmo apresentando crescimento positivo, após sua implantação em 1977, pouco eram os segurados que atraía, até que o setor sofresse, em 1994, a autêntica explosão. Só naquele ano, cresceu o mercado segurador em 64%, hoje abrangendo 40 milhões de brasileiros e movimentando mais de R$7,2 bilhões.

           É evidente, Sr. Presidente, que essa súbita explosão, ocorrida em menos de três anos, conforme sugeri há pouco, é fruto da desesperança dos brasileiros quanto à assistência à saúde, direito que lhes é assegurado constitucionalmente. E tudo coincidindo com o sucateamento da rede hospitalar pública, hoje reduzida a hospitais paralisados ou em funcionamento precário e com imensos sacrifícios por parte do pessoal daqueles hospitais que ainda funcionam, como é notório.

           A assistência médico-hospitalar tornou-se um dos mais promissores negócios do País, constituindo mercado de potencialidade capaz de atrair o capital internacional. Estamos, sem dúvida, diante da inequívoca falência do Estado no setor, tal como começa a se dar no tocante à segurança pública, que também vem propiciando outra formidável fonte de investimentos privados. É o Estado retirando-se precisamente de setores que, juntamente com a educação, mais preocupam e alarmam a Nação. Os dados constam de todas as pesquisas de opinião pública realizadas por iniciativas governamentais ou privadas.

           Sr. Presidente, nobres Colegas, imensa foi a celeuma estabelecida na Câmara dos Deputados no decorrer da discussão e votação do projeto que ora nos cabe examinar. Discordâncias e protestos contra o texto, que nos é agora submetido, surgem de todos os setores, não deixando nenhum deles de reclamar alterações no projeto atual.

           O projeto que aprovamos e remetemos ao exame da Câmara dos Deputados de lá nos retorna como vasto estatuto que objetiva regular, de forma minuciosa, o seguro-saúde, bem como todas as formas de planos de saúde existentes. Segundo entendimento do Relator, o nobre Senador Sebastião Rocha, a nós, no Senado, cabe apenas referendar ou rejeitar o que nos vem da Câmara, sendo-nos lícito apenas apresentar emendas supressivas, de difícil execução, pois, em pontos fundamentais, podem redundar em mal maior. Será atirar no que vemos, atingindo o que não vemos.

           O Ministro da Saúde, Carlos Albuquerque, publicou artigo na imprensa saudando o fruto do trabalho da Câmara, contra o qual, não obstante, erguem-se gregos e troianos. Segundo S. Exª, há que congratular com “avanços de regulamentação”, o que nos alivia, por exemplo, do temor que nos vem da afirmativa de que a simples alegação de epidemia isentará planos de saúde de toda responsabilidade. O estatuto aprovado pela Câmara, abrangendo setores diversos, vai a minúcias em que a capciosidade é pródiga, ao mesmo tempo em que atende a ardentes reivindicações dos grupos privados envolvidos com planos de saúde, setor que vem abastecendo copiosamente nossos já supercongestionados tribunais. Excetuando o entusiasmo do Ministro Carlos Albuquerque, de toda parte nos vêm advertências, protestos e denúncias em torno da legislação, de abrangência e importância excepcionais.

           Nobre Presidente e nobres Colegas, rápido estudo da proposição e de manifestações sobre ela já surgidas - a começar pelo artigo ardente, desesperado mesmo, do Deputado José Aristodemo Pinotti, inquestionavelmente autoridade no assunto - me dá plena convicção de que estamos diante de xeque-mate que nos impede toda decisão. Ou se aprova o texto que recebemos sem modificação, ouvidos fechados à celeuma que se ergue, de todos os lados, ou rejeitamos o projeto, retornando à estaca zero em assunto que, há muito, está a reclamar legislação específica. A não ser que passemos ao exame cuidadoso do substitutivo, por meio de comissão especial, visando modificá-lo no que for necessário, sem que disso decorra o risco de vermos tornada lei a íntegra da decisão dos Srs. Deputados.

Todos que votamos e aprovamos o projeto do nobre Senador Iram Saraiva tivemos como objetivo unicamente atender à específica reivindicação da numerosíssima clientela dos planos e seguros de saúde, pondo fim a uma situação que dava margem a abusos intoleráveis, como já proclamado pela Justiça. E vemo-nos, agora, diante de uma armadilha: ou aprovamos, in totum, o que nos é devolvido pela Câmara, ou o rejeitamos, lembrando que a matéria com que nos deparamos é de imensa importância para o povo brasileiro e apresenta complexidade que requer acurados estudos, sem os quais toda decisão será precipitada, inadequada ao senso de responsabilidade que sempre caracterizou esta Casa.

Sem a menor pretensão de esgotar o assunto, muito pelo contrário, até para corroborar essa minha percepção dos altos riscos de uma decisão precipitada, permito-me chamar a atenção dos ilustres Pares tão-somente para dois aspectos do eminente Senador Sebastião Rocha, os quais me parecem altamente problemáticos e eloqüentemente ilustrativos das muitas dificuldades que nos aguardam.

O nobre Relator propõe suprimir o §4º do art. 1º do Substitutivo da Câmara dos Deputados, que permite a participação de empresas e capitais estrangeiros na constituição, na participação e no aumento de capital de operadoras de planos de saúde, louvando-se em duas ordens de alegações: de um lado, uma petição de princípio, melhor dizendo, um juízo de valor não comprovado e nem testado, segundo o qual - e aqui cito textualmente seu relatório - “a entrada de capital estrangeiro nesse setor cria um risco sério para sua desnacionalização”. E, em apoio a esse ponto de vista, faz o nobre Relator menção ao que “já se está observando no setor de seguros privados”. De outro lado, o Relator expressa seu receio de que - torno a abrir aspas - “com o poder que lhes confere o vigor financeiro de suas matrizes no exterior, o mais provável é que se utilizem (esses capitais estrangeiros) da prática do dumping para apoderar-se das empresas do setor, vindo a substituí-las a médio prazo para, então, praticarem os preços que lhes convêm”. Para concluir, o representante do Amapá manifesta-se contrário - abre aspas - “à manutenção desse dispositivo por considerar que está correto o que reza a Constituição Federal quando veda a participação direta ou indireta de empresas e capitais estrangeiros na assistência à saúde no País (art. 199, §3º)” - fecha aspas.

Sr. Presidente, nada mais impróprio, inoportuno e sem sentido, aqui, que entrar em disputas de hermenêutica constitucional. Tampouco este é o momento e o lugar de encetar reflexão sistemática sobre os riscos, as oportunidades e os rumos da globalização. Por isso, vou tentar ir direto ao assunto.

Em primeiro lugar, está fora de dúvida que a Emenda Constitucional nº 13, de 1996, alterou substancialmente as regras do jogo no tocante à entrada dos investimentos produtivos externos, eliminando a distinção entre empresas brasileiras de capital nacional, de um lado, e estrangeiro, de outro. Os levantamentos demonstram que essa mudança fortaleceu a capacidade do Brasil para beneficiar-se dos aspectos positivos da globalização, traduzidos em aumento do estoque de capital nacional, sofisticação da base termológica e geração de novos empregos.

Em segundo lugar, o Brasil tem registrado avanços significativos no tocante aos mecanismos de proteção contra o dumping, como exemplifica, aliás, a recente manifestação do Conselho de Administração de Defesa Econômica, - CADE -, contrário à fusão de dois gigantes industriais de ramo cervejeiro.

Em terceiro, último, mas não menos importante lugar, estou convicto de que o afluxo de empresas e capitais estrangeiros, no caso específico da assistência à saúde, redundará em amplos benefícios para o consumidor, graças à fixação de novos e superiores patamares de atendimento e excelência tecnológica no diagnóstico e tratamento de doenças, baseados na experiência dos países mais desenvolvidos.

O outro questionamento refere-se à supressão do art. 35 do substitutivo da Câmara, dispondo sobre a objetividade de concorrência pública na contratação de serviços de assistência médica a servidores dos órgãos de Administração Pública e seus respectivos dependentes.

Não comungo com o raciocínio do ilustre Relator, para quem a existência da Lei nº 8.666, de 1993, é suficiente para garantir a lisura desses processos - abre aspas mais uma vez - “tornando totalmente desnecessária tal previsão em outro diploma legal.” O que se lhe afigura como pura redundância, parece-nos um óbvio imperativo: a manutenção do art. 35 da Câmara dos Deputados, particularmente no que tange à ordem ética e exigência de racionalidade administrativa, não deixando, assim, a menor oportunidade de dubiedade quanto à interpretação da Lei.

Sr. Presidente, não posso deixar de fazer alusão às semanas tempestuosas que temos vivido, assustada a Nação com as ameaças à estabilidade do real e, agora, surpreendida por violento pacote de medidas econômico-financeiras baixado pelo Governo, destinado a repercutir intensamente na vida do cidadão. Mais uma luz amarela a nos recomendar cautela!

Mas, Sr. Presidente e nobres Colegas, vim à tribuna nesta tarde para fazer alguns comentários sobre o tema em pauta, a saúde, que está sendo discutido para ser então votado e regulamentado. Recebemos o dispositivo da Câmara dos Deputados e para que ele não retorne, nos é permitido apenas suprimir alguns tópicos. Se nós o mudarmos substancialmente, ele terá que voltar à Casa de origem, acarretando com isso demora para a sua praticidade.

Sabemos que, em função dessa expectativa, os setores públicos ligados à saúde deixam a desejar. O Governo tem a expectativa de que se coloque em prática o quanto antes essas modalidades (seguro-saúde e planos de saúde), porque cerca de 40 milhões de brasileiros deixarão de ser atendidos pelos hospitais públicos, ou melhor, pelo SUS, trazendo com isso uma economia enorme para o Governo Federal, que deixaria à própria sorte a saúde no Brasil; com isso muitos brasileiros terão que buscar alternativas. Essa é a verdade. Estamos diante de um ditado: “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.” Esse é o adágio que está posto, essa é a realidade por que o Brasil está passando. Por isso, a importância de analisarmos esse caso, porque é a realidade. Há também uma grande expectativa por parte das empresas.

Precisamos fazer pressão ao Governo também; isso é fundamental e já está ocorrendo. Precisamos nos apressar; estamos para entrar em recesso no próximo dia 15, e se esta Casa não votar e não ficar apenas nessa parte supressiva - como o Relator mostra em algumas questões - não atenderemos a cerca de 40 milhões de brasileiros que não encontram amparo no Sistema Único de Saúde, o SUS, porque a saúde está sucateada.

Entra em pauta, esta semana, a CPMF. É outro dispositivo que o Governo usa para, até 1999, dispor desses recursos que, muitas vezes, não são destinados à saúde. De qualquer sorte, mais uma vez, se analisarmos bem, é o povo brasileiro que arca com a bitributação, porque terão de buscar outras fontes, outros recursos para poder agüentar e ter melhor atendimento na área da saúde. Dessa forma o Governo se sentirá aliviado, mas vamos deixar 100 milhões de brasileiros buscando esses benefícios, esse atendimento nos hospitais públicos, no Sistema de Saúde do País, o SUS. Esse assunto já está em pauta para esta semana, e a Casa haverá de se pronunciar em relação a isso. Essa é a importância que nós temos. Segundo o Relator da matéria, empresa estrangeira e capital externo não devem entrar nas modalidades de saúde. Creio que não é por aí. Se alguns julgam ser perigoso que empresas internacionais entrem para atuar na área de saúde, de minha parte não vejo nenhum risco nisso. Argumenta-se que a entrada de empresas estrangeiras poderia nos levar a alguma desvantagem, mas não percebo isso nesta corrida internacional que vemos hoje, principalmente no setor de saúde privada. Penso que aquilo que pode nos ajudar deve vir. Essa é a abertura que está existindo hoje.

Eram algumas considerações que eu não poderia deixar de trazer na tarde de hoje, Sr. Presidente e nobres Colegas.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/12/1997 - Página 27243