Discurso no Senado Federal

DOCUMENTO DO REITOR DA UNIVERSIDADE DO AMAZONAS SOBRE AS DIFICULDADES FINANCEIRAS ENFRENTADAS POR AQUELA INSTITUIÇÃO.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • DOCUMENTO DO REITOR DA UNIVERSIDADE DO AMAZONAS SOBRE AS DIFICULDADES FINANCEIRAS ENFRENTADAS POR AQUELA INSTITUIÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 13/12/1997 - Página 28131
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ANALISE, DOCUMENTO, AUTORIA, WALMIR BARBOSA, REITOR, UNIVERSIDADE DO AMAZONAS (UAM), PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, UNIVERSIDADE, ENSINO, PESQUISA, RESULTADO, FUGA, PROFESSOR, BUSCA, MELHORIA, SALARIO, UNIVERSIDADE PARTICULAR, PROVOCAÇÃO, REDUÇÃO, QUALIDADE, ENSINO SUPERIOR, COMPROMETIMENTO, ENSINO PUBLICO, BRASIL.

O SR. JEFFERSON PERES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo esta tribuna para falar em meu nome e em nome do Senador Bernardo Cabral.

Tenho em mãos documento que me foi encaminhado pelo magnífico Reitor da Universidade do Amazonas, Professor Walmir Barbosa, em que atesta que aquela instituição de ensino superior reproduz em microcosmo o atual processo de desmantelamento dos recursos materiais, financeiros, administrativos e sobretudo humanos da universidade pública brasileira, objeto de reportagem de capa da revista Veja desta semana.

O texto dos repórteres Joaquim de Carvalho e Ricardo Baltasar, entrelaça dados estatísticos com depoimentos pessoais de alguns dos mais expressivos nomes da atualidade científica nacional, para mostrar que a universidade pública em todo o País vem sendo vitimada pelo brain drain em tudo, ou seja, a fuga de cérebros para escapar dos baixos salários e das precárias condições de ensino e pesquisa. Essas inteligências migram em contingentes cada vez maiores rumo às instituições privadas de ensino superior e mesmo para fora do establishment acadêmico em geral.

No Amazonas, muito provavelmente os impactos sócio-culturais dessa realidade podem ser considerados tantos mais graves quanto maiores são as carências da população e o isolamento da nossa região relativamente aos grandes centros de produção científica e tecnológica. Gostaria de chamar a atenção dos nobres colegas para alguns dos principais problemas focalizados pelo reitor da Universidade do Amazonas, entidade à qual sou ligado por antigos vínculos acadêmicos e pessoais, pois dela fui aluno antes de me tornar docente de sua Faculdade de Estudos Sociais.

Valendo-se de dados sócio-econômicos, coletados por ocasião do vestibular do ano passado, o Professor Walmir Barbosa traça um perfil do alunato bem diferente dos argumentos que acusam a Universidade pública de ser um quisto privilegiado em nossa sociedade. Quarenta e nove vírgula seis porcento dos alunos da Universidade do Amazonas provêm de escolas públicas. O mesmo documento lembra que esse perfil não difere muito daquele encontrado no conjunto das instituições federais de ensino superior no País. Cinqüenta e quatro vírgula noventa e seis porcento dos universitários brasileiros são oriundos das escolas públicas de segundo grau. Apenas 12,61% pertencem à classe A; 60,6% usam transporte coletivo para irem à Universidade e nada menos que 14,6% fazem esse percurso a pé ou de carona.

Infelizmente, como observa o Reitor, é muito mais fácil noticiar o escândalo diante dos carros novos que reluzem em certos estacionamentos universitários do que propor implementar uma estratégia de reforma que possibilite a ampliação da participação das classes populares no corpo discente das universidades públicas, através de bolsas de estudo. Neste ponto, não me refiro, exclusivamente à responsabilidade do Estado que, antes de mais nada, precisa sofrer uma ampla reestruturação de seus subsistemas tributário e administrativo para ser capaz de financiar políticas de desenvolvimento social nas áreas da saúde e da educação em todos os níveis. Mais que isso, no caso da universidade, é preciso despertar o “auto-interesse esclarecido” dos empresários do setor privado em uma parceria que, no mundo inteiro, faz avançar a fronteira do conhecimento e ao mesmo tempo incrementa a produtividade e os lucros.

Mais adiante, o documento da U.A. focaliza os importantes e pouco divulgados resultados de sua atuação, particularmente na área da saúde. Reproduzo aqui as palavras do reitor:

“Tudo isso, além de ser o hospital universitário o único centro de referência hoje em Manaus, capaz de dar conta dos casos mais graves da população. Conte-se ainda que são os professores da área médica que ocupam vários cargos na área de saúde do Estado e ainda prestam serviços, cedidos ou não, a hospitais públicos, preparando quadros nas residências médicas e nos cursos de mestrado e doutorado mantidos com essas instituições.

Na área de formação de quadros docentes, a U.A. é a única em todo o Estado do Amazonas. É por essa razão que chegamos ao interior do Estado e nossa presença é cada vez maior em todas as calhas dos grandes rios da Amazônia. Através dos pólos do interior, a Universidade do Amazonas atende hoje a 75% dos municípios amazonenses com cursos de licenciaturas. plenas itinerantes, internato rural, onde estudantes de graduação realizam estágios obrigatórios, projetos de extensão universitária, assessoria e consultorias às prefeituras do interior.

O Projeto de Interiorização nos torna, de fato, uma Universidade do Amazonas. É ela que está fazendo as primeiras cirurgias cardiovasculares em nosso Estado. Foi ela que, neste ano, devolveu a visão a 360 pessoas com operações de cataratas e implantes de cristalino; é ela que vem diminuindo a incidência de cárie dental em crianças da periferia de Manaus, com tratamento e educação para a saúde; é ela que, através da Rede de Assistência à Saúde Indígena, atende, no Alto do Rio Negro, à população de índios e de ribeirinhos, perfazendo um total de assistência a 27 mil pessoas. Não bastasse isso, ainda tem sob sua responsabilidade a conservação e preservação da maior floresta urbana da América Latina, que é o seu Campus Universitário”.

A despeito desse relevante desempenho, Sr. Presidente, o pessoal administrativo e o corpo docente da U. A estão hoje submetidos ao mais longo e brutal achatamento salarial da história da instituição. Com o tempo médio de serviço de 15 anos, servidores administrativos com nível superior recebem parcos R$635,00 mensais, e os de nível médio pouco mais da metade disso, R$360,00. A tabela de remuneração dos professores dispensa comentários. No grupo dos que trabalham em regime de dedicação exclusiva, os salários são os seguintes: Auxiliar de Ensino: R$985,00, Assistente Nível l, com Mestrado: R$1532,00, Adjunto-1 com Doutorado: R$2287,00, Titular com doutorado: R$3169,00 - isto com tempo integral e dedicação exclusiva.

As conseqüências dessa distorção são mais uma vez sucintamente descritas pelo Reitor da U. A:

“Docentes e cientistas formados com recursos públicos, desprovidos de toda a esperança de dar condições mais dignas às suas famílias e ter como trabalhar, estão deixando as universidades públicas. Por outro lado, o setor privado se completa com recursos humanos formados com dinheiro público.”

O Professor Barbosa aponta uma série de fatores adicionais que agravam o presente quadro e que numa reminiscência do conceito de “causação circular” cumulativa, formulada pelo economista e sociólogo sueco Gunnar Myrdal, funcionam a um tempo como causa e conseqüência do drain-brain: “impedimento absurdo para repor, mediante concurso público, as vagas de professores abertas, em função de demissão, morte ou aposentadoria, compelindo a Universidade a apelar para os nefastos contratos temporários preenchidos por professores despreparados e desmotivados para uma carreira universitária de ensino e pesquisa. Uma briga por espaço físico dentro das universidades, porque o Governo, há muito tempo, não investe na expansão das escolas. Falta de investimento em laboratórios. Desatualização das bibliotecas e falta de acesso a novas tecnologias educacionais que facilitam a troca de informação e melhoram as condições do saber. Finalmente, e via de conseqüência, queda do prestígio social do magistério, o que a longo prazo comprometerá irremediavelmente a formação das futuras gerações” E isso, acrescento eu, longe de restringir-se à esfera do ensino superior, na verdade contamina os escalões inferiores da educação brasileira. Afinal, quem formam os professores de segundo grau? Onde buscarão meios de aperfeiçoamento didático, seus colegas de primeiro grau?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no apagar das luzes de 1997, faço questão de encerrar minhas atividades desse ano parlamentar solidarizando-me com as inquietações do magnífico reitor da Universidade do Amazonas e valendo-me desta tribuna para repercutir esse grito de alerta que nos chega das instituições federais de ensino superior de todo o País. Em nome do progresso econômico, do bem-estar social e da redenção intelectual de nossa gente, salvemos esse patrimônio de informação, conhecimento e saber, antes que seja tarde demais! Caso contrário, estaremos condenados à triste condição de órfãos do nosso próprio futuro...

Recuso-me a acreditar, Sr. Presidente, que, por uma trágica ironia da história, nesse final de século e de milênio, exatamente no Governo do sociólogo e professor universitário Fernando Henrique Cardoso, ocorra o melancólico fim da universidade pública no Brasil. Sua biografia não merece tal ferrete que, certamente, a macularia para sempre.

Era o que tinha a dizer, desejando a todos os Senadores um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/12/1997 - Página 28131