Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO ANIVERSARIO DO ARQUITETO BRASILEIRO OSCAR NIEMEYER.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO ANIVERSARIO DO ARQUITETO BRASILEIRO OSCAR NIEMEYER.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/1997 - Página 27037
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, OSCAR NIEMEYER, ARQUITETO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores; familiares e amigos do mineiro, do carioca, do cidadão do mundo Oscar Niemeyer, a quem transmito, em nome de Minas, o abraço dos mineiros.

Começarei este pronunciamento com o seguinte texto:

      "Os olhos vêem coisas, mas figuras de coisas que significam outras coisas." (Ítalo Calvino, em "As Cidades Invisíveis", ed. Companhia das Letras, pág. 17)

Sr. Presidente, ninguém melhor do que Lúcio Costa para dizer de Oscar Niemeyer.

Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares, arquiteto, artista, domínio da plástica, dos espaços, dos vôos estruturais, sem esquecer o gesto singelo.

Em 1957, quando Oscar Niemeyer completou 50 anos, Lúcio Costa escreveu:

"As horas e os dias não contam mais. Não há o desgaste: pelo contrário, recebe carga, acumula vida. Isto, que para nós outros sucede uma vez por outra, dá-se em Oscar Niemeyer, a bem dizer, todos os dias, e assim, feitas as contas com o devido rigor, a completar cinqüenta anos, ele ainda andará por volta dos trinta."

E Lúcio Costa completa:

"O segredo de sua juventude decorre simplesmente desse exercício cotidiano a que se entrega, de proceder à síntese e depuração de complexos problemas arquitetônicos."

Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares, o mundialmente famoso Oscar Niemeyer, se encontra em Brasília, onde, na sede do Congresso Nacional, reproduz os traços leves e indeléveis de sua obra em Minas, em Brasília, em São Paulo e em vários países do mundo.

Cumprimentei-o, em nome de Minas e dos mineiros, no auditório Nereu Ramos. A sua vitalidade e a sua juventude nos impressionam, a mim e ao auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, completamente lotado. Niemeyer é o mesmo sonhador, artista, democrata, preocupado com a miséria, a pobreza, a discriminação de rendas, um cidadão do mundo sempre voltado para o destino da humanidade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este mês de dezembro nos reserva a oportunidade de comemorar duas datas de grande expressão para Minas e para o Brasil: o centenário da cidade de Belo Horizonte, no próximo dia 12, e os 90 anos de Oscar Niemeyer, no próximo dia 15.

Há, sem dúvida, uma interação entre Oscar Niemeyer e Minas Gerais, particularmente Belo Horizonte. Foi lá, nas montanhas mineiras, que desabrochou o gênio Niemeyer.

Pois foi o então jovem Prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek, quem deu a Niemeyer a oportunidade de exibir e desenvolver seu enorme talento ao entregar-lhe a construção de uma série de edifícios ao redor da recém-construída Lagoa da Pampulha.

O próprio JK nos revela o histórico encontro com Niemeyer:

      “Quis a Providência que fosse um dia visitado, na Prefeitura, por Rodrigo Melo Franco de Andrade, Diretor do então Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Ministério da Educação, levei-o e a um jovem arquiteto que então o acompanhava - Oscar Niemeyer - numa visita à Pampulha. Expus ao arquiteto a idéia que tinha em mente: o aumento da barragem, transformando-a em verdadeiro lago, e a construção, em suas margens de restaurantes, clubes, hotéis etc.

      E extravasou JK:

      “Meu pensamento era lírico: a natureza transformada em fator de plenitude espiritual a serviço da comunidade. Em Pampulha tudo se conservava virgem...”

       Mãos ao traço! Lá estão o Lago da Pampulha na moldura traçada por Niemeyer, a Casa do Baile, o Iate Golf Club, o Cassino, a Igreja São Francisco de Assis.

Este o registro histórico de JK:

“Numa curva, ao fundo, talvez se pudesse erguer uma igreja, sob a evocação de São Francisco - o mesmo patrono do velho templo de Diamantina. Contra ela se desencadeou uma campanha que iria durar cerca de 17 anos, já que o templo só foi consagrado a 11 de abril de 1959, a que tive a honra de comparecer, já como Presidente da República... O resto pertence à história e ao domínio público.”

A construção do conjunto da Pampulha, sem dúvida, um marco expressivo na cultura mineira e nacional, levou Belo Horizonte a liderar para o mundo a nova concepção de elegância, leveza e liberdade da arquitetura inspirada no barroco mineiro.

Como nos relata a jovem Celina Borges Lemos, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, da Escola de Arquitetura:

      “Niemeyer aprendeu com Minas e em Minas a importância da tradição e da cultura local. Neste passo, Niemeyer foi buscar no barroco mineiro a referência para a "montagem" de uma identidade regional. Essa recuperação do vocabulário barroco fora decisiva para a legitimação do cenário modernista. O barroco foi refigurado através de um jogo sábio das características mais essenciais da composição livre e rica dos espaços próprios da tradição mineira."

           O moderno em Belo Horizonte, tão sensível a Oscar Niemeyer, não escapou à sensibilidade do poeta maior mineiro, Carlos Drumond de Andrade, com o pensamento voltado para a sua Itabira:

      “Por que ruas tão largas?

      Por que ruas tão retas?

      Meu passo torto foi regulado pelos becos tortos de onde venho.

      Não sei andar na vastidão simétrica implacável.

      Cidade grande é isso?”

É a interrogação de Carlos Drumond de Andrade.

 Sempre sob os auspícios de JK e inspirado na leveza da arquitetura da Pampulha, Niemeyer executaria o mais audacioso projeto de sua vida: a construção da Capital Federal, em pleno cerrado brasileiro, concretizando, assim, a visão profética de D. Bosco e o histórico mandamento constitucional.

           É Juscelino que nos fala:

           “Nome consagrado mundialmente, a ele seria destinado, pela primeira vez na história, projetar uma metrópole inteira. Assim, foi em Brasília, dadas às peculiaridades do cenário do cerrado - um telão primitivo, servindo de fundo a uma vegetação mirrada e retorcida , - que. Oscar Niemeyer apurou as linhas de sua arquitetura, emprestando-lhes uma leveza que se aproximava do diáfano.... Uma capital de um grande País não pode ter uma concepção limitada -tem de ter a grandeza do povo deste país...”

           E recorda JK:

           “Nesta segunda fase, Niemeyer já não era o moço tímido e obscuro que conheci em Belo Horizonte. Nome consagrado mundialmente, a ele seria destinado, pela primeira vez na história, projetar uma metrópole inteira. Assim foi em Brasília.

           Lembra o próprio Oscar Niemeyer:

           “Na construção de Brasília, trabalhava em um barracão coberto de zinco. E aí se fez Brasília.”

           A construção de Brasília, como sabemos, dividiu o País: uns não acreditavam que, no meio daquela terra castigada pelo sol, ocupada por árvores que exibiam nas suas formas, gritantemente tortuosas, as intempéries do clima pudesse ser erigida uma cidade com a pretensão de ser a mais moderna capital do mundo.

           Outros, porém, viam em Brasília mais do que uma cidade: enxergavam nela um pólo centralizador do desenvolvimento econômico, social e cultural do País, um marco a partir do qual seria alavancada a ocupação econômica de vastas extensões do território brasileiro, no Centro-Oeste e no Norte, um elemento de integração nacional em todos os sentidos.

Diz o arquiteto Fernando Lara:

Em Brasília, Niemeyer abusa da maleabilidade da linha para dar aos edifícios governamentais uma contribuição de leveza, modernista e solenidade clássica.

Na Catedral, a rotação dos suportes lineares direciona as atenções para o alto, alcançando um efeito quase gótico.

Do barroca da Pampulha ao classicismo do Alvorada e o resultado gótico da Catedral de Brasília, Niemeyer parece ter seguido a trilha histórica de trás para frente.

O que parece constante, no entanto, é o uso da linha como elemento básico da organização espacial".

Devemos lembrar que Lúcio Costa foi responsável por momentos importantes da obra de Niemeyer, desde a reforma curricular da Escola Nacional de Belas-Artes, em 1930, até a parceria em Brasília, passando ainda pelo contato com Le Corbusier e o convite para co-autoria do projeto do Pavilhão Brasileiro, em Nova York, em 1939.

           O movimento militar de 64 afastaria Niemeyer do País, privando-nos de sua presença, mas, ao mesmo tempo, dando às várias nações a oportunidade de conhecer, receber e reverenciar obras de extraordinário valor arquitetônico.

Sua plasticidade tornou-se, ao longo dos anos, referência obrigatória da arquitetura mundial. Niemeyer sabe que há milhares de cópias de seus projetos no mundo inteiro. As parábolas da Pampulha e as colunas do Alvorada são reconhecidas na Líbia, na Grécia, no Canadá e em muitos outros países do mundo.

Ao longo de sua vida, em nenhum momento afastou-se Niemeyer das preocupações sociais, do sentimento de inconformidade com o atraso econômico e social do Brasil e dos demais povos da América Latina. Ainda anteontem, em discurso no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, Niemeyer afirmava que ninguém quer um país de miseráveis e que sempre desejou um Brasil mais justo, mais humano e solidário. 

Aos noventa anos, dos quais mais de sessenta como arquiteto, com mais de quinhentos projetos até agora catalogados pela fundação que leva seu nome, Niemeyer está em plena capacidade laborativa e não pára de fazer planos. Em breve ele estará de volta a Minas, a Belo Horizonte, a sua Pampulha. Entre seus próximos projetos está a construção de um monumento ao poeta Carlos Drummond de Andrade em sua cidade natal Itabira. De volta a Minas, a Pampulha quer falar a Niemeyer do projeto de sua plena revitalização, para torná-la mais uma vez um símbolo de Minas e do Brasil.

Ao cidadão mineiro e ao cidadão do mundo Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares o abraço carinhoso do Senado da República. Desejo a Oscar Niemeyer, tão logo retorne à nossa Belo Horizonte, que visite o encantamento da Pampulha, para que possamos revitalizá-la e recuperá-la. De certa forma, a Pampulha não há mais. Um abraço.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/1997 - Página 27037