Discurso no Senado Federal

PREMENCIA NA APURAÇÃO DAS DENUNCIAS APRESENTADAS PELO SENADOR ROBERTO REQUIÃO SOBRE A LIBERAÇÃO DE VERBAS. ACEITAÇÃO DA LEI DE DOAÇÃO DE ORGÃO PRESUMIDA PELA SOCIEDADE BRASILEIRA.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SAUDE.:
  • PREMENCIA NA APURAÇÃO DAS DENUNCIAS APRESENTADAS PELO SENADOR ROBERTO REQUIÃO SOBRE A LIBERAÇÃO DE VERBAS. ACEITAÇÃO DA LEI DE DOAÇÃO DE ORGÃO PRESUMIDA PELA SOCIEDADE BRASILEIRA.
Aparteantes
José Eduardo Dutra, Otoniel Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 10/01/1998 - Página 330
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SAUDE.
Indexação
  • NECESSIDADE, DEBATE, CONGRESSISTA, DENUNCIA, AUTORIA, ROBERTO REQUIÃO, SENADOR, PARTICIPAÇÃO, LUIZ CARLOS SANTOS, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO, COORDENAÇÃO, POLITICA, MANIPULAÇÃO, NATUREZA POLITICA, LIBERAÇÃO, VERBA, ORÇAMENTO.
  • INFORMAÇÃO, ROBERTO REQUIÃO, SENADOR, PRETENSÃO, ORADOR, PROFERIMENTO, DISCURSO, DEFESA, OBJETIVO, ESCLARECIMENTOS, INTERPRETAÇÃO, PALAVRA, IMPUTAÇÃO, SANTO PADROEIRO, IGREJA CATOLICA.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, FORNECIMENTO, HOSPITAL, INFRAESTRUTURA, VIABILIDADE, EXTRAÇÃO, MANUTENÇÃO, TRANSPORTE, ORGÃO HUMANO, OBJETIVO, TRANSPLANTE DE ORGÃO.

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, preliminarmente digo que a denúncia trazida a este plenário pelo Senador Roberto Requião é séria e merece o debate e a reflexão dos Srs. Senadores. O papel do Ministro Luiz Carlos Santos é, de fato, o de fazer uma ponte entre os Parlamentares e o Governo. Essa é a função do Ministério.

Comprometo-me, nesta Casa - ontem pela manhã falei com o Senador Pedro Simon a respeito -, a fazer um breve histórico e a defesa do maior Santo da Igreja Católica, cuja máxima está sendo deturpada pelos políticos: São Francisco de Assis. A sua expressão “é dando que se recebe” significa o oferecimento de todos os bens materiais e espirituais em benefício do próximo. Isso não diz respeito a uma troca material. O Senador Pedro Simon me incentivou a tomar essa atitude. Assim, Senador Roberto Requião, farei, na próxima semana, a defesa de São Francisco de Assis, porque - repito - a sua máxima está sendo deturpada.

Trouxe-me a esta tribuna hoje o debate acerca da entrada em vigência da lei relativa aos transplantes. Falei também ontem com o Senador, em seu gabinete, sobre a necessidade de se trazer aqui o Presidente do CRM, para que os Senadores, principalmente os que são médicos, pudessem trazer à luz as aflições e preocupações do setor médico a respeito da doação presumida. Isso porque, como os médicos dizem, parece que a doação ficou obrigatória.

Srs. Senadores, no mês de maio, fiz um discurso relativo a esse assunto, depois de participar de um simpósio na Escola Paulista de Medicina, que contou com a presença de professores da Faculdade de Medicina de São Paulo, da Escola Pinheiro. Lá compareceu também o Diretor de Ética do Hospital das Clínicas.

Trouxe aqui hoje algumas das expressões por ele usadas e que aqui pronunciei durante o debate sobre o problema. Então, se me permitirem, roubando uns cinco minutos deste Plenário, gostaria de ler alguns trechos sobre esse problema, que diz:

      “Também unânimes em considerar que a atual realidade brasileira, ainda plena de analfabetismos, de carência de informação, de burocracia e de insegurança, não combina com uma mudança legal que transforme os brasileiros em doadores natos, isto é, que transforme todos nós em doadores até manifestação individual em contrário, conforme se pretende nesta Casa e foi aprovado assim”.

Cito ainda outro trecho da advertência do corpo médico daqueles hospitais - e era a preocupação de V. Exª, Senador, ontem, quando conversávamos em seu gabinete:

      “O Poder Público deve concentrar esforços para implementar uma infra-estrutura, condizente com as necessidades nacionais, de meios para realizar mais transplantes, e não apenas para aumentar as doações, pois essas já existem, em tese, em potencial adequado. O que não existem são recursos técnicos, equipamentos, meios de transporte, instalações e pessoal quantitativamente à altura das possibilidades de coleta de aproveitamento dos órgãos e tecidos disponíveis”.

Vimos ontem, Sr. Presidente, Srs. Senadores, pela televisão, o caos de alguns hospitais públicos no atendimento normal à saúde e as dificuldades e deficiências para a coleta, transporte e manutenção dos órgãos ainda em condições de salvar uma vida.

É nobre o projeto, é nobre a lei, mas faltou publicidade. Deve-se levar ao público o conhecimento de que isso poderá trazer alguns benefícios àqueles que esperam dois, três, quatro, cinco anos para que um órgão possa ser transplantado, proporcionando-lhes uma vida mais tranqüila e mais sadia.

Dizia à época, relatando o que disse o coordenador da Central de Transplantes da Secretaria de Saúde de São Paulo, que ontem foi à televisão:

“Poderia dispor já, com a atual legislação - a anterior - de três mil doadores por ano, número mais do que condizente com as atuais necessidades nacionais. Ele e os demais especialistas revelaram as gritantes deficiências de que se ressente o setor para, em boas condições técnicas e tempo hábil, suscitar a doação, retirar os órgãos doados e levá-los até o receptor. Essa é a realidade. Nada adiantaria somente aumentar o número de doadores, pois a perdurar a falta de empenho governamental e de apoio de entidades públicas e privadas, num sistema de saúde caótico e vergonhoso, aquelas deficiências e empecilhos continuarão a existir, dificultando e tornando inseguro o aproveitamento de órgãos e tecidos doados. “

É isso o que agride a Constituição, pois no seu art. 199, § 4º, ela dispõe:

“Art. 199............................................

§ 4º - “A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.”

É isso, Srs. Senadores, não estou criticando o estudo, o trabalho, a dedicação e o aprofundamento que o médico desta Casa, Senador Lúcio Alcântara, dedicou à elaboração do relatório. S. Exª discutiu, aguardou, compareceu onde foi convocado. E o espelho do resultado é este.

Ainda ontem, Senador Lauro Campos, recebi a informação do Diretor do Banco de Olhos de Sorocaba, de que caiu o número de transplantes de córnea. Alguns hospitais públicos, como o Hospital da Escola Paulista de Medicina, a Faculdade de Medicina de São Paulo, a Faculdade de Sorocaba, começaram trabalhando aos sábados e domingos, com a colaboração de empresas privadas, no transplante gratuito de córnea. O Banco de Olhos estava funcionando a pleno vapor, oferecendo condições para que isso acontecesse. Pois saibam, Srs. Senadores, que, em razão da vigência da lei, caiu o número de doações de córnea. A população ficou surpresa com as discussões e passou a entender menos o que vinha a ser uma doação. Os que assistiram ontem aos noticiários de televisão constataram, mediante as pesquisas de rua realizadas com cidadãos comuns, a ignorância que temos - nós também - sobre como se dá a morte cerebral. Pensamos: “se o meu coração está batendo, como é que morri”? Quando eu estava na Polícia, verificava, através dos atestados de óbito, que era comum a morte por parada cardíaca. A parada cardíaca é sinal evidente da morte. Hoje, com a evolução tecnológica, diz-se que a primeira morte é a cerebral.

Ontem, o médico Adib Jatene dava uma explicação clara sobre essa situação. Não vou repetir suas palavras, apesar de tê-las entendido, porque acho que aqueles, aqui, que são médicos teriam melhores condições de absorver e transmitir as preocupações do ex-Ministro Adib Jatene, grande médico e hoje Diretor do Instituto do Coração, mas destaco a opinião de S. Exª de que a família deve ser ouvida e de que acredita que a lei de doação presumida pode não vigorar no Brasil. Através de entrevista ao jornal O Globo, o ex-Ministro Jatene, grande cardiologista brasileiro, de fama internacional, reiterou suas preocupações a respeito do assunto.

Ontem, também foi veiculado na televisão - e, hoje, em O Globo e em outros jornais - que o Governo estuda permissão para doação a parentes e que o corpo médico brasileiro decidiu que a consulta à família vai prevalecer, como um princípio ético. Assim, fazemos um apelo ao Governo para que forneça aos hospitais meios técnicos e condições de aproveitamento dos órgãos que possam ser doados, porque, ontem, V. Exª - que tem conhecimento de causa por ser médico e militar no setor hospitalar de Goiás - alertava-me sobre isso: como o Estado poderá investir em setores especializados para extração, manutenção e transporte de órgãos, se não consegue pagar em dia hospitais que estão em estado pré-falimentar?

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT-SE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Com prazer, Senador José Eduardo Dutra.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT-SE) - Senador Romeu Tuma, durante o debate, no Senado, daquele projeto de lei que acabou se tornando lei, tantos os autores dos projetos envolvidos - e fui um deles -, como o Senador Lúcio Alcântara, Relator da matéria, fazíamos questão de dizer que a lei, por si só, não era suficiente para melhorar a situação dos transplantes no Brasil. Ela era uma iniciativa do Legislativo no sentido de aperfeiçoar a legislação brasileira, colocando-a no mesmo patamar da maioria dos países desenvolvidos do mundo. No entanto, ela só teria eficácia se fosse acompanhada de medidas que eram atribuição do Executivo, no sentido da melhoria da estrutura do sistema de saúde brasileiro com relação a transplantes. A lei previa, num prazo de dois anos, a instalação de centrais de captação em todos os Estados do Brasil, para que se aperfeiçoasse e se implantasse melhor estrutura nesse campo. Esse artigo foi vetado pelo Presidente da República, alegando inconstitucionalidade - pois não seria atribuição do Legislativo estabelecer essa obrigatoriedade -, mas houve o compromisso do Ministério da Saúde de, na prática, implantar aquilo que estava estabelecido na lei, ou seja, a instalação de centrais de captação em todos os Estados brasileiros. O esclarecimento da população, primeira obrigação do Executivo estabelecida na lei, não foi feito. Num de seus artigos, a lei diz que cabe ao Executivo, através do Ministério da Saúde, promover campanhas periódicas não apenas para esclarecer a população a respeito da legislação, como para incentivar a doação de órgãos. Essa lei foi aprovada pelo Senado em fevereiro e sancionada em março. Cabia ao Executivo regulamentá-la, mas ela entrou em vigor e durante dez meses nada foi feito no sentido desse esclarecimento. Agora, o Ministério da Saúde está dizendo que vai fazer campanha e que vai esclarecer a população. Quero, inclusive, louvar a iniciativa tomada pela Rede Globo ontem, no Jornal Nacional, quando apresentou respostas para uma série de indagações da população, tentando suprir essa falha do Executivo. Outra crítica feita pela área médica diz respeito à doação intervivos, que permitiria a comercialização dos órgãos. Isso também é responsabilidade do Executivo. A lei aprovada no Senado estabelecia que a doação intervivos só poderia ser feita entre parentes ou, nos outros casos, com autorização judicial. Não sei por que motivo o Executivo vetou esse artigo, possibilitando essa comercialização. Agora, cabe ao Congresso Nacional derrubar esse veto do Presidente da República. Continuo convicto de que estamos numa fase de transição e essa polêmica era esperada, mas ela seria muito menor se o Governo tivesse cumprido com a sua obrigação de fazer a campanha de esclarecimento. Relembrando uma comparação feita pelo saudoso Senador Darcy Ribeiro, da mesma forma como houve polêmica quando Osvaldo Cruz implantou a vacinação obrigatória - o que hoje, passadas algumas décadas, tornou-se até risível -, não tenho dúvida de que, com o decorrer do tempo, essa lei terá plena validade, mas desde que acompanhada por medidas de caráter estrutural. Do contrário, infelizmente, será mais uma lei bem intencionada que ficará apenas no papel. Muito obrigado.

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Agradeço Senador José Eduardo Dutra. Não posso deixar de reconhecer que V. Exª e a Senadora Benedita da Silva trabalharam profundamente no estudo e na elaboração deste projeto. E não posso esquecer a tranqüilidade e a serenidade com que o Senador Lúcio Alcântara elaborou seu relatório, concluindo pela aprovação desse projeto.

Talvez, Senador Otoniel Machado, não seja este o fórum próprio para se questionar o mérito da discussão médica, mas é o fórum próprio para se debaterem quais pressões deve o Governo receber para estabelecer a infra-estrutura necessária ao atendimento dessa lei, modificando-a de maneira a que a família deva ser consultada antes dos transplantes, decisão ética que, repito, os médicos já tomaram.

O Sr. Otoniel Machado (PMDB-GO) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Antes de lhe conceder o aparte, gostaria de lhe agradecer profundamente a tolerância, ontem, em seu gabinete. Sou leigo em matéria médico-hospitalar e V. Exª tranqüilizou-me a respeito desse assunto, encorajando-me a fazer este pronunciamento.

Ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Otoniel Machado (PMDB-GO) - Nobre Senador Romeu Tuma, Sr. Presidente e Srs. Senadores, é com muita satisfação que, neste momento, percebo o interesse de Senadores não-médicos por assunto tão importante. Hoje, infelizmente, o problema dos transplantes precisa ser muito debatido e precisa de uma solução rápida, visto que milhares de brasileiros morrem diariamente por falta de uma estrutura e de uma lei a respeito do assunto. Vemos, em todos os Estados da Federação, a prática de transplantes. É bem verdade que, em alguns Estados, contamos com uma excelente infra-estrutura. Hoje, o Brasil se encontra entre os países mais avançados na prática de transplantes. Senador Romeu Tuma, temos, em vários Estados da Federação, milhares de casos de renais crônicos que, além de onerar o Governo são vítimas de um sofrimento terrível, tanto para o próprio paciente como para sua família. Atualmente, a cirurgia nesse campo evoluiu muito, e esse tipo de cirurgia vem ocorrendo com muito sucesso. Nobre Senador, o que nos assusta é a falta de informação a esse respeito, causando-nos grandes problemas, pois a população brasileira não tem conhecimento desse tipo de transplante. Precisaria que houvesse um preparo junto à população, levando-lhe conhecimento, através dos meios de comunicação. Isso, infelizmente, não ocorreu. Ontem, em meu gabinete, conversei durante algumas horas com o Senador Romeu Tuma que, diga-se de passagem, é uma pessoa muito interessada no assunto, e chegamos à conclusão de que deveríamos consultar países onde a prática de transplantes ocorre há mais tempo para vermos o procedimento adotado para essas cirurgias, a recepção do material utilizado nesses transplantes a fim de adotarmos um caminho correto. Agradeço o aparte a V. Exª, feliz por vermos que outros Parlamentares também se interessam por essa matéria.

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Eu é que agradeço o aparte de V. Exª, esperando o requerimento que V. Exª fará à Comissão de Assuntos Sociais, para nos orientar nesse debate.

Sr. Presidente, para concluir, quero fazer alusão ao que foi dito pelo Senador José Eduardo Dutra quando da minha gestão na Polícia Federal, oportunidade em que houve uma denúncia gravíssima, que, inclusive, envolvia juízes italianos, em que dizia que uma parte das adoções eram voltadas para o aproveitamento de órgãos de crianças portadoras de deficiência física ou mental. Felizmente, as investigações nos levaram à negativa. Inclusive determinei a um Delegado de Polícia que fosse pessoalmente à Itália para fazer essa investigação. Na França, houve também essa denúncia contra o governo italiano, que também foi desmentida. Mas, caso não se coibir, por decisão judicial, o transplante em intervivos, podemos correr o risco de um abuso nesse setor. Ontem, alguns jornais já anunciavam a venda de órgãos - aliás, essa denúncia foi feita pela TV Globo, que fez um papel importantíssimo, esclarecendo alguns pontos, onde o cidadão, com a venda de órgãos, utiliza-se desse dinheiro para o pagamento de suas dívidas.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/01/1998 - Página 330