Discurso no Senado Federal

DESTACANDO A QUINQUAGESIMA SEGUNDA SESSÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, QUE TEVE COMO UM DOS ASSUNTOS PRINCIPAIS A EXPLORAÇÃO INFANTIL.

Autor
Abdias Nascimento (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RJ)
Nome completo: Abdias do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • DESTACANDO A QUINQUAGESIMA SEGUNDA SESSÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, QUE TEVE COMO UM DOS ASSUNTOS PRINCIPAIS A EXPLORAÇÃO INFANTIL.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/1997 - Página 26949
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, DELEGAÇÃO, SENADO, ASSEMBLEIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DEBATE, NECESSIDADE, COMBATE, ABANDONO, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, PROSTITUIÇÃO, PORNOGRAFIA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, MUNDO.

O SR. ABDIAS NASCIMENTO (Bloco/PDT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sob a proteção de olorum, inicio este pronunciamento.

A recente visita de uma delegação do Congresso brasileiro às Nações Unidas, por ocasião da qüinquagésima segunda sessão de sua Assembléia Geral, possibilitou aos parlamentares participantes tomar contato com o trabalho desenvolvido pelos diversos organismos que compõem essa Organização. Dentre os temas que mais atraíram a nossa atenção, como participante dessa delegação, destacam-se os grandes problemas que nós, brasileiros, temos a infelicidade de compartilhar com outros países do mundo, e para cuja solução devemos contribuir, tanto em âmbito doméstico como no plano internacional. Um dos mais pungentes desses problemas é, sem dúvida alguma, a questão das crianças e adolescentes.

Muitas são as facetas dessa questão, que atinge não apenas as regiões pobres e subdesenvolvidas - embora costumem recair sobre estas com maior crueldade -, mas até mesmo as nações mais prósperas e desenvolvidas, em resultado da crise de valores que assola a civilização universal neste final de milênio. Essas facetas incluem desde os maus-tratos no ambiente doméstico até o abandono de crianças à própria sorte - produtor de nossas tristemente famosas crianças de rua -, passando pela exploração do trabalho, a prostituição e a pornografia infantis, sem esquecer as crianças portadoras de deficiência, as refugiadas e as afetadas por conflitos armados, o infanticídio feminino, a venda de crianças e de seus órgãos para fins de transplante.

A atuação da ONU nesse campo parte de alguns pressupostos que balizam o tema e ajudam a divisar as principais linhas estratégicas de um trabalho que visa proteger as crianças em situação de perigo e garantir que os direitos de todos sejam respeitados. Ao mesmo tempo em que percebe a necessidade de promover os valores da paz, da compreensão e do diálogo na educação infantil, e de combater a pobreza, a desnutrição e o analfabetismo, a Organização reconhece que a legislação não é suficiente para evitar violações aos direitos da criança, fazendo-se necessária uma vontade política mais poderosa, da parte dos governos, no sentido de implementar suas leis e medidas complementares por meio de uma ação efetiva. Ao mesmo tempo, enfatiza a necessidade de se adotar, em todas as políticas e programas relativos à criança, uma perspectiva de gênero, bem como de reforçar as parcerias entre governos, organismos internacionais e todos os setores da sociedade civil - em particular, as organizações não-governamentais -, a fim de atingir tais objetivos, consubstanciados na Convenção sobre os Direitos da Criança.

Nessa perspectiva, a educação é vista como instrumento básico, devendo orientar-se para o desenvolvimento do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, à Carta das Nações Unidas e às diferentes culturas, assim como à preparação da criança para uma vida responsável numa sociedade livre, baseada na compreensão, na paz, na tolerância, na igualdade de gênero e na amizade entre povos e grupos étnicos, nacionais e religiosos. Cabe aos Estados participantes da Convenção, de acordo com seu art. 42, tornar seus princípios e cláusulas conhecidos de adultos e crianças, e encorajar todos aqueles envolvidos em atividades relacionadas ao segmento infanto-juvenil a se submeterem a treinamentos relativos aos direitos da criança.

No que se refere ao trabalho infantil - outra chaga exposta da sociedade brasileira -, a ONU reafirma o direito da criança de ser protegida da exploração econômica e de realizar qualquer tipo de trabalho que possa prejudicar sua educação ou nela interferir, ou que possa pôr em perigo sua saúde ou seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social. Ao mesmo tempo em que saúda os esforços empreendidos por muitos governos no propósito de eliminar tais práticas, pleiteia que os Estados transformem em ações concretas seu comprometimento com a eliminação de todas as formas de exploração da mão-de-obra infantil, com ênfase naquelas consideradas extremas, como o trabalho forçado, a servidão e outras formas de escravidão. Mais uma vez, a educação é considerada um instrumento prioritário no combate a essas práticas, com uma ênfase específica na situação das meninas, às quais se deve garantir o direito à educação e o acesso à escola em igualdade com os meninos, num trabalho que une organismos como a Organização Internacional do Trabalho, o Fundo das Nações Unidas para a Criança e a Unesco.

Para enfrentar esses problemas, as Nações Unidas têm realizado um esforço concentrado, com o envolvimento de seus organismos específicos, como os Altos Comissariados para os Direitos Humanos e para Refugiados e o Fundo das Nações Unidas para as Crianças, ao lado de organizações como a Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho. Tal esforço compreende exortar os Estados e grupos armados a respeitar as convenções internacionais de caráter humanitário e a estabelecer medidas como o estabelecimento de "dias de tranqüilidade" e "corredores da paz", com o objetivo de assegurar o acesso de comida, medicamentos - incluindo vacinas - e serviços às crianças de áreas conflagradas. Passa também por medidas destinadas a eliminar o uso de crianças como soldados e a garantir sua desmobilização e reintegração à sociedade, de maneira a lhes reforçar a dignidade e o auto-respeito. Simultaneamente, inclui também iniciativas que, embora não atinjam especificamente as crianças, têm sobre estas um efeito positivo, como é o caso da implementação da Convenção sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Transferência de Minas Antipessoais e sua Destruição pelos Estados que se tornarem participantes.

Entre os milhões de crianças e adolescentes destituídos das condições básicas de existência, o segmento afro-descendente soma a maioria. Isso tive a oportunidade de informar aos participantes de uma das reuniões a que assisti do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas.

Minha responsabilidade de cidadão e de Senador está consciente de que as crianças constituem o futuro da humanidade. Permitir que sejam usadas como peões no jogo da guerra, seja como alvos ou como instrumentos, da mesma que transformá-las em vítimas da fome, do analfabetismo ou dos abusos sexuais é lançar uma sombra sobre o nosso futuro. De geração em geração, a violência perpetua a violência, na medida em que as vítimas crescem e se tornam, elas mesmas, os criminosos. Se quisermos que a humanidade tenha um futuro, é preciso pôr um fim a essas práticas cruéis e nocivas, tratando as crianças com carinho e respeito e plantando as sementes de um futuro de paz. Nesse sentido, as Nações Unidas vêm procurando estabelecer os fundamentos de uma nova sociedade, baseada numa cultura de paz. Que todos nós possamos contribuir para essa sociedade e para esse futuro.

Axé!

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/1997 - Página 26949