Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO MUSICO PERNAMBUCANO LOURENÇO DA FONSECA BARBOSA, O CAPIBA.

Autor
Carlos Wilson (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PE)
Nome completo: Carlos Wilson Rocha de Queiroz Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO MUSICO PERNAMBUCANO LOURENÇO DA FONSECA BARBOSA, O CAPIBA.
Publicação
Publicação no DSF de 16/01/1998 - Página 737
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, LOURENÇO FONSECA BARBOSA, MUSICO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).

O SR. CARLOS WILSON (PSDB-PE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, Pernambuco iniciou o ano de 1998 de luto. O Brasil ficou um pouco mais pobre. As artes fecham o balanço do ano que se foi contabilizando a perda de um de seus mais fecundos criadores. A música soou um pouco mais melancólica neste ano novo. As ladeiras de Olinda no réveillon abrigaram foliões um tanto pesarosos. Refiro-me, Senhoras e Senhores, ao falecimento de Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba, ocorrido no último dia do ano passado.

           Pelos seus muitos méritos, quero hoje prestar minha homenagem a esse ilustre filho de minha terra, que tanto contribuiu para projetar a criatividade dos artistas de Pernambuco para o resto do País. Só lamento que, tendo vindo ao mundo logo no início deste século, em 1904, não tenha ele querido esperar para saudar o próximo milênio com um frevo. Quero externar também o meu pesar à viúva Zezita que, sempre amiga e solidária, acompanhou-o até seus últimos dias.

           Embora tenha ficado conhecido como compositor de frevos - o que de fato era, e dos bons -, Capiba era um músico completo, não se resumindo sua genialidade musical a esse gênero. Mestre Capiba compôs, em mais de 70 anos de carreira, uma infinidade de valsas, tangos, polcas, guarânias, modinhas, choros, missas, lundus, dobrados, maracatus, cocos, cirandas, marchas, choros, cantigas e música armorial, além de música para teatro e cinema. Se nos falta fôlego para enumerar seus talentos, a ele nunca faltou criatividade e, principalmente, empenho ao se dedicar à música.

           Nascido em família pobre, em Surubim, no Agreste pernambucano, o principal alimento de Capiba sempre foi a música. Numa família de onze, em que todos tocavam algum instrumento, Mestre Capiba veio a se tornar instrumentista, orquestrador e arranjador. Aos 8 anos já tocava trompa e apresentava-se em saraus e festas; com pouco mais de uma dúzia de lições de piano, passou a acompanhar as projeções de cinema mudo em cinemas da Paraíba e, logo em seguida a apresentar suas composições próprias. Não levando em conta os conselhos do irmão mais velho que lhe sugeria abandonar a música, pois essa “não dava camisa a ninguém”, no início dos anos 30 já era diretor de banda em Recife, com sua Jazz Band Acadêmica.

           Pela música era capaz de tudo, até mesmo entrar para a faculdade de direito movido pelo amor à música, para participar, com mais propriedade, de uma banda que tinha o nome de “acadêmica” em seu título. Consta do anedotário que, formado em 1938, não foi nem pegar o diploma. Embora titulado pela academia em Direito, teve como causa primeira e derradeira a defesa da música popular brasileira. Quanto à música, para essa não precisava de formação acadêmica para ter se revelado um verdadeiro doutor no ofício.

           Como um bom filho do Nordeste, região de onde recebeu influências e de cuja cultura bebeu para criar sua obra, jamais aceitou mudar-se de sua amada Recife para outra cidade do Sudeste onde, provavelmente, poderia ter tido maior aceso à mídia. Com sua fama de boêmio, era um abnegado apóstolo da cultura brasileira, um genuíno artista do povo que, infelizmente, jamais teve seu trabalho reconhecido na medida em que merecia. Ele era um dos últimos representantes de uma geração de músicos que teve figuras de expressão como Noel Rosa, Lamartine Babo e Ari Barroso, e o seu falecimento, portanto, traz enorme perda ao nosso patrimônio cultural.

           Embora tivesse na música sua maior fonte de prazer e por ela fosse reconhecido, ganhou a vida como bancário, jamais tendo sido remunerado adequadamente pelas centenas de músicas que teve gravadas. Mesmo com seu espírito generoso, para ele era difícil compreender que a mídia desse tanto espaço a músicas de baixa qualidade em vez de aproveitar a maior riqueza de nossos músicos.

           Seu primeiro grande sucesso nacional veio com o frevo É de amargar, após ganhar um concurso, em 1934. Nos anos seguintes, teve lugar garantido em todos os carnavais de Pernambuco e ajudou a projetar o frevo para além de nossas fronteiras estaduais. Mestre Capiba, amoroso que era, nos deixou seu legado, que é um arsenal de músicas alegres para o divertimento de nosso povo. E é com as palavras de seu primeiro choro famoso que eu penso que os brasileiros podiam saudá-lo:

           “Eu bem sabia

           Que esse amor, um dia

           Também tinha seu fim:

           Esta vida é mesmo assim

           Não penses que estou triste

           Nem que vou chorar,

           Eu vou cair no frevo

           O que é de amargar.”

           Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/01/1998 - Página 737