Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO, NO ULTIMO DIA PRIMEIRO, DO DIA DA LUTA CONTRA A AIDS. REGISTRO DO TRABALHO QUE VEM REALIZANDO A COORDENAÇÃO NACIONAL DE DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSIVEIS E AIDS DO MINISTERIO DA SAUDE. DESTACANDO A RELEVANCIA SOCIAL DA LEI SARNEY, A QUAL S.EXA. TEVE A HONRA DE RELATAR.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SAUDE.:
  • TRANSCURSO, NO ULTIMO DIA PRIMEIRO, DO DIA DA LUTA CONTRA A AIDS. REGISTRO DO TRABALHO QUE VEM REALIZANDO A COORDENAÇÃO NACIONAL DE DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSIVEIS E AIDS DO MINISTERIO DA SAUDE. DESTACANDO A RELEVANCIA SOCIAL DA LEI SARNEY, A QUAL S.EXA. TEVE A HONRA DE RELATAR.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/1997 - Página 26995
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SAUDE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
  • ANALISE, PROPAGAÇÃO, EPIDEMIA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), AMBITO INTERNACIONAL, AMBITO NACIONAL, NECESSIDADE, EMPENHO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, COMBATE, DOENÇA.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o dia 1º de dezembro é dedicado, no mundo inteiro, à luta contra a AIDS. Para tratar desse tema doloroso e atual é que venho à tribuna desta Casa. Reiteradas vezes tenho abordado essa grave questão, pois, como médico, como homem público, mas, acima de tudo, como ser humano, vejo a luta contra a AIDS como uma 3ª guerra mundial na qual todas as nações se encontram do mesmo lado, diante de um inimigo matreiro, cujo poder de ataque nos é, ainda, pouco conhecido.

              Questões sofridas assomam à cabeça das pessoas quando são obrigadas a se defrontarem com a realidade da AIDS.

              O que fazer perante uma criança que nasce em uma qualquer maternidade deste País, e os testes perinatais indicam a presença do vírus HIV?

              O que dizer a um jovem que, iniciando sua vida sexual, defronta-se com o diagnóstico de portador do HIV por não ter usado, na hora devida, o preservativo salvador?

              Como explicar a um drogado que, na hora aflita de carência de droga, ele usou a seringa suja de sangue de outra pessoa e que por isso contraiu a AIDS? As campanhas internacionais de combate à produção, comercialização e distribuição de tóxicos não têm sido suficientes para fazer refluir esse poderosíssimo mercado de consumo, que movimenta, pelo mundo afora, bilhões de dólares diariamente.

              Como encarar o fato de que contrair o vírus da AIDS pode acontecer a qualquer um? Basta um momento de desatenção! Basta a falta de uma informação!

              Muito se fala de grupos de risco. É verdade que certas pessoas ficam mais expostas à contaminação, quer por seus hábitos pessoais, quer por suas atividades profissionais. Em ambos os casos, não são mais os grupos marginais ou minoritários da sociedade que detêm a exclusividade da difusão da doença. Todos os grupos vêm sendo atingidos de modo crescente, para desespero dos epidemiologistas e loucura dos responsáveis pela saúde pública.

              Infelizmente, ser uma pessoa de vida regrada é condição necessária, mas não suficiente, para escapar da contaminação por um vírus com o poder de ataque do HIV.

              Essas são questões que os dirigentes brasileiros têm que enfrentar diuturnamente, na tentativa de manter a esperança de controlar a propagação da doença em nosso País. Aqui cabe registrar o brilhante trabalho que vem realizando a Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS do Ministério da Saúde. Sob o comando do Doutor Pedro Chequer, a Coordenação não tem medido esforços para combater essa trágica epidemia e proteger os brasileiros de suas mazelas.

              Uma epidemia que se iniciou, sobretudo, nos grupos de atividades sexuais promíscuas, com parceiros múltiplos, mas que atinge hoje quase todos os grupos populacionais, mesmo os que apresentam riscos mínimos de contaminação. A mudança do perfil epidemiológico da AIDS, no Brasil, tem sido substancial nesses últimos anos. Ela vem adquirindo características de interiorização - deixando o litoral e os grandes centros urbanos; de feminilização - com o número crescente de mulheres infectadas, aproximando-se rapidamente do dos homens; de pauperização - com uma disseminação mais rápida e intensa nas camadas mais pobres, que, por serem as menos informadas, são as mais desprotegidas da população; de juvenilização - com o surgimento de número crescente de crianças contaminadas na amamentação, no parto, ou até mesmo na gestação; de heterossexualização - pelo espalhamento da doença na população, em geral.

              Como lidar, pois, com uma doença contra a qual ainda não temos defesa que não seja a informação e a adoção de hábitos acauteladores, os quais conflitam, em muito, com o temperamento intempestivo dos jovens, suas vítimas preferenciais. Não esqueçamos que a grande maioria da incidência da AIDS se dá na faixa entre 15 e 40 anos de idade. Essa distribuição etária constitui-se num cruel aborto das expectativas de futuro de parcelas crescentes da população, que ainda teriam, em condições normais, longos anos de produtividade.

              A AIDS, ou como deveria ser tratada em português, a SIDA - Síndrome da ImunoDeficiência Adquirida, está para este final do Século XX, como a peste negra esteve para a Idade Média. Se, estatisticamente, não tem o poder devastador fulminante que teve a peste, ou, até mesmo, a recente gripe espanhola, seu potencial epidêmico é gigantesco, na medida em que seu modo de difusão toca hábitos dos mais básicos do ser humano, como a atividade sexual, ou os vícios de difícil superação, como as drogas injetáveis, ou ainda, a contaminação sangüínea perinatal, por transfusão, ou, o que é triste, a contaminação na amamentação dos bebês.

              Não se pode dar à AIDS o tratamento que se dá às epidemias para as quais já se disponha de vacina e cujo custo de combate seja irrisório, mesmo para países de renda per capita baixa, como é o Brasil.

              A AIDS é algo que suplanta de muito a capacidade dos indivíduos de se defenderem física e socialmente. Por isso, a Lei 9.313, de 13 de novembro de 1996, veio em muito boa hora. Conhecida como Lei Sarney, por ter sido proposta pelo eminente Senador, e da qual tive a honra de ser o relator, ela obriga o Estado - aí incluídos União, Estados Federados e Municípios - a fornecer gratuitamente a medicação necessária aos portadores do vírus HIV e aos doentes de AIDS. Esta é uma lei, por todos os aspectos, feita para o povo. Quando se sabe que o tratamento medicamentoso de um aidético*1 custa cerca de 10 mil reais por ano, vê-se logo que é impossível à maioria da população brasileira tratar-se desse mal. Não há como ocultar a relevância social da Lei Sarney, como gostariam de fazer alguns, mais preocupados com os gastos do que com os brasileiros.

              Se raciocinarmos em termos meramente econômicos, seria, evidentemente, menos dispendioso tratar os doentes de sarampo ou febre amarela do que os aidéticos. Iríamos, talvez, reviver os sanatórios de isolamento dos afetados por males infecto-contagiosos, onde estariam condenados a morrer, pura e simplesmente, a fim de evitar-lhes o contato com a população supostamente sadia. Graças a Deus tal alternativa não existe, pois, se posta em prática, chamar-se-ia genocídio. O Estado, como representação da sociedade nacional que o constituiu, tem como primeira obrigação prover para que todos os cidadãos tenham acesso aos meios de garantia de sua saúde. Isto é o que está inscrito na Constituição Federal deste País. Não é favor algum de qualquer instância de governo assegurar que os aidéticos tenham a assistência médica que necessitam.

              Custa caro tratar de um aidético!?

              Custará mais caro ainda não fornecer a esses doentes o famoso coquetel de remédios que tanto bem lhes tem feito recentemente. Essa é uma questão importante que tem sido posta na discussão do orçamento do Ministério da Saúde: o custo elevado da distribuição gratuita dos remédios aos portadores do vírus HIV. Já foram diagnosticados, desde 1983, cerca de 120 mil portadores, dos quais a quase metade já faleceu. Hoje há cerca de 60 mil portadores identificados, com projeção de crescimento desse número, pela expansão inercial da epidemia e pela informação de casos já existentes, que só agora se revelam, em função da ajuda possibilitada pela Lei Sarney.

              Interromper a distribuição dos medicamentos em função de restrições orçamentárias é um crime de responsabilidade pública, conforme prevê a Constituição. Duas serão as conseqüências com as quais nossos administradores terão de arcar:

              a) os doentes que, já tendo recebido medicação durante um certo tempo, pela sua interrupção, desenvolverão novas formas do vírus, agora resistentes à tecnologia medicamentosa atualmente disponível. Defrontar-nos-emos com o recrudescimento da epidemia e, agora, com armas ineficazes para combatê-la;

              b) desaparecerá toda uma série de reais benefícios sociais que a distribuição do coquetel tem propiciado à população e às autoridades da área de saúde: o índice de internações, que caiu drasticamente, a ponto de o Hospital das Clínicas de São Paulo fechar um andar de leitos dedicados à AIDS, por falta de demanda; o estado geral dos pacientes, que tem melhorado sensivelmente, permitindo-lhes o tratamento em casa e a assistência em hospitais-dia, representando importante economia de gastos para o SUS. Com a melhoria de seu estado de saúde, os pacientes têm podido retomar suas vidas produtivas, o que representa um benefício direto para eles, ao reencontrarem motivação para viver, mas, também, benefício para a sociedade, que recupera um cidadão social e economicamente produtivo.

              Apesar de ainda estarmos longe da solução definitiva desta peste do século XX - sem, contudo, sabermos exatamente quando - as recentes descobertas na área de medicamentos, que começam a prolongar a sobrevida dos pacientes, abrem uma porta para que a AIDS deixe de ser uma doença terminal para transformar-se em crônica. Não é ainda a solução, mas significa um avanço gigantesco para um mundo onde certos países, sobretudo na África, tiveram a expectativa média de vida de sua população, já baixa, reduzida em cerca de 10 anos, no período inicial da epidemia.

              Ainda não estamos em fase de cantar loas ou entoar salmos de aleluia ao controle dessa terrível epidemia. A sua transmissão por via sexual dá-lhe uma força disseminadora gigantesca. Todos nós sabemos que o instinto sexual é um dos mais fortes no ser humano, cujo despertar se faz em idade tanto mais precoce, quanto mais promíscua é a vida dos jovens. Essa é a realidade freqüente das populações de baixa renda em favelas e vilarejos mal estruturados social e sanitariamente.

              O uso crescente de drogas injetáveis, via uso múltiplo de seringas infectadas, tem sido outro fator importante de risco para o contraimento da AIDS.

              O Brasil, Sr. Presidente, por ser, dos países latino-americanos, o mais atingido pela AIDS, em termos absolutos, tem empreendido considerável esforço para combatê-la. Esforço esse que não poderá, de forma alguma, ser descontinuado, mesmo na atual crise econômica que vive o País. A saúde do povo brasileiro é um patrimônio que transcende qualquer restrição orçamentária. Neglicenciá-la é comprometer o futuro do Brasil enquanto Nação.

              Assim, Srªs e Srs. Senadores, devemos todos, enquanto brasileiros e, sobretudo, como homens comprometidos com os destinos do País, dar todo o apoio possível e impossível às iniciativas das organizações governamentais e não governamentais que, em conjunto com a Coordenação Nacional de Combate às Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS, têm realizado trabalho digno de louvor sob todos os aspectos.

              Os relatórios epidemiológicos sobre AIDS e DST em todo o Brasil são instrumentos valiosos que a Coordenação tem colocado à disposição dos tomadores de decisão deste País. Neles vemos que ainda temos mais da metade dos Municípios brasileiros sem registro de casos de AIDS. Vamos tentar fazer com que esse número não aumente, diminuindo, se possível.

              As parcerias com ONG’s têm sido um meio eficaz de atingir populações de difícil acesso aos órgãos institucionais de governo. São numerosas as ONG’s que colaboram, e um detalhado catálogo permite saber quais são e o que fazem.

              Convênios com as Forças Armadas, principalmente o Exército, têm permitido à Coordenação de Combate à AIDS atingir não só o pessoal militar, como, também, por seu intermédio, populações em rincões pouco acessíveis do território nacional.

              Enfim, numerosos agentes de saúde têm sido formados para transmitir às populações mais carentes as informações e os meios pelos quais elas se podem proteger do contágio da AIDS. São todas ações de longo alcance que não podem sofrer solução de continuidade. Para tanto é necessário que o Ministério da Saúde e seus programas de combate à AIDS recebam os recursos necessários, em 1998, para continuar essa batalha titanesca contra o vírus HIV.

              Muito ainda teria a dizer sobre o que se faz e sobre o que se deveria fazer para salvar os brasileiros desse terrível flagelo. No entanto, Senhor Presidente, encerro meu pronunciamento instando a todos, mas principalmente os Governos Federal, Estaduais e Municipais, a que não esmoreçam no combate a essa terrível doença. Que no dia 1º de dezembro do ano que vem, possamos estar aqui comemorando mais uma vitória do homem sobre as armadilhas que a natureza lhe prepara.

              Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer.

              Muito obrigado.


1* Quem trabalha com AIDS detesta o termo “aidético”, eles preferem “soropositivo”. É a tal história do eufemismo do politicamente correto.



Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/1997 - Página 26995