Discurso no Senado Federal

VOTOS DE PLENO EXITO A VISITA DO PAPA JOÃO PAULO II A CUBA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • VOTOS DE PLENO EXITO A VISITA DO PAPA JOÃO PAULO II A CUBA.
Aparteantes
Ademir Andrade, Pedro Simon, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 21/01/1998 - Página 999
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, REMESSA, JOÃO PAULO II, PAPA, FIDEL CASTRO, PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, VOTO, SENADO, SAUDAÇÃO, VISITA OFICIAL, LIDER, IGREJA CATOLICA.
  • ANALISE, VISITA, PAPA, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, AMBITO, LIBERDADE DE CRENÇA, RESPEITO, DIREITOS HUMANOS, OPOSIÇÃO, BLOQUEIO, ECONOMIA, EXCESSO, DIVIDA EXTERNA, DEBATE, SOCIALISMO.
  • EXPECTATIVA, RETORNO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), PAIS ESTRANGEIRO, CUBA.
  • DEFESA, VISITA, EDSON ARANTES DO NASCIMENTO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO, ESPORTE, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, COLABORAÇÃO, DIALOGO, ENCERRAMENTO, BLOQUEIO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

O SR. EDUARDO SUPLIICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, estou apresentando, juntamente com 68 Senadores, todos presentes, nesta tarde, requerimento solicitando que, nos termos do art. 22 do Regimento Interno do Senado Federal, seja enviado voto de pleno êxito ao Sumo Pontífice, Papa João Paulo II, e ao Presidente do Conselho de Estado da República de Cuba, Fidel Castro, em função da histórica visita que Sua Santidade realizará nesta semana àquele país. Solicitei à Presidência que encaminhasse, de pronto, esse requerimento à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que está reunida, a fim de que o Senador Romeu Tuma designe o Relator. Espero que ele seja aprovado o quanto antes e que amanhã mesmo possa ser examinado pelo Plenário do Senado.

A visita que o Papa João Paulo II, a partir de amanhã até o dia 25 de janeiro, fará a Cuba reveste-se de importância histórica para a Humanidade e para as Américas. O governo cubano dará um grande passo no sentido de demonstrar aos seus cidadãos que lhes será assegurado pleno respeito à liberdade de crença e de fé, deixando para trás o tempo em que o Estado cubano negava a existência de Deus.

Ressalto que, em artigo publicado em O Globo no domingo último, Frei Beto revela o seu primeiro encontro pessoal com Fidel Castro, na Nicarágua, por ocasião do segundo aniversário da revolução. No diálogo mantido entre os dois, Frei Beto disse a Fidel Castro que estranhava o fato de Cuba, que era um Estado moderno, ser confessional. Então, Fidel Castro perguntou: “Como assim?” Frei Beto respondeu: “Não apenas o partido, mas o Estado cubano se diz ateu, e hoje é costume dos Estados modernos dizerem se acreditam ou não em Deus. Isso fez com que, posteriormente, houvesse mudança nesta questão. O Estado cubano já não se diz mais ateu.

Por outro lado, João Paulo II está reconhecendo a legitimidade do Governo Cubano. Não está indo lá para canonizar, nem para condenar a Revolução Cubana.

De acordo com a análise de Frei Betto, que, ao lado de Leonardo Boff e D. Pedro Casaldáliga, foi uma das pessoas que mais contribuiu para a reaproximação de Fidel Castro com a Igreja Católica, há três pontos importantes sobre os quais os representantes do Vaticano e de Cuba deverão se expressar de forma vigorosa:

1. A condenação ao bloqueio que há 35 anos o Governo dos Estados Unidos tem imposto à Cuba;

2. Condenação do processo de endividamento externo a que os países do Terceiro Mundo se submeteram e que asfixia a sua possibilidade de desenvolvimento.

João Paulo II tem tratado muito desse tema, inclusive está preparando uma grande ação por ocasião do Jubileu do ano 2000, em que irá propor a todos os países desenvolvidos que tenham uma questão especial quanto ao tratamento da dívida externa, dos compromissos, sobretudo dos países mais pobres, com respeito a essa questão;

3. Condenação às regras e diretrizes de política econômica que colocam a busca do interesse próprio, do individualismo, da maximização privada e de resultados como objetivo supremo, deixando de considerar como fundamentais os valores da solidariedade, da busca da justiça, da ética e do respeito aos direitos à cidadania.

É certo que o episcopado cubano - de acordo com Frei Betto, composto de um cardeal e 13 bispos -, que em documentos recentes tem manifestado a condenação ao bloqueio americano e reconhecido os avanços da Revolução na área social (segundo a Unicef, em Cuba morrem 10 crianças de cada mil nascidas vivas; no Brasil, a proporção é de 52/1.000), espera resultados muito significativos com a visita papal; acesso da Igreja à mídia, hoje restrito aos boletins da própria Igreja; devolução dos imóveis confiscados pela Revolução (como o Colégio Belém, dos Jesuítas, onde Fidel estudou, hoje uma instituição militar); reabertura de escolas católicas; direito de catequese nas casas de famílias e de celebrações litúrgicas em praça pública (concedido exclusivamente ao período de visita).

O Cardeal Gabriel Ortega pede que não apenas a missa de domingo, a ser realizada na Capital daquele país, seja transmitida pela televisão cubana. Quanto a essa solicitação, quem sabe Fidel Castro, até amanhã, também permita que todos os cubanos assistam a todas as missas que se realizarão em Santa Clara, Camagüey, Santiago de Cuba, além daquela que se realizará domingo em Havana.

No livro Fidel e a Religião, uma entrevista de vinte e três horas horas concedida por Fidel Castro a Frei Betto, em 1985, o líder da Revolução Cubana fala a respeito de sua formação religiosa obtida em colégios lassalistas e jesuítas, dos 9 aos 18 anos. Conta como Padre Guillermo Sardinas, um de seus principais companheiros em Sierra Maestra, foi um dos comandantes da Revolução, um dos poucos a receber este título.

Segundo Frei Betto, alguns fatos posteriores, como a influência franquista entre os católicos cubanos que se opunham às reformas agrária e urbana, e o alinhamento à União Soviética acabaram afastando Fidel Castro da Igreja. As relações entre Cuba e a Santa Sé, entretanto, nunca foram interrompidas.

A Revolução Sandinista, na qual os líderes nicaragüenses ressaltavam que “entre cristianismo e revolução, não há contradição”, e o diálogo que se desenvolveu entre Fidel Castro, Frei Betto, Leonardo Boff e Dom Pedro Casaldáliga, e inclusive com o Deputado Tilden Santiago, hoje aqui presente. S. Exª entrevistou Fidel Castro para escrever sobre a vida do Padre Guillermo Sardinas, e certamente, nesse livro, dará uma contribuição importante a respeito de todo esse episódio, para se compreender melhor as relações entre a Igreja, o cristianismo, a fé e o próprio Presidente Fidel Castro.

Logo após a sua recente visita ao Brasil, o Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton - lembro que, quando da recepção no Itamaraty, tive a oportunidade de dizer a Bill Clinton que achava muito importante que os Estados Unidos terminassem logo com seu bloqueio a Cuba -, na Argentina, declarou que se Cuba desse um sinal positivo, os Estados Unidos poderiam também dar um passo de aproximação. Agora, o Presidente dos Estados Unidos tem um sinal concreto. Haverá passo melhor do que este, da visita de João Paulo II a Cuba?

Ontem à noite telefonei para Frei Betto em Havana, e ele me disse que 4.200 jornalistas estavam acompanhando a viagem de João Paulo II a Cuba, 61% dos quais - de acordo com estatística do governo cubano - vindos dos Estados Unidos. Disse ele que estavam vindo dos Estados Unidos nove aviões, inclusive um cardeal com mais de 350 pessoas num jumbo.

Queremos expressar a nossa grande vontade de que Cuba volte a se tornar uma nação que integre plenamente a Organização dos Estados Americanos e todas as reuniões em que estejam presentes os demais países das Américas. Não se pode dizer que tenha sido exitosa a experiência dos Estados Unidos com medidas de bloqueios e sanções econômicas contra governos que não são de seu agrado. Recordem-se os exemplos de Saddan Husseim, Muammar Khadafi, além do próprio Fidel Castro. Em geral, o que se consegue com bloqueios e sanções é provocar o sofrimento das populações inocentes dos países, mas não derrubar os governos. Na verdade, o que costuma acontecer é que a pressão acaba reforçando os laços de solidariedade dos povos em torno dos governos.

Deve também o Governo brasileiro ter uma ação mais ativa para apoiar a aproximação dos Estados Unidos com Cuba. Queremos sugerir que, entre outros passos, possa o Ministro Extraordinário dos Esportes, Edson Arantes do Nascimento, aceitar o convite que recebeu do Governo cubano para visitar aquele país, uma vez que disse desejar conhecer de perto como Cuba preparava tão bem seus atletas para as Olimpíadas. Levando em conta a grande consideração que os governantes e o povo dos Estados Unidos, como de outros países, têm por Pelé, sem dúvida o Ministro dos Esportes poderá tornar-se um catalisador da reaproximação de Cuba com os Estados Unidos, colaborando assim com os propósitos que Sua Santidade agora está expressando.

Antes de conceder, com muita honra, o aparte ao Senador Pedro Simon, que foi Líder do Governo Itamar Franco, gostaria de dizer a S. Exª de que tenho a impressão, aliás compartilhada pelo Frei Betto, que acompanha o tema tão de perto, que os próprios Presidentes Fernando Collor de Mello e Itamar Franco foram mais ativos no papel de reaproximar Cuba dos Estados Unidos do que o Presidente Fernando Henrique. Parece até que quando Ministro das Relações Exteriores ele estava um pouco mais sensível a essa questão.

E eu gostaria aqui de fazer esse apelo, encorajando o Presidente Fernando Henrique Cardoso a dizer ao Ministro Pelé que aceite o convite. Imaginem, Srs. Senadores, quem sabe possa o Pelé, seguindo os passos de João Paulo II - até porque ele é tão considerado nos Estados Unidos da América -, depois deter um diálogo na Casa Branca com o Presidente Bill Clinton, para dizer o que todos gostaríamos que fosse dito.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Seria mesmo interessante que o Pelé aceitasse espontaneamente o convite para ir a Cuba ou que o Presidente Fernando Henrique Cardoso solicitasse ao Ministro Pelé que fosse a Cuba, representando o Governo brasileiro. Tem razão V. Exª quando diz que seria tremendamente oportuno. É claro que não há comparação entre o Papa e o Pelé, que é apenas o maior atleta do século, mas seria importante que o Pelé atendesse ao convite do Governo cubano. O requerimento de V. Exª, que praticamente todos os Senadores presentes a esta sessão assinaram, vem repetir o que este Senado já vem fazendo. Se depender desta Casa, já aprovamos, por unanimidade, mais de uma moção, apelando, reivindicando e protestando contra o bloqueio dos Estados Unidos a Cuba. V. Exª diz que seria interessante que se melhorassem as relações entre Cuba e Estados Unidos, mas não é só isso, os americanos obrigam o mundo inteiro a bloquear Cuba. E é muito ruim para Cuba o bloqueio americano, porque há países que querem negociar com Cuba, e os Estados Unidos não deixam. V. Exª sabe que, há alguns dias, o General Comandante da frota americana para o Caribe reformou-se e criou uma entidade não-governamental, da qual ele é presidente, com o objetivo de pressionar o governo americano a terminar o bloqueio. Ele estava exatamente coordenando as tropas americanas em toda aquela região e diz que é ridículo, que não há nenhuma perspectiva, nenhum perigo, nenhuma razão, nenhuma lógica de os Estados Unidos comandarem o bloqueio. Reparem: é o general que, durante anos, comandou as tropas americanas no Caribe e que fiscalizava, entre outros, basicamente Cuba, ele se aposenta, vai morar em Washington e cria uma entidade governamental - já se tendo a ela filiado várias pessoas de grande importância - para fazer um apelo, pressionar e coagir o governo americano a retirar o bloqueio. Foi bonito o gesto do Papa. Realmente, ele comoveu-me quando esteve no Rio de Janeiro pela sua forma física. Evidentemente, não há comparação, entretanto lembrava-me - e penso que V. Exª também - de Teotonio Vilela, que, com as duas bengalas, quatro cânceres e cabelo rapado, saía pelo Brasil a proclamar a democracia. Estava nosso Papa cansado, doente e trêmulo, mas, na verdade, sua mensagem de paz, amor e tranqüilidade é realmente profunda. Ele ir a Cuba, fazer essa transformação, esquecer o passado quando a Igreja Católica e o Cristianismo de um modo em geral estão preparando a sociedade para o próximo milênio, o simbolismo desse ato do Papa é mais profundo do que se possa imaginar. Os americanos não terão mais nenhuma sustentação perante o mundo para fazer - disse V. Exª muito bem - o que acontece no Iraque e em Cuba com esse bloqueio é fortalecer a figura do Presidente porque eles são todos obrigados a se unirem. Não interessa se o cidadão cubano gosta ou não de Fidel Castro e a situação é tão dramática que o problema é o de se unir em torno de quem está no comando. É verdade que sabemos que em Cuba basicamente quem está à frente de tudo isso são os exilados cubanos que, da Flórida ou de Miami, têm o poder de eleger parlamentares pelo voto distrital, têm força e ação e praticamente fazem um tremor com relação a esse reatamento. Esses cubanos que estão nos Estados Unidos e que praticamente são cidadãos americanos são os que venceram nos Estados Unidos da América. Eles têm jornais, rádios, televisão, são parlamentares, são pessoas que venceram naquele País. Não é possível que no ódio e no amargor do que aconteceu esse fato seja maior de que o amor que têm por sua pátria e pelos seus irmãos cubanos que estão pagando um preço muito caro por esse boicote. Para nós que somos cristãos é emocionante ver o que acontecerá amanhã. Estarei postado diante da televisão assistindo a um gesto simbólico da maior importância. De um lado, o Sr. Fidel Castro, um grande líder, um homem que tem sua posição na História, mas que tem seus erros e que reconheceu seu grande equívoco: criar uma nação sem Deus, sem fé, sem esperança, baseada apenas nas questões materiais. Em algumas dessas questões, ele obteve grande êxito, não há como deixar de reconhecer - V. Exª cita o combate ao analfabetismo e à mortalidade infantil -, mas não precisava tirar a expectativa, que o homem criado por Deus tem, de ter um sonho, da possibilidade de não morrer sua alma e seus sentimentos com seu corpo. De outro lado, o Papa, com a grandeza de ir a Cuba levar seu apoio moral e, com Sua Santidade, o apoio de todos nós, que desejamos ver Cuba integrada ao mundo, principalmente ao continente americano. O norte-americano é um povo que tem grande orgulho de seu País. Não nego que tenho uma ponta de inveja dos Estados Unidos, porque lá muitas coisas deram certo. Para conseguirmos petróleo, em águas profundas, levamos dezenas de anos e bilhões de dólares e eles, cavando um poço de água na Califórnia, encontraram petróleo. Para atravessarmos a serra geral, levamos muitos anos, porque saímos da zona do mar e encontrávamos a serra, eles só iam encontrar as montanhas rochosas no meio dos Estados Unidos. O Mississipi e o Missouri praticamente fizeram por todos os Estados Unidos aquilo que, onde pudemos, fizemos, que foi o Rio São Francisco. Mas, ao lado desse respeito que tenho pelos Estados Unidos, nesses últimos tempos eles já amargaram uma derrota, que foi lá no Vietnã. Entraram, ficaram, impuseram e foram derrotados. Primeira vez na história que os americanos perderam uma guerra foi no Vietnã. Que termine este século, terminando essa questiúncula. E seria um gesto americano de respeito pelo mundo se, após a visita do Papa, atendendo aquilo que todos estamos esperando... Diz bem V. Exª, o Papa nem converterá, nem fará a confissão do Fidel Castro, nem fará o endeusamento de Cuba, o Papa apenas falará com relação ao futuro da sociedade e ao futuro de Cuba e das nossas gentes, dos nossos povos, da América toda. Mas acho que ele fará um apelo no sentido de terminar o bloqueio. E que esse apelo que o Papa fará no sentido de terminar o bloqueio seja atendido pelo Governo e pelo Congresso americano. As informações que temos são de que o Presidente americano, se dependesse dele, há muito tempo já teria levantado o bloqueio. É o Congresso americano que não permite. Coisa interessante: o Congresso americano, muitas vezes, é muito mais conservador que o Presidente americano, principalmente quando o Presidente é do Partido Democrata. Lá nos Estados Unidos o que sentimos é isso, é o Senado americano numa situação de tentar ir até o fim, impedindo aquilo que é arredio. Por isso, acho que amanhã o Senado dará mais uma demonstração de solidariedade ao ato de terminar com o bloqueio. Esse gesto de V. Exª realmente é importante e significativo. Felicito-o pelo seu pronunciamento, pela mensagem redigida por V. Exª que dará ao Senado a oportunidade de decidir amanhã. De modo muito especial, comovo-me mais uma vez vendo essa figura já lendária do nosso querido Papa ir a Cuba e fazer um grande gesto, talvez um dos mais importantes desse final de milênio, a favor da paz, a favor do respeito, a favor da compreensão entre todos os povos, seja comunista, católico, cristão ou ateu. Temos de ter sentimento de respeito e de indignação diante da miséria, da fome, da injustiça. Devemo-nos dar as mãos, porque todos somos criaturas e temos direito de viver com dignidade. Meus cumprimentos, meu abraço muito profundo ao belíssimo pronunciamento e à belíssima iniciativa de V. Exª.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - V. Exª expressou com muita felicidade esse sentimento, Senador Pedro Simon, que, tenho certeza, é da maioria dos brasileiros, é da maioria dos povos que compõem os países das Américas.

Acho importante que hoje o Senado tenha se manifestado dessa maneira - e, certamente, confirmará essa atitude amanhã. Até o Senador Antonio Carlos Magalhães, quando soube que todos os Senadores presentes haviam assinado o requerimento, fez questão de também fazê-lo.

Devemos enviar o resultado desse requerimento e o apoio total dos Senadores à Embaixada dos Estados Unidos da América, para que possa o Embaixador fazer ver ao Congresso norte-americano e ao próprio Presidente Bill Clinton que esta expressão reflete o sentimento profundo dos brasileiros, que amam a liberdade, a democracia, que acreditam na liberdade de fé e na liberdade de imprensa.

A visita do Papa João Paulo II poderá como que expressar o sentimento que existe de comum entre aqueles que acreditam na construção do socialismo e aqueles que professam a democracia, entre os que acreditam nos ideais de José Martí e os que seguem os ideais de Thomas Jefferson, de Abraham Lincoln e de todos aqueles que, como Martin Luther King, disseram aos norte- americanos que se fazia necessário, além da liberdade e da democracia, também o sentimento de solidariedade - valores que, para os cubanos, são tão importantes.

V. Exª expôs seu pensamento de forma muito feliz. Não foi à toa que lhe telefonei pedindo que se juntasse a essa iniciativa, pois sei de seu sentimento.

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT-AP) - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Eduardo Suplicy?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Pois não, nobre Senador Sebastião Rocha, com muita honra.

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT-AP) - Prezado e eminente Senador Eduardo Suplicy, ouço com muito alegria, nesta tarde, o belo pronunciamento que V. Exª faz a respeito da visita do Papa João Paulo II a Cuba. No meu ponto de vista, o Papa promove, com sua visita a Cuba, um processo de globalização da fé - para utilizar uma palavra tão difundida pela mídia internacional ao se referir à globalização da economia. Vemos nesse Papa a capacidade de estender a sua palavra a todos os rincões, às nações do mundo inteiro. Esteve Sua Santidade recentemente no Brasil, onde banhou com sua fé todo o povo brasileiro. A ida do Papa a Cuba demonstra sua capacidade de compreender os problemas da humanidade e seu respeito pela autodeterminação dos povos, pelo direito que cada nação tem de decidir seus rumos, mantendo sua liberdade de pensar, de agir, de resolver seus problemas. E abre, sim, esse espaço tão necessário para o fim do bloqueio econômico dos Estados Unidos e dessa segregação mantida com relação a Cuba por parte da OEA. Portanto, aplaudo e apóio na íntegra o sua pronunciamento. Junto-me a V. Exª nos votos e na esperança de que a visita do Papa possa traduzir-se numa solução para o problema que o povo cubano enfrenta por ter decidido caminhar de acordo com sua própria vontade. É claro que o Papa, com sua visita, abre também espaço para que o povo cubano tenha acesso à religiosidade na fé católica, na fé cristã como um todo ou em qualquer outra vertente de religião. Quero aqui também fazer referência à coragem do Presidente Fidel Castro de expor Cuba ao mundo. Certamente, toda a imprensa mundial estará voltada para Cuba. V. Exª mencionou que 4.200 jornalistas estão viajando para Cuba, número esse que deve ser ampliado até amanhã. O mundo inteiro terá acesso não só à manifestação de apoio, de alegria do povo cubano mas também aos problemas que vive o povo cubano, pois, como bem disse o Senador Pedro Simon, o Presidente Fidel Castro conduz seu país com muito acerto, mas também com alguns erros, com alguns equívocos. Não tenho qualquer dúvida de que da mesma forma que S. S. fez no Brasil fará em Cuba, ou seja, pedirá a solução para alguns problemas. Não tenho qualquer dúvida sobre esse fato, tendo em vista a personalidade de S. S., sua fé e a fidelidade que possui a seus princípios éticos, morais e religiosos. Sua Santidade, certamente, irá solicitar ao Presidente de Cuba soluções para alguns problemas sociais que o povo desse país enfrenta. Acima de tudo, a presença do Papa contribuirá para acabar com o isolamento e a discriminação que o povo cubano sofre. Parabéns a V. Exª e minha solidariedade. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Bem se expressa V. Exª, Senador Sebastião Rocha, testemunha que foi de como S. S., o Papa João Paulo II, diz o que pensa e interage muito bem. Prepara-se bem antes de visitar cada país e coloca, muitas vezes, o dedo nas feridas, nas chagas sociais, como fez, por exemplo, quando visitou os países da Europa Oriental, o seu próprio País, a Polônia. E é interessante observar que o menino Wojtyla, depois Padre e mais tarde Cardeal - tendo conhecido a Polônia nos tempos da construção do socialismo e vivenciado os problemas de um regime sem liberdade - formou uma visão crítica. Pelo que sabemos de sua história, reiteradas vezes lembrada, inclusive quando veio ao Brasil, ele sempre teve consigo a preocupação da resolução dos problemas sociais: de como superar a desigualdade, de como erradicar a miséria. Isso permanece com ele. Ele foi crítico, sim, da forma ditatorial com que foi instituído o socialismo, mas nunca dos ideais de solidariedade, de justiça e de igualdade.

S. S. vai a Cuba com a postura de quem preza a democracia mas que tem feito continuamente críticas às formas selvagens que o capitalismo toma em tantos lugares do mundo. Acredito, tenho a convicção de que desse encontro, de um lado, aquele que sucede Jesus Cristo, o seu representante-mor, e de outro, uma das figuras que procura levar adiante...

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Sucede a quem?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - No sentido de Fidel ser uma das pessoas que procura...

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - O Papa sucede a Cristo, e Fidel representa...

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Fidel Castro pode ser considerado como um discípulo - sabe V. Ex.ª - daqueles que formularam a ciência do socialismo, do marxismo. Refiro-me ao próprio Karl Marx.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Desculpe-me, Senador. V. Ex.ª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Ouço V. Exª.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Creio que não se pode esquecer que os americanos de Cuba deram força total a um tal de Sr. Fugêncio Batista, que era uma das pessoas mais corruptas e imorais, um dos mais indecentes chefes de Estado da América Latina. Ele teve a cobertura total do Governo americano. Aliás, na América Latina, vários títeres e corruptos em governo tiveram cobertura total do Governo americano, assim como ditaduras fechadas e ferrenhas, como a do Chile, da Argentina, do Uruguai, e o Regime Militar no Brasil. Se o Governo americano fosse purista, haveria lógica no discurso que prega: “o nosso diálogo é com a democracia, com a liberdade, com a justiça; se elas não existem, não conte conosco”. Isso não é verdade. As páginas tristes que os americanos tiveram na América Latina e na América Central são dramáticas, cruéis. Pelo menos tem razão V. Exª: neste final de milênio, neste momento em que o Papa é recebido por Fidel Castro em Cuba, os americanos deveriam anunciar o término do bloqueio, considerá-lo uma página virada. V. Exª me desculpe, Senador Eduardo Suplicy.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - V. Exª tem razão.

A própria imagem que estamos vendo na Praça da Revolução em Cuba, com as figuras, como não se via desde 1959, de Jesus Cristo e de Ernesto Che Guevara, lado a lado, revela um encontro notável de personalidades da história da humanidade. De lá sairá algo certamente positivo.

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - V. Exª me permite um aparte, Senador Eduardo Suplicy?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Ouço V. Exª, Senador Ademir Andrade, com muita honra. Ainda há tempo para que V. Exª seja o 69º subscritor do requerimento.

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Eu o assinarei em seguida, com muito prazer.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Tenho certeza disso.

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Quero dizer que a expectativa que tenho em relação à visita do Papa a Cuba é a de que ela faça compreender aos comandos de outras nações do mundo a necessidade de integração, de respeito ao povo daquele país; que Cuba deixe de sofrer bloqueios, volte a fazer parte da Organização dos Estados Americanos e a ser tratada como uma nação digna. Por todo o mundo, espalha-se que Fidel Castro é um ditador, mas é impressionante a forma respeitosa como ele é recebido em todos os lugares a que chega.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - O Brasil é um exemplo disso.

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Exatamente, Senador Eduardo Suplicy. É impressionante o reconhecimento da imprensa do mundo inteiro, dos Chefes de Estado a Fidel Castro. No entanto, há essa verdadeira perseguição e hostilidade dos Estados Unidos com relação àquele país. Por quê? O Presidente Fidel Castro não é um Stalin; ao longo das suas quase três dezenas de governo, conseguiu formar a mentalidade do povo cubano, que é muito diferente da nossa e também do mundo capitalista. Ele conseguiu formar uma sociedade solidária, desprendida dos bens materiais; uma sociedade que, embora não seja muito apegada à religião, valoriza a existência do ser humano, a vida como algo passageiro e valoroso, que só será boa se formos bons, se compreendermos que vivemos num mundo de irmãos, de pessoas semelhantes, se percebermos que devemos tratar todos bem, dar oportunidade a todos. Fidel Castro conseguiu criar um povo solidário, cheio de amor, irmanado, que não é apegado à questão material, que não limita sua vida ao bem-estar da sua própria família, mas que vê mais longe. Nenhum socialista do mundo conseguiu isso; Fidel Castro foi o único que alcançou esse tipo de socialismo. Há dissidências e divergências; alguns não se conformam com essa situação. Trata-se daqueles que não conseguiram desprender de si o sentimento de egoísmo, de individualismo e só querem as coisas para si; que são gananciosos, usurários e se julgam melhores ou superiores aos outros. Realmente, esses não se conformam em viver numa sociedade como a de Cuba, mas não representam nem 5% da sua população, o que já é muito. De forma que, quando se diz que em Cuba existe ditadura, comete-se um grande erro, porque naquele país há eleições de dois em dois anos: as eleições distritais e aquelas que disputam lideranças de distritos. Os Delegados Distritais elegem os Deputados Estaduais, os quais escolhem os Deputados da Assembléia de Cuba. Há um processo de interação muito grande da sociedade; há os Conselhos de Rua. É uma sociedade extremamente organizada e solidária, por isso incomoda tanto os países capitalistas e as corporações internacionais, que querem criar um mundo com o comando absoluto dos que têm dinheiro e força; um mundo de pessoas que são apenas instrumentos de trabalho e de enriquecimento dessa minoria. Espero que esta visita do Papa faça com que se compreenda essa situação que se vive em Cuba, um país que tem de ser respeitado. Cuba, nas Olimpíadas, apresentou vitórias impressionantes, porque dá valor ao esporte, à cultura. Trata-se de um país extremamente avançado: 98% de sua população são alfabetizados; é um exemplo no que se refere à saúde - V. Exª falou que dez crianças em mil morrem, mas são nove crianças em mil; em seus manicômios há dois mil internos tratados como seres humanos por três mil funcionários; as suas prisões parecem indústrias, situação muito diferente da nossa. No Brasil, não se dá oportunidade ao presidiário de voltar a ser cidadão; ao contrário, as prisões o tornam mais bandidos do que antes. Portanto, Cuba é um país que tem muito a mostrar e a ser copiado; nesse aspecto, espero que a visita do Papa contribua. Fidel Castro merece todas as nossas homenagens como um grande líder, um grande cidadão, um homem que, sem dúvida, ficará para a História não só de Cuba, mas do Planeta Terra. Ele é conhecido em todo o mundo - e sempre o será - como um bom exemplo, um homem que fez o bem e o desejou a todas as pessoas. Portanto, congratulo-me com V. Exª. Assinarei, com muito prazer, o requerimento de V. Exª, Senador. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Muito obrigado, Senador Ademir Andrade. O requerimento deve, acredito, estar sendo discutido, neste instante, na Comissão de Relações Exteriores. Providenciarei para que V. Exª o receba e possa assiná-lo. As considerações de V. Exª são importantes porque teve V. Exª a oportunidade de conhecer Cuba, falou como alguém que ali esteve, vivenciou e pôde visitar prisões, manicômios e escolas para transmitir seu testemunho.

Acredito, Senador Ademir Andrade, que possa Cuba avançar ainda mais em relação à democracia, à liberdade, inclusive à liberdade de imprensa, que é um dos temas que o episcopado colocará na pauta de discussões entre o Papa João Paulo II e o Presidente Fidel Castro e o povo cubano. A Igreja reivindica maior liberdade para transmitir seu ponto de vista para toda a sociedade, até para transmitir as cerimônias religiosas em praças públicas, como se permitiu agora, por ocasião da visita de João Paulo II a Cuba, e assim por diante.

Esperamos, Sr. Presidente, que essa visita de João Paulo II e as ações que vier a desencadear contribuam para que Cuba possa ter condições de pleno desenvolvimento econômico, social e político, com amplo avanço no que diz respeito à democracia e às garantias de direitos fundamentais da pessoa humana para todos os cubanos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/01/1998 - Página 999