Discurso no Senado Federal

PRONUNCIAMENTO MANIFESTANDO SUA PREOCUPAÇÃO COM A PROLIFERAÇÃO DO VIRUS HIV, TENDO EM VISTA A MUDANÇA DO PERFIL DAQUELES QUE SE CONTAMINAM, POR OCASIÃO DO TRANSCURSO, NO DIA PRIMEIRO DE DEZEMBRO PROXIMO PASSADO, DO DIA MUNDIAL DE LUTA CONTRA A AIDS.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SAUDE.:
  • PRONUNCIAMENTO MANIFESTANDO SUA PREOCUPAÇÃO COM A PROLIFERAÇÃO DO VIRUS HIV, TENDO EM VISTA A MUDANÇA DO PERFIL DAQUELES QUE SE CONTAMINAM, POR OCASIÃO DO TRANSCURSO, NO DIA PRIMEIRO DE DEZEMBRO PROXIMO PASSADO, DO DIA MUNDIAL DE LUTA CONTRA A AIDS.
Aparteantes
Gilvam Borges, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/1997 - Página 27065
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SAUDE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, DOENÇA TRANSMISSIVEL, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), ANALISE, DADOS, ESTATISTICA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PROPAGAÇÃO, AUMENTO, INDICE, CONTAMINAÇÃO, MUNDO.
  • DEFESA, APOIO, GOVERNO FEDERAL, LABORATORIO, FABRICAÇÃO, MEDICAMENTOS, COMBATE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
  • COMENTARIO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ESTABELECIMENTO, POSSIBILIDADE, SAQUE, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), FAMILIA, DOENTE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta semana, com o transcurso do dia 1º, dedicado à Luta Mundial contra a AIDS, patrocinado pela Organização das Nações Unidas, gostaríamos também de trazer a este Plenário alguns dados sobre o tema, tecer algumas considerações e, principalmente, registrar a nossa solidariedade a todos que sofrem e lutam contra essa doença.

Informações divulgadas pela imprensa nos últimos dias dão conta da extensão e da gravidade do problema, que atinge não mais apenas grupos de risco, mas se alastra a muitas pessoas, classes sociais e faixas etárias, especialmente a mulheres e crianças. Segundo dados do Programa de AIDS das Nações Unidas, divulgados em novembro deste ano, existem atualmente 30 milhões de pessoas infectadas com o HIV, um número superior às expectativas dos estudiosos que acompanham a evolução da doença no mundo. Ainda de acordo com os números da ONU, um total de 11 milhões e 600 mil pessoas já morreram em virtude de contaminação pelo HIV, o que quantifica de forma assustadora a gravidade do problema e aponta para a necessidade de uma ação mundial de combate à sua proliferação.

           De acordo com o estudo, cerca de 16 mil pessoas são infectadas diariamente - entre elas, 1.000 crianças -, sendo que, de cada 100 (cem) pessoas sexualmente ativas, 1 (uma) é portadora, e 1 (uma) em cada 10 (dez) pessoas não sabe que o é, expondo de forma incontestável a urgência de se enfrentar a situação de forma radical.

           Nesse ritmo, segundo a ONU, até o ano 2000, haverá um total de 40 milhões de pessoas infectadas, um crescimento que ocorrerá principalmente nos países em desenvolvimento, localizados na América Latina, na África e na Ásia, que já apresentam a maior incidência de portadores do vírus HIV.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, a situação é também das mais graves, registrando-se a existência de um total de 116.389 pessoas, incluindo crianças, com a doença desenvolvida, dos quais cerca de 24.194 são mulheres e 92.195 são homens, de acordo com os últimos dados do mês de agosto deste ano.

           Do número total, 3.865 são crianças na faixa etária de 1 (um) a 12 (doze) anos, sendo que, entre elas, cerca de 500 são meninas de 7 (sete) a 11 (onze) anos, vítimas de abuso sexual, fora ou mesmo dentro da família, que resultaram na contaminação pelo vírus HIV.

Outra informação preocupante é a mudança do perfil de incidência da doença, que antes registrava 66% dos casos nas capitais e hoje já conta com 54% de contaminados no interior dos Estados brasileiros, o que altera até mesmo a política de combate à doença.

Nesse sentido, são também graves as informações do próprio Ministério da Saúde, que apontam para maior percentual de crescimento da AIDS em crianças e mulheres, o que exige profunda reflexão da sociedade, das autoridades e, em especial, das próprias mulheres.

Os números mostram que em 1994 e 1997 o número de crianças com menos de um ano de idade infectadas cresceu 205%, enquanto a média geral foi de 125%; ao mesmo tempo em que o segundo maior crescimento, 150%, registrou-se também entre crianças na faixa etária de um a quatro anos.

Tal situação torna-se ainda mais grave quando verificamos que o desenvolvimento do vírus HIV, no mesmo período, cresceu 202% entre as mulheres em idade fértil, na faixa etária entre 15 a 49 anos, e 111% em homens na mesma faixa etária.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a maior incidência do vírus HIV em mulheres e crianças, especialmente pequenas ou mesmo recém-nascidas, aponta para a existência de uma situação que exige um tratamento diferenciado e especial no combate à proliferação da doença.

Trata-se do antigo e sempre presente problema da discriminação de gênero que, neste caso, manifesta-se de forma cruel na submissão da mulher que não se protege contra a doença, muitas vezes por medo do marido, dependência econômica, desinformação e outros tantos motivos.

Em Brasília, por exemplo, segundo matéria publicada recentemente no Correio Braziliense, um total de 79,4% das mulheres contaminadas “são casadas, monogâmicas, apaixonadas e fiéis”, o que configura, Srªs e Srs. Senadores, a verdadeira tragédia que se abate sobre as mulheres brasileiras.

Tal fato explica a evolução da doença que, hoje, registra a existência de uma mulher infectada para cada três homens infectados, enquanto, nos idos da década de 80, a proporção era de uma mulher para cada 30 homens.

O Sr. Gilvam Borges (PMDB-AP) - V. Exª concede-me um aparte, nobre Senadora?

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Gilvam Borges (PMDB-AP) - Senadora Emilia Fernandes, quero congratular-me com V. Exª por usar a tribuna do Senado Federal nesta tarde, para trazer um tema tão importante como a AIDS. Agora, eu gostaria de fazer um apelo à nobre Senadora, aproveitando o tema, para que, em outra oportunidade, V. Exª, como defensora das causas importantes em nosso País, relacionadas à saúde, pudesse abordar um tema que mata mais do que a AIDS e que atinge diretamente as mulheres, que é o aborto - a quarta maior causa de mortalidade de mulheres - , questão que temos relegado a plano secundário.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Agradeço o aparte e associo-me à preocupação de V. Exª. Esse tema tem sido tratado com responsabilidade por todos, não apenas pelas mulheres, também pelos homens. Há pontos de vista divergentes, que respeitamos. Há que se atender o que a lei garante há muitos anos, que são os casos de risco de vida e de gravidez decorrente de violência, de estupro. Até isso a sociedade brasileira tem dificuldade em discutir. Concordo com V. Exª no sentido de que precisamos aprofundar algumas questões, e o aborto é uma delas. Mas isso a partir de um planejamento familiar concreto, consistente, em que homens e mulheres assumam suas responsabilidades. A vida, em todos os momentos, deve ser privilegiada; não apenas aquela interrompida com o aborto, também aquela levada pela pobreza, pela exclusão, pelas doenças. Lembramos também que está cada vez mais difícil a sobrevivência de crianças no Brasil, expostas a todo tipo de exploração.

Concordo com V. Exª que o tema é polêmico, mas tem que ser discutido, cada um manifestando suas posições.

O Sr. Gilvam Borges (PMDB-AP) - V. Exª é a favor da interrupção da gravidez?

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Senador, eu não gostaria de entrar neste debate agora. Por enquanto, devemos lutar por um programa de planejamento familiar, além das garantias do aborto conforme a legislação existente. Não podemos simplesmente legalizar o aborto como forma de solucionar os problemas do Brasil. Tenho esta posição amadurecida, que é controvertida para muitas pessoas, mas quero que se garanta a vida de todas as formas, não apenas de quem está por nascer, mas também, e essencialmente, de quem já nasceu e sofre na mais absoluta miséria. Agradeço a V. Exª o aparte.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a AIDS está em muitos lares e em todas as classes sociais, atingindo mulheres, homens, crianças, grupos de risco ou não.

É preciso enfrentar, de forma enérgica, a situação, exigindo o uso de informações, o uso de preservativo, ampliando as campanhas de esclarecimento à população em geral e, de forma especial, às mulheres e aos adolescentes, ou definindo relações verdadeiramente de confiança entre os casais.

Não se pode mais aceitar que as mulheres, dentro do casamento, no interior da famílias, na tranqüilidade do lar, sejam criminosamente infectadas, tornando-se vítimas indefesas de uma situação que aparentemente está fora da sua realidade e da sua vida.

Nesse sentido, Srªs e Srs. Senadores - me perdoem, mas vou ser muito franca - é preciso cobrar dos homens uma postura mais coerente, respeitosa para com suas esposas e filhos e correta, do ponto de vista do ser humano, como contribuição fundamental para a sobrevivência de milhares de mulheres e crianças no País e no mundo.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - Concede-me V. Exª um aparte?

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - Senadora Emilia Fernandes, quero cumprimentá-la pela abordagem de um tema que preocupa toda a sociedade. V. Exª, com sensibilidade, analisa a questão. Ouvi atentamente quando V. Exª, apresentando números, diz que as mulheres monogâmicas, as apaixonadas, as fiéis, as que estão no recesso de seus lares cuidando de nossos filhos, são infectadas. Eu acrescentaria: as nossas crianças que já nascem com o vírus, que contraem esses vírus. Tudo isso está a exigir uma campanha de esclarecimento, uma atitude corajosa por parte das autoridades e uma atitude firme por parte da sociedade. V. Exª chama a atenção dos homens para esse aspecto. Entendo, todavia, que a sociedade está avançando, que pronunciamentos como este de V. Exª, campanhas que estão sendo encetadas pelos meios de comunicação, tudo está contribuindo para que essa chaga seja, em curto espaço de tempo, diminuída sensivelmente e até eliminada. Cumprimento V. Exª, porque quanto mais abordarmos o problema e intensificarmos as campanhas educativas de esclarecimento, de informação, melhor para a defesa da sociedade, das mulheres que são apaixonadas, fiéis e monogâmicas, melhor para as crianças e também, permita-me, para os homens, que são atingidos por esse terrível vírus. Cumprimento V. Exª.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Agradeço a V.Exª pelo aparte. É nessa direção que precisamos somar esforços, usando cada um os espaços e as oportunidades que tem, os dados, o conhecimento, até o sofrimento por ter um amigo, um colega, um professor, uma pessoa da família, um parente distante, com Aids.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - É importante combatermos o preconceito que ainda existe e que prejudica muito.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - V. Exª complementa muito bem. É importante o esclarecimento, sabermos como deve ser tratado o doente e como se adquire a doença. Há muito preconceito, muita desinformação. Essas pessoas precisam de nosso respeito, de nosso carinho, de uma oportunidade para viver. O governo tem de fazer sua parte e dirigir recursos para a realização de campanhas educativas nas escolas, nas famílias, nos bairros. O problema não existe apenas nas grandes capitais, nos grandes centros urbanos; os dados apontam que a Aids atinge crianças, adolescentes, mulheres, em todas as regiões do País, chegando até a área rural - lembra aqui o Senador Ramez Tebet. Este problema exige ação de toda a sociedade organizada, autoridades e governo.

Nesse sentido, cresce em importância as campanhas voltadas de forma especial para esses segmentos, do que é exemplo a campanha "Crianças Vivendo com Aids", desenvolvida pela ONU em âmbito mundial, inclusive no Brasil, com apoio do Ministério da Saúde, que está convocando a sociedade brasileira a integrar-se nela, envolver-se, participar, dar o carinho que essas pessoas merecem e de que precisam.

A educação, tão necessária para o desenvolvimento, para a construção de um país soberano e socialmente justo, neste caso, tem uma responsabilidade ainda maior, que é a de salvar vidas humanas, ameaçadas pela desinformação e pela ignorância.

A sociedade, as famílias, os casais, os jovens, homens e mulheres, e, de forma especial, as autoridades, em todos os níveis, precisam adotar um compromisso de luta, de respeito à vida e de solidariedade aos que já sofrem com a doença e de prevenção contra a sua disseminação no País e no mundo.

Além disso, é preciso iniciativas mais eficazes de apoio àqueles que já estão lutando contra a doença, investindo em medidas que facilitem o acesso aos remédios e às novas terapias, bem como aos hospitais e a outras formas de tratamento.

É fundamental, por exemplo, que o Governo Federal apóie os laboratórios nacionais, principalmente aqueles voltados para a fabricação de AZT, que passam por grandes dificuldades de sobrevivência, em virtude dos escassos investimentos feitos ou mesmo do corte de verbas essenciais ao seu funcionamento.

Objetivando prestar minha colaboração como legisladora, apresentei projeto no Senado Federal para estender a possibilidade do saque do FGTS no caso de qualquer membro da família ser portador do vírus, e não apenas o titular da conta, como consta hoje da nossa legislação. Quando um da família tiver AIDS, aquele que é o titular da conta, que tem Fundo de Garantia, poderá retirar, como mais um socorro, mais um investimento na busca do remédio, do tratamento adequado, na alimentação necessária, enfim, do tratamento de que a pessoa precisa.

Nosso projeto, que amplia o direito dos cidadãos frente a uma situação como essa, que realmente requer atenção diferente, está com parecer favorável da Senadora Benedita Silva e está pronta para ser votado na Comissão de Assuntos Sociais desta Casa, onde espero merecer o apoio de todos os Parlamentares na Comissão e também no plenário, se for o caso.

Ao encerrar, Sr. Presidente, gostaria de trazer aqui a lembrança de Betinho, que, apesar das dificuldades impostas pela doença, fez da sua vida uma bandeira de luta não apenas contra a AIDS, mas contra todas as formas de discriminação, de exclusão e de injustiças. Antes de mais nada, a luta contra o vírus HIV é um compromisso de solidariedade, de espírito coletivo, de respeito ao próximo e de valorização da vida - da nossa vida e da vida os demais seres humanos.

Eram as considerações que tínhamos a fazer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/1997 - Página 27065