Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE UM CONTROLE DO USO DAS CONCESSÕES PUBLICAS DE RADIO E TELEVISÃO, NO QUE CONCERNE A QUALIDADE DAS SUAS PROGRAMAÇÕES. COMENTANDO EDITORIAL DO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DA ULTIMA SEGUNDA FEIRA, INTITULADO 'A TV ABERTA NA SARJETA'.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • NECESSIDADE DE UM CONTROLE DO USO DAS CONCESSÕES PUBLICAS DE RADIO E TELEVISÃO, NO QUE CONCERNE A QUALIDADE DAS SUAS PROGRAMAÇÕES. COMENTANDO EDITORIAL DO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DA ULTIMA SEGUNDA FEIRA, INTITULADO 'A TV ABERTA NA SARJETA'.
Publicação
Publicação no DSF de 13/12/1997 - Página 28133
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, EDITORIAL, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REDUÇÃO, QUALIDADE, PROGRAMA, TELEVISÃO, RADIO, EXPLORAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, UTILIZAÇÃO, SORTEIO.
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, PROGRAMA, VOZ DO BRASIL, DIVULGAÇÃO, ATIVIDADE, PODERES CONSTITUCIONAIS, PAIS.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a velocidade com que as mudanças hoje atingem a sociedade brasileira exige uma postura atenta, responsável e serena por parte dos seus legítimos representantes, principalmente quando recordamos os graves problemas ocorridos nas recentes décadas, marcadas pelos atos de arbítrio, de violências institucionais e de restrições às mais elementares liberdades civis. A consciência coletiva repudia qualquer forma de censura oficial, de cerceamento dos direitos de imagem e de informação. Mas vem crescendo a cada dia, na mesma forma, a certeza de que algo precisa ser feito para coibir abusos, para impedir o mau uso de concessões públicas e para preservar valores éticos e culturais mínimos nas transmissões de rádio e televisão, notadamente quando se voltam para crianças e a juventude.

Invoco o testemunho de todos os que conhecem minha trajetória na vida pública, sempre empenhado em defender a liberdade de expressão e condenar qualquer tentativa de prejudicar o acesso dos cidadãos às notícias, à cultura e ao entretenimento. É uma trajetória de coerência que me propicia condições objetivas para falar sem falsos moralismos, sem a farisaica máscara da imagem mentirosa e insincera. Como cidadão, Parlamentar e ex-Governador, sigo defendendo as franquias democráticas e condenando, com igual veemência, a libertinagem e os desmandos quotidianamente verificados em nossos veículos de comunicação eletrônica. Não são coisas excludentes entre si - e vejo que estou em boa companhia, nessa postura de repúdio aos absurdos praticados, numa atitude compartilhada por alguns dos mais sérios jornais brasileiros.

Na última segunda-feira, a Folha de S. Paulo expressou sua justa indignação, ao publicar editorial sob o título "A TV Aberta Na Sarjeta", o qual, decerto, foi lido pela maioria de V. Exªs, mas que, por sua importância, merece registro nos Anais do Senado Federal, como testemunho para nossos pósteros de que não nos omitimos ante questão dessa magnitude.

Rogo a especial atenção da Casa para esse editorial, pois nele encontramos um grito de alerta e de inconformismo ante os descalabros já rotineiramente impostos aos lares, sem qualquer controle ou crédito por parte do Governo ou das entidades que, supostamente, deveriam regular o teor e a forma das emissões de rádio e televisão.

Diz o editorial da Folha:

"Meninas de apenas quatro anos rebolando sobre garrafas como se fossem chacretes, mulheres nuas servindo de bandeja para o repasto de atores num restaurante japonês, deficientes físicos submetidos a situações humilhantes ou um hermafrodita que tem as fotos de sua genitália expostas diante das câmeras. Essas apelações e vulgaridades passaram a integrar a programação das grandes emissoras da TV aberta no País, a ponto de se transformarem no principal eixo da chamada "guerra pela audiência". Faz parte dessa escalada de degradação de nível da TV o fato de os programas também estarem funcionando como cassinos eletrônicos. Sorteios que deveriam beneficiar instituições filantrópicas são usados para estimular a prática do jogo e alimentar no espectador, por meio de uma propaganda tão ostensiva quanto enganosa, a ilusão do ganho fácil."

Dentro desse quadro desolador, registrado pela Folha de S. Paulo na última segunda-feira, ganha realce a perspectiva de que a tendência é ficar ainda pior, porque, em termos éticos e qualitativos, está valendo justamente a lei do "quanto pior, melhor". Para isso, o que importa é exacerbar os baixos instintos das parcelas mais desqualificadas da audiência, incentivar a insensatez e a cupidez de pais criminosamente irresponsáveis e ganhar pontos no IBOPE. Retornemos ao editorial do importante jornal paulista:

“É sintoma dessa perda de parâmetros mínimos de civilidade o fato de que o apresentador Carlos Massa, conhecido como “Ratinho”, esteja sendo leiloado por pelo menos duas emissoras e que seu passe esteja hoje fixado em altíssimos valores. Ratinho é uma espécie de caricatura de um baixo padrão de programação que, ao que parece, vai-se tornando hegemônico a cada dia.”

De onde vem esse descalabro? Em que porão soturno da consciência nacional estão suas raízes? A própria Folha arrisca uma nova explicação para o fenômeno e seus sórdidos derivados:

“É a entrada das chamadas TVs por assinatura no País. Mais sofisticadas e voltadas a um mercado segmentado, elas teriam estimulado as grandes redes a apelar para formas popularescas, a fim de preservar audiência”.

E acentua:

“seja qual for a razão, o fato é que se criou um mal-estar na sociedade diante das aberrações da TV. A pior resposta a isso seria a volta de qualquer forma de censura sobre a programação”.

Mas, louve-se a firmeza com que o grande jornal paulistano se posiciona ante a questão, repelindo a omissão e a tibieza.

Na conclusão do editorial, afirma a Folha de S. Paulo:

“O desafio está em encontrar maneiras democráticas de reagir a essa situação, buscando soluções que não coloquem em risco a liberdade de expressão, mas que contemplem os direitos básicos de cada família e de cada cidadão”.

Essas palavras foram publicadas pela Folha em sua edição de segunda-feira. E, ontem, o mesmo jornal denunciou outra sorte de descalabros praticados pelas redes de TV, abordando a proliferação dos sorteios pelo telefone, vulgarmente conhecidos como "telessorteios". É uma nova página de invulgar lucidez, que também registro, para ser perenizada nos Anais da Casa.

Sob o título de "Telemalandragens", diz a Folha:

“Várias emissoras de TV vêm abusando de esquemas promocionais conhecidos como "telessorteios"; sobre a probidade e a legitimidade destes pesam sérias dúvidas. A pretexto de realizarem sorteios, pesquisas de opinião ou campanhas em benefício de entidades assistenciais, eles induzem centenas de milhares de espectadores a jogar suas economias em apostas mirabolantes. Escandaliza o fato de que, apesar da alegada caridade, na prática, as entidades supostamente beneficiadas quase nada recebem, como revelaram várias reportagens da Folha”.

O editorial chama a atenção para o fascínio exercido pela chamada "telinha" sobre as pessoas, notadamente aquelas que constituem as classes menos esclarecidas da sociedade - fascínio potencializado face ao sonho de ganhar prêmios valiosíssimos, nesta dura época de desemprego, de miséria, de exclusões sociais e de distorções nas formas de sobrevivência do povo.

Mas, em última instância, tudo acaba na mais desenfreada e condenável jogatina, drenando os parcos recursos ainda restantes no bolso do trabalhador brasileiro.

Sigamos com a leitura do editorial:

"Muitas vezes o espectador mais ingênuo é capaz de acreditar no que vê, pelo simples fato de ser exibido na telinha. Mas a possível transformação das emissoras de TV em cassino disfarçado, sob as barbas das autoridades que deveriam coibir o jogo, é altamente preocupante. Têm proliferado inúmeros esquemas de captação de recursos que parecem mera jogatina. O total já arrecadado por tais esquemas, desde dezembro de 1996, é estimado em mais de R$ 119 milhões. A TV não pode se tornar uma forma de esbulho da poupança popular. O abuso e a ilegalidade, onde forem comprovados, precisam ser punidos".

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esses editoriais da Folha de S. Paulo, cuja leitura acabo de fazer, abordam dois pontos distintos em sua origem e nas medidas corretivas que exigem, embora façam parte da mesma fonte: o tipo de televisão hoje praticado no Brasil. Ou seja, suas correções devem partir de princípios diferentes na forma e na ação, embora se igualem na origem e nos malefícios causam à sociedade: a tavolagem escancarada, a jogatina desenfreada, o assalto criminoso à bolsa dos cidadãos, onde vemos uma sequência de ilícitos penais já devidamente catalogados pelas leis e nela encontram as penalidades cabíveis; já a ausência de critérios éticos e morais na programação exige sensibilidade e espírito democrático, para não reincidirmos na abominável censura, essa nódoa que macula tantas páginas da nossa história.

           O Ministério da Justiça não está inerte quanto ao problema das “telemalandragens”, como diz, muito apropriadamente, o editorial da Folha de S. Paulo; o próprio artigo de fundo informa que dentro do prazo de um mês teremos uma posição oficial do Governo quanto a essa acintosa exploração da boa-fé do povo. Os representantes da sociedade também estão se movimentando, ingressando com ações junto ao Poder Judiciário e instaurando, na Assembléia Legislativa de São Paulo, uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

           Vamos aguardar, agora, que as entidades representantes das emissoras de rádio e televisão, dentro de suas inalienáveis obrigações, adotem as medidas cobradas pela sociedade, para pôr um paradeiro na profusão de abusos cometidos contra a consciência dos cidadãos lúcidos e dignos, preservando-lhes os lares e as famílias da enxurrada de perversões que tristemente dominaram a programação das redes que disputam audiência em todo o País.

           Não esqueçamos jamais, todavia, que estamos falando de concessões de serviços públicos, delegações feitas pelo Poder Público - que, portanto, é por elas responsável. Essa responsabilidade final não pode ser alienada nem delegada pelo Governo; se as entidades representativas das redes não tiverem a sensibilidade e o respeito que a opinião pública exige, alguém terá de fazer alguma coisa - esse alguém é o Governo, dentro de suas atribuições constitucionais. A liberdade está acima de tudo, mas não se podem admitir, em seu nome, tais agressões à dignidade dos cidadãos e das famílias.

           Ainda sobre o tema rádio e televisão, dentro do princípio de defender os direitos da sociedade sobre as concessões que delega, quero enfocar, mais uma vez, a campanha dos concessionários contra a transmissão diária da Voz do Brasil.

           E hoje volto a esse tema com a mesma indignação das ocasiões anteriores, pois se reforça a cada dia o poderoso lobby contra o programa, na falsa premissa de que os parcos 60 minutos usados em cinco dias da semana causam prejuízos insuportáveis aos donos das estações. Ora, não custa repor a questão em seus precisos termos numéricos: a Voz do Brasil dura apenas uma das 24 horas do dia, em cinco dos sete dias da semana - e é justamente esse período que permite a todos os cidadãos tomarem conhecimento das atividades de seus representantes, das decisões de seus dirigentes, das sentenças emanadas de seu Judiciário. O que diferencia o programa oficial dos noticiários comuns é sua ampla e total liberdade, acima de critérios editoriais das emissoras e dos grupos econômicos que as dominam acionária e economicamente.

           Condeno francamente, como sempre condenei, qualquer agravo à imprensa, à divulgação irrestrita de opiniões e de notícias. Mas considero indispensável, também, a divulgação simultânea, em nível nacional, das atividades dos Três Poderes da República, divulgação isenta de quaisquer critérios fora da fidelidade às suas decisões, suas propostas e suas opiniões.

           O Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, prometeu para fevereiro uma posição oficial quanto ao pleito a ele levado pelos empresários do setor de comunicação eletrônica. Antes disso, pretendo voltar a discutir essa questão, porque está em jogo a outra face da liberdade de informação: a sua veiculação transparente, fiel, sem cortes ou adaptações às linhas editoriais e empresariais das emissoras.

           Não temos apenas o direito de fazer chegar aos cidadãos que nos elegeram o teor do nosso trabalho - isso é mais do que um direito, é uma obrigação!

           É um dever inerente aos próprios mandatos que recebemos e buscamos honrar no dia-a-dia das atividades parlamentares.

           Encerrar ou restringir a Voz do Brasil será a mesma coisa que amordaçar o Congresso Nacional e demolir uma das poucas pontes que ainda nos ligam, direta e francamente, à consciência de cada cidadão e à sociedade como um todo.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/12/1997 - Página 28133