Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO ANIVERSARIO DO ARQUITETO BRASILEIRO OSCAR NIEMEYER.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO ANIVERSARIO DO ARQUITETO BRASILEIRO OSCAR NIEMEYER.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/1997 - Página 27034
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, OSCAR NIEMEYER, ARQUITETO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srª Senadora Benedita da Silva, Srs. Senadores, o brasileiro Oscar Niemeyer, aqui presente, para alegria nossa e desta Casa, no próximo dia 15, comemora 90 anos de uma vida monumental como sua obra, cujo caráter inovador e importância mundial são por todos reconhecidos e serve, há quase meio século, de inspiração aos jovens arquitetos de todo o mundo.

Nesta mesma data em que pela tarde reverenciamos seu nome e sua obra, à noite, no Teatro Nacional, outro edifício que reflete sua inteligência e sensibilidade artística, o Governo do Distrito Federal abre a exposição Brasília Patrimônio Cultural da Humanidade - Ano 10, assinalando o décimo aniversário do reconhecimento pela UNESCO da obra mestra do gênio criador de Niemeyer.

Formado em Arquitetura, em 1934, na Escola Nacional de Belas-Artes, no ano seguinte é contratado por Lúcio Costa para trabalhar em seu escritório, onde participa da equipe que desenvolve o projeto da Cidade Universitária do Rio de janeiro e do Ministério da Educação e Saúde, sua primeira experiência como arquiteto. Na oportunidade, conhece o já famoso arquiteto suíço Le Corbusier, que veio ao Brasil como consultor desses dois projetos.

Seu reconhecimento internacional se dá, em 1939, quando recebe a medalha Cidade de Nova Iorque, por sua criativa participação, a convite de Lúcio Costa, na equipe que projeta o Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova Iorque.

Porém, sua concepção desabrocha em 1942, ao projetar, em Belo Horizonte, o conjunto arquitetônico da Pampulha, onde, junto ao lago artificial, ergue a capela curvilínea de São Francisco de Assis, um restaurante, um cassino e um clube, por todos nós apreciado e que promove uma síntese exemplar entre as modernas técnicas de construção e a liberdade no emprego das formas, o que causa surpresa em todo o mundo e projeta internacionalmente a arquitetura brasileira.

Sem sombra de dúvida, desde então, Niemeyer é o grande revolucionário da arquitetura mundial, ao quebrar a ortodoxia da concepção funcionalista de Walter Gropius e Le Corbusier, que defendiam e desenvolviam um estilo caracterizado pelo uso de formas geométricas simples e retilíneas, expressão de uma atitude racionalista que erigiu a função em fator determinante da forma arquitetônica. Na Pampulha se encontram as qualidades que caracterizariam toda a sua obra futura: a audácia da concepção, o lirismo das curvas e o caráter insólito do espetáculo arquitetônico.

Como todo grande artista, ele teve a coragem de afirmar suas concepções, mesmo em face de mestres incontestáveis, como é o caso do suíço Le Corbusier, de quem adotou a concepção básica. Opondo-se ao funcionalismo, defende uma “liberdade plástica praticamente ilimitada”, certo de que a arquitetura, a par de sua finalidade prática, é “manifestação do espírito, da imaginação e da poesia”. Como assinalou o poeta, Niemeyer conseguiu dar ao cimento armado “uma delicadeza de pétala e uma leveza de sonho”.

Em sua ruptura com a concepção dominante na primeira metade do século, Niemeyer chega a algumas conclusões: “Não é o ângulo reto que me atrai: é a forma livre e sensual, a forma que encontro nas montanhas do meu País, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein”.

E essa concepção, que aparece madura desde seus primeiros projetos, afirma-se e expande-se, através dos anos, em obras que hoje se espalham pelo mundo, tais como o museu de Caracas; a mesquita de Argel; a Universidade de Constantine, na Argélia; a cidade de Negev, em Israel; a sede da editora Mondadori, em Milão; a Casa da Cultura, no Havre; o edifício-sede das Nações Unidas, em Nova Iorque; a sede do Partido Comunista Francês, em Paris, onde estive, e me senti orgulhoso de ser brasileiro, pelo reconhecimento que os companheiros comunistas franceses - e acredito que todos os franceses - têm em relação àquela obra arquitetônica do nosso brasileiro, Oscar Niemeyer.

Ressalte-se, porém, que o grande momento da vida de Niemeyer veio em 1957, quando, tendo Lúcio Costa ganho o concurso para a execução do plano-piloto de Brasília, o Presidente Juscelino Kubitschek o convoca para a execução da arquitetura da cidade. Aqui, Niemeyer não trata de inserir o edifício num espaço urbano saturado, mas, ao contrário, de criar o próprio espaço urbano. Na nova Capital, a forma nova pousa sobre o terreno milenarmente vazio, como se fora a ocupação inaugural do deserto. Talvez por isso ele tenha depurado de tal maneira a forma dos edifícios, conformando-os a linhas geométricas simples, ao mesmo tempo em que buscava a identificação da estrutura com a forma arquitetônica. Noutras palavras, o elemento plasticidade não é adicionado posteriormente à estrutura: ele é a própria estrutura - quando esta se põe de pé, a forma do edifício já se faz presente. O exemplo mais claro disso é a magnífica Catedral, em que as vigas de sustentação do edifício constituem a expressão plástica e mística que a natureza da obra exigia. Inclusive, está sendo criticada na sua iluminação. Seria bom que o Governo de Brasília levasse em consideração todo esse problema.

Desta forma, Brasília pôs Niemeyer no topo dos círculos arquitetônicos internacionais e, certamente, fez dele um monstro sagrado, quase uma instituição, que hoje o Senado pretende exatamente reverenciar.

Para Oscar Niemeyer, a arquitetura "tem sentido quando emociona e dá prazer". Isso não significa que ele não se preocupe, na elaboração dos projetos, com as finalidades ou funções práticas do edifício. Entende que o cumprimento dessas exigências não esgota a função da arquitetura, já que “a beleza também é função”. De fato, nada mais ultrapassável pelo tempo, num edifício, do que a sua funcionalidade. Ela é a motivação prática da obra, determinada pelas exigências do presente. Mas nada impede que o arquiteto, criador do cenário em que transcorre a vida do homem, faça de sua obra uma fonte de deslumbramento e alegria. É o que consegue Oscar Niemeyer, homem solidário, arquiteto de gênio, profeta da cidade nova, mais bela e mais justa.

Como arquiteto, ele também nos traz aquilo que é uma delícia para todos os leitores: artigos e livros, assim como a revista por ele fundada em 1955, Módulo, que é um misto de divulgação de questões específicas da arquitetura e também das mais importantes questões culturais do País. O regime militar suspende a publicação, logo após o golpe, a qual retoma sua trajetória em 1975.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apenas as considerações em torno da obra de Oscar Niemeyer não dão, sem dúvida, a dimensão singular de sua vida. Homem simples, cultivador de amizades independentemente de posicionamentos ideológicos e saudoso dos amigos que se foram, ele se tem caracterizado também como uma personalidade política e social de relevância nacional e internacional.

Mais que ser um dos maiores arquitetos do mundo, senão o maior deles, Niemeyer é também uma figura pública, sempre alinhada com as posições políticas de esquerda e desde 1945 abertamente ligada ao Partido Comunista Brasileiro, no qual diz ter aprendido muita coisa, “como desinteresse pela vida material”.

Aliás, nesse sentido, três fatos simples dão a dimensão despojada dessa extraordinária figura e poderia citar um agora presente: ele falando do que é a perspectiva das pessoas, do ser humano, da fragilidade e do diminuto que é essa presença na Terra, também uma demonstração de despojamento daquele que tem a visão de que essa nossa passagem aqui tem que se dar com toda a integridade, porque aqui ela finda.

Em 1945, quando os comunistas deixaram as prisões e retornaram à luz do dia, tiveram seu primeiro comitê de reorganização no escritório de Niemeyer, que cedeu seu espaço com prazer e emoção, e vem daí o seu relacionamento estreito com o grande líder comunista Luiz Carlos Prestes. Em 1979, quando Prestes retornou à sua Pátria, após prolongado exílio em Moscou, ajudou-lhe na aquisição de um apartamento no Rio para abrigar a família do herói da Coluna, fato que, na sua humildade, Niemeyer nega. E, por fim, há dois anos, doou, para que se transforme em um novo espaço cultural do Rio, sua Casa das Canoas, que ele projetou em São Conrado e que foi a sua residência até 1960, quando se mudou para Brasília.

Humanista de todas as horas e internacionalista militante, não há espezinhamento de direitos nem luta por liberdade e independência nacional, em qualquer parte do Planeta, que não conte com seu imediato apoio e solidariedade. Coerentemente com essa postura, sempre expressou sua revolta "em face deste mundo de sombra e esperança, que exige nossa ação", como ele próprio ressaltou uma vez. Foi exatamente em reconhecimento a essa sua marcante atuação que recebeu, no início dos anos 60, a maior comenda da então União Soviética, o Prêmio Lênin da Paz, o que certamente muito o honra e também a todos nós, do PPS, herdeiros que somos dos erros e dos acertos da larga experiência socialista.

Niemeyer, que com sua obra deseja provocar o êxtase e a poesia, está de tal modo imbuído da responsabilidade social que, diante dela, a própria arquitetura parece algo menor para ele. Aliás, há dez anos, em entrevista ao Jornal do Brasil, declarou considerar "a arquitetura secundária quando a situação é de miséria e falta de liberdade, quando nossos irmãos mais pobres estão com fome e desespero, e a polícia a persegui-los. Mas não desprezo a arquitetura, que me ocupou a vida inteira. O importante para mim, antes de tudo, é lutar contra a miséria imensa que pesa sobre o mundo. Contra a discriminação, os donos da terra, os privilégios que marcam o mundo capitalista".

Semelhante afirmação causa, evidentemente, surpresa vinda de quem dedicou toda sua vida à arquitetura e de quem construiu talvez a mais significativa obra arquitetônica de nossa época. Mas quem o conhece na inteireza de sua biografia sem dúvida sabe que a militância política e suas claras tomadas de posição em face das questões nacionais e internacionais sempre moldaram seu comportamento público, independentemente de se elas afetariam ou não sua atividade profissional.

No plano da política mais militante, o País tem um reconhecimento profundo a sua oportuna iniciativa - e aqui o companheiro Renato, também parte integrante disso - de, em 1978, criar o Centro Brasil Democrático (Cebrade), de que foi presidente durante os vários anos em que existiu, e que foi um importante instrumento de resistência contra a ditadura militar, de debate e de ação pelas liberdades e pelo retorno da democracia em nosso País.

Comemorações em torno de sua pessoa, ele não as quer, não as aprecia, inclusive tem dito isso reiteradas vezes. Afirmou ao seu amigo José Aparecido, então Governador de Brasília, quando quiseram homenageá-lo nos seus 80 anos - aqui, Brasília e o Brasil o homenageiam nos 90 -: "Minha vida correu como a de outra pessoa qualquer: as mesmas alegrias, as mesmas tristezas e a mesma obrigação de subsistir. E o mundo a me revoltar com suas discriminações e os mais pobres com sua miséria". Por isso, contar com sua presença em Brasília, nesta semana e nesta Casa, no dia de hoje, é motivo de justa alegria para quantos o conhecem por sua vida e sua obra.

Mesmo resistente a homenagens e reconhecimento, instituições das mais conceituadas do mundo não deixam de lhe outorgar algumas das mais importantes comendas por sua obra profissional - existem aqui várias e citá-las talvez fosse cansativo.

Além das trinta e nove biografias já escritas sobre ele e sua obra, a maioria divulgada em diferentes países e continentes, sendo a última do escritor francês Jean Petit, ele tem atendido a constantes convites para conferências e exposições em diferentes partes do mundo.

Assim como há reconhecimentos públicos, ele também tem sofrido vários tipos de discriminação, como as sucessivas negativas do Governo dos Estados Unidos, pelo fato de ser comunista, de lhe conceder visto para atender convites para visitar ou lecionar em universidades norte-americanas, durante mais de vinte anos; afastamento do seu trabalho em Brasília após a ascensão dos militares ao poder, em 1964, e as sucessivas intimações para depor no DOPS durante vários momentos daquele período de chumbo da nossa História.

Os comunistas candangos o homenagearam, quando da primeira eleição ocorrida no Distrito Federal, em 1986, lançando a sua candidatura a Senador da República, e tínhamos certeza de que teria uma expressiva vitória, tal o carinho e o reconhecimento que os habitantes da Capital da República têm para com ele. Talvez não o estivéssemos aqui homenageando, mas, sim, ele estivesse participando permanentemente da homenagem ao Brasil.

           Procurado por nossos dirigentes, mais uma vez, revelou seu despojamento em face ao poder, agradecendo a lembrança do PCB ao seu nome, porém declinando de disputar o pleito a representante do povo brasiliense na Câmara Alta do País. Sem sombra de dúvida que esta Casa e o Brasil perderam essa rara oportunidade de poder contar com a inteligência e a sensibilidade de Oscar Niemeyer. Mas o Brasil não perdeu.

           Toma-me conta a emoção nesse momento de homenagem ao companheiro Niemeyer, parte daquele grupo de homens imprescindíveis como proclamou o poeta revolucionário Bertold Brecht. Homens imprescindíveis como Luís Carlos Prestes, outro eterno companheiro, a quem estaremos aqui homenageando no início da próxima Legislatura, quando se comemora o centenário de seu nascimento.

           Já que estamos falando em comunistas, gostaria de finalizar meu pronunciamento, fazendo destaque a um dos maiores poetas deste País, nosso amigo Ferreira Gullar, que, em 1982, emocionou-nos deixando a marca do seu talento e do seu engajamento, ao ressaltar, em versos, os 60 anos do Partidão e concluir que “quem contar a história de nosso povo e seus heróis tem que falar dele”, senão estará mentindo. É com Ferreira Gullar que encerro esse pronunciamento, pois nada mais apropriado para dizer do arquiteto que o poeta:

           LIÇÕES DE ARQUITETURA

           No ombro do planeta

           (em Caracas)

           Oscar depositou

           para sempre

           uma ave uma flor

           (ele não faz de pedra

           nossas casas:

           faz de asa)

           No coração de Argel sofrida

           fez aterrissar uma tarde

           uma nave estelar

           e linda

           como ainda há de ser a vida

           (com seu traço futuro

           Oscar nos ensina

           que o sonho é popular)

           Nos ensina a sonhar

           mesmo se lidamos

           com matéria dura:

           o ferro o cimento a fome

           da humana arquitetura

           nos ensina a viver

           no que ele transfigura:

           no açúcar da pedra

           no sonho do ovo

           na argila da aurora

           na pluma da neve

           na alvura do novo

           Oscar nos ensina

           que a beleza é leve.

           Muito obrigado.

           (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/1997 - Página 27034