Discurso no Senado Federal

ALERTA PARA AS CONSEQUENCIAS DO DESMATAMENTO NA AMAZONIA. ATRASO NA PUBLICAÇÃO DOS DADOS SOBRE O DESMATAMENTO NA AMAZONIA PELO GOVERNO FEDERAL, DIFICULTANDO O TRABALHO DAS ORGANIZAÇÕES DE MEIO AMBIENTE, NO SENTIDO DE EVITAR PROBLEMAS MAIORES.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • ALERTA PARA AS CONSEQUENCIAS DO DESMATAMENTO NA AMAZONIA. ATRASO NA PUBLICAÇÃO DOS DADOS SOBRE O DESMATAMENTO NA AMAZONIA PELO GOVERNO FEDERAL, DIFICULTANDO O TRABALHO DAS ORGANIZAÇÕES DE MEIO AMBIENTE, NO SENTIDO DE EVITAR PROBLEMAS MAIORES.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 24/01/1998 - Página 1249
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ATRASO, INSTITUTO DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE), DIVULGAÇÃO, DADOS, INDICE, DESMATAMENTO, FLORESTA AMAZONICA, REGIÃO AMAZONICA, BRASIL.
  • DEFESA, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, REGIÃO AMAZONICA, FINANCIAMENTO, ATIVIDADE ECONOMICA, PRODUÇÃO, SIMULTANEIDADE, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, FLORESTA AMAZONICA.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, estava ouvindo atentamente o pronunciamento do Senador Artur da Távola, e a ênfase que S. Exª dava à democracia nos faz agradecer a Deus o Brasil ter conseguido reconquistar a sua democracia depois de tantos anos de ditadura. Exatamente porque, na democracia, é possível a transparência; na democracia, é possível a interação entre os governantes e a sociedade, que, em última instância, é quem deve avaliar aquilo que está sendo praticado por seus governantes.

Exatamente neste momento o Brasil vive uma grande expectativa em relação à sua democracia - as ONGs, a comunidade científica e as pessoas de um modo geral que têm preocupações com a preservação do meio ambiente e particularmente do ecossistema mais rico deste País, que é a Floresta Amazônica. Durante o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, os dados referentes ao desmatamento na Amazônia, que deveriam ser publicados pelo Inpe não o foram no tempo devido. Lamentavelmente, essas informações, tão importantes para que se tomem medidas enérgicas em relação a esse grave problema, estão sendo publicadas de forma atrasada na segunda-feira que vem, em São José dos Campos. Ali estarei presente para acompanhar a divulgação desses dados e espero, embora não queira ter ilusões, que a realidade não seja tão drástica como as que irei citar. Total de desmatamento por quilômetros quadrados durante Governo Collor era de 12.062; no Governo Itamar, esse índice sobe para 14.896 e no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, muito embora seja uma democracia, muito embora tenhamos as ONGs e a comunidade internacional atentas a essa problemática e a comunidade científica clamando por esses dados, tardiamente estão sendo publicados, mas que sejam bem-vindos, que o trabalho dos nossos cientistas, que o trabalho daqueles com meios para avaliar o dano causado pelas queimadas de desflorestamento da nossa camada vegetal na Amazônia, seja analisado democraticamente pela sociedade, que não se faça um discurso de que vamos fazer e acontecer apenas para diminuir o provável impacto no plano nacional e internacional, mas que a sociedade seja instada a dar a sua opinião.

Modesta e humildemente, se tiver algo a oferecer como sugestão, estarei de coração aberto para dizer aquilo que penso em relação às ações que devam ser tomadas para pormos um fim a essa chaga perversa ao meio ambiente brasileiro. Com certeza aguardo que, pelo bem da nossa democracia, pela preservação do nosso meio ambiente, os dados publicados contem com a participação da sociedade tanto na sua análise, quanto na apresentação de sugestão.

Quando acontecem determinados fatos negativos, se acena com certas medidas muitas vezes meramente discursivas para diminuir o impacto. Nesse caso, não bastam medidas discursivas, não basta jogar para a platéia. É preciso fundamentalmente que se tomem medidas corretas, adequadas e com a participação da sociedade. Muitas alternativas já foram construídas para que o desmatamento não continue a ocorrer na Amazônia, conforme dados publicados ontem na Folha de S.Paulo. O Governo acabou sendo o algoz de si mesmo, porque os projetos de colonização muito colaboraram com o desmatamento. Os financiamentos da Sudam, da Agência de Desenvolvimento da Amazônia patrocinaram o desmatamento no sul do Pará e em várias regiões da Amazônia. É claro que isso não ocorreu à época do Presidente Fernando Henrique Cardoso, justiça seja feita. Aconteceu no decorrer da história do “desenvolvimento” da Amazônia.

Mas, neste momento, espera-se da nossa democracia e dos nossos governantes uma discussão à altura dos problemas que precisamos enfrentar. As experiências positivas que temos na Amazônia, inclusive muitas delas assimiladas pelo Governo, como o Programa Amazônia Solidária criado pelo Governo, precisam de recursos no orçamento para serem desenvolvidos. É fundamental, portanto, que comecem a acontecer devidamente para que os dados que teremos possam ser enfrentados à altura, não apenas na conseqüência, mas na causa, reorientando o processo produtivo na Amazônia, fazendo com que as Agências de Desenvolvimento da Amazônia financiem as atividades produtivas adequadas ao meio ambiente e não exatamente aquelas contrárias a sua preservação.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Permite V. Exª um aparte?

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Concedo o aparte a V. Exª com muito prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senadora Marina Silva, primeiramente, quero louvar a sua permanente preocupação com a Amazônia e perguntar um pouco mais a respeito desses dados de desmatamento da Amazônia. V. Exª menciona que, durante o período Collor, foram desmatados cerca de 12 mil quilômetros quadrados por ano e, durante o Governo Itamar Franco, 14.896 quilômetros quadrados por ano, e anuncia que, na segunda-feira, o Presidente Fernando Henrique divulgará quanto tem sido, em média, o desmatamento, em quilômetros quadrados por ano, nos três primeiros anos do seu Governo. A primeira pergunta que formulo é a seguinte: na percepção de V. Exª, conhecedora que é do Acre e de toda a região amazônica, não só pelos dados que têm agora sido divulgados, mas também pelo seu conhecimento in loco, V. Exª acredita que tem havido uma aceleração do desmatamento? A segunda pergunta é: no que diz respeito a essas áreas onde ocorreu desmatamento, que cuidados houve para a recuperação das florestas? Ou seja, às vezes, o desmatamento se dá de uma maneira irrecuperável e até por aquilo que vem em lugar da floresta; em outras ocasiões, a floresta é capaz de retornar, de reflorescer, de recuperar-se, senão com aquela força original, de outras formas e, obviamente, com a possibilidade, ainda mais quando próxima a uma região florestal, de gradativamente voltar a ser uma floresta. Levarão muitos anos para que ela volte a ser como era, mas isso talvez seja possível. Então, pergunto a V. Exª, conhecedora que é da floresta amazônica: qual é a previsão de V. Exª sobre esses dados, mesmo sem o conhecimento até agora do que os radares e a nova forma de fotografia aérea, inclusive pelos satélites, poderiam transmitir? Avalio até que seja por isso que a descoberta desse desmatamento se dará em São José dos Campos, onde estão os instrumentos de recepção das informações dadas pelos satélites. Mas, na opinião de V. Exª, o que será divulgado pelo Governo em relação à matéria?

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Primeiro, com relação à minha expectativa, se aumentou ou não o índice de desmatamento na Amazônia. Do ponto de vista da minha preocupação, é claro que eu gostaria imensamente que não houvesse aumento. Lamentavelmente, segundo dados que estão sendo levantados por algumas entidades, por algumas ONGs - inclusive a WWF tem estudos que o apresentam -, houve um aumento do desmatamento da floresta amazônica durante esses anos, e isso não foi divulgado. Estamos na expectativa em relação aos dados oficiais, até para que tenhamos uma posição correta sobre a dimensão do que vem acontecendo na floresta. O próprio Deputado Gilney Viana também tem apresentado dados à imprensa que dão conta desse aumento do índice de desmatamento na Amazônia.

No Estado do Amazonas não havia essa incidência tão forte de queimadas. Porém, este ano, o Amazonas sofreu os mesmos problemas que o meu Estado e o Estado de Rondônia, do Senador José Bianco, sofrem, ou seja, durante o período do verão, como chamamos, os aviões não têm condições de aterrissar nos aeroportos, em função da grande quantidade de fumaça que os encobre. Levando em conta só esse fato, em um Estado da dimensão do Amazonas, já podemos avaliar o quanto isso pode significar em relação ao aumento do índice da derrubada na Amazônia. Digo a V. Exª que é possível que haja dados negativos em relação a esse processo.

Quanto ao que está sendo feito em termos de reflorestamento, essa é uma pergunta bastante difícil de ser respondida, no sentido de que: primeiro, na Amazônia, falar-se em reflorestamento é muito difícil, porque a cobertura vegetal não tem como se recompor da sua forma natural pelo processo de reflorestamento. O que se pode fazer é enriquecer aquela área com algumas espécies raras de madeiras nobres, mas, mesmo assim, o ecossistema continuará inteiramente prejudicado. Em uma área em que houve derrubada, a retirada da cobertura natural vegetal, temos ali, na grande maioria das vezes, a incidência de uma única espécie, como no caso da imbaúba. Quem sobrevoa a região amazônica e conhece o local, quando vê uma clareira, sabe que ali só há uma única espécie vegetal, que, na maioria das vezes, é a imbaúba. A imbaúba não tem como desenvolver uma variedade de espécies de animais, insetos, pássaros, enfim, do que o ecossistema natural é capaz de assegurar à sua sobrevivência. Além do mais, do ponto de vista da biodiversidade e dos recursos naturais, há um empobrecimento muito grande.

Alguns cientistas dizem que a floresta amazônica é senil, porque se alimenta de si mesma; com a derrubada dos seus galhos, com o apodrecimento das suas folhas e com a morte dos animais, fertiliza mais ou menos 30cm da terra e, com isso, recebe o próprio alimento. Tanto que a maioria das raízes da floresta amazônica são horizontais. Não existem raízes profundas exatamente porque elas não têm o que tirar da profundidade, mas sim o que captar, em termos de nutrientes, a partir de 30cm, no máximo, que é o que ela produz. Isso demonstra o quanto o adubo dos galhos que caem é orgânico, como mencionei.

Ao ser retirada essa cobertura vegetal em uma grande quantidade, as chuvas carregam esses nutrientes para o leito dos rios e, nesse caso, temos um solo extremamente empobrecido, onde só há espaço para a embaúba, o sapé e outras espécies de menos valor em termos de ecossistema. Até hoje não sabemos como recuperar a floresta, como disse, em função desses problemas.

Os programas de reflorestamento existem; há preocupação nesse sentido por parte do Ministério do Meio Ambiente; há alguns programas que são levados a cabo, e muitos deles sequer são implementados como deveriam, porque, muitas vezes, os recursos são tomados mediante os programas que o Governo oferece, mas o trabalho efetivo, na hora de ser encaminhado, não é feito como está no papel ou como é apresentado para as autoridades governamentais. Temos problemas de fiscalização e controle; temos problemas de acompanhamento e, em função disso, esses programas não têm a eficácia que deveriam ter, pelo menos em relação àquilo que é possível fazer. Na maioria das vezes, temos muitas dúvidas em relação a essas propostas de tirar da floresta para depois recuperá-la, em termos de programa de reflorestamento.

Sr. Presidente, Senador Eduardo Suplicy, Srs. Senadores, eu gostaria de dizer que a expectativa que temos em relação aos dados que serão apresentados para o Brasil e para o mundo sobre o desmatamento na Amazônia, durante o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, é no sentido de que haja um tratamento também adequado para o problema que vamos enfrentar, que é o da discussão com os setores interessados em debater a questão. Que o Governo não adote medidas para diminuir o impacto da informação, mas que busque efetivamente, sinceramente resolver ou ajudar a resolver o problema. Eu estaria sendo irresponsável se dissesse que o tempo que resta ao Presidente Fernando Henrique é o suficiente para resolver a questão; não, mas ele pode dar um grande passo nesse sentido.

Em relação à Amazônia, evoco o pensamento do meu Santo predileto, São Francisco de Assis: “Não adianta caminhar para pregar, a menos que a nossa caminhada seja a nossa pregação”. É isso o que precisa ser feito na Amazônia. Ao invés de apenas falarmos, devemos ajustar as nossas palavras ao que fazemos efetivamente, para que os resultados comecem a aparecer.

As atividades que hoje fazem parte dos programas do próprio Ministério do Meio Ambiente, da Secretaria da Amazônia Legal e de todos os órgãos do Governo, que apontam para a idéia do desenvolvimento sustentável na Amazônia, devem ser encaminhadas numa parceria com os governos locais para que sejam efetivamente capazes de frear o processo de devastação que hoje ocorre naquela região.

Quando falo em envolvimento dos governos locais é porque o Governo Federal tem que saber claramente que ele aponta um rumo, mas a maior oposição que ele sofre dentro da Amazônia vem da sua própria base de sustentação, que identifica as ações de desenvolvimento sustentável, que identifica as ações de preocupação em compatibilizar crescimento econômico e preservação do meio ambiente como algo que fosse contrário aos interesses da região. Ao contrário, essas ações são a salvação da nossa região. Todos sabem que não temos como competir com o Sudeste e o Sul do País em termos de produção de grãos, mas podemos fazê-lo na produção de frutas exóticas. Não sei se os Estados do Mato Grosso, Bahia, São Paulo e Minas Gerais podem produzir o nosso abil, o nosso bacuri, o nosso jatobá, e outras frutas tais como a pupunha - essa, aliás, já está sendo produzida em outros Estados. A Amazônia não tem utilizado o seu potencial de produção de frutas exóticas, o que poderia viabilizar economica e socialmente a região, sem que seja preciso devastar a sua floresta.

Recebi muito carinhosamente da Drª Maria Amélia Sazaki, do Programa Comunidade Solidária, uma lembrança de natal: um colar feito com marfim vegetal, extraído de uma planta da Amazônia, que chamamos de jarina. Trata-se de um belíssimo marfim semelhante ao da presa do elefante. Eu inclusive disse a Drª. Maria Amélia Sazaki que precisava do certificado desse colar, para que as pessoas não pensassem que eu estava usando um colar de presa de elefante. Esse material é hoje o quarto produto de exportação do Equador para a Itália. Os italianos compram botões, colares, brincos. Temos isso em abundância em várias regiões da Amazônia, mas não somos capazes de utilizar esse nosso potencial, que geraria empregos e conseguiria processar a nossa matéria-prima. O Governo dispensa em incentivos fiscais quase R$5 bilhões para a Zona Franca de Manaus, que não processa e não utiliza a matéria-prima local. Com um pouco mais de inteligência e recursos, poderíamos incentivar atividades produtivas no campo da agroindústria, processando nossa matéria-prima, incorporando mão-de-obra local, gerando empregos e tributos para que os nossos Governadores possam tornar-se independentes da política do pires na mão e de estarem sempre em Brasília, pedindo ao Governo Federal recursos para implementação dos seus mais diferentes programas na área social.

            Se conseguirmos, na Amazônia, viver com recursos próprios e preservar a natureza, estaremos dando as respostas adequadas ao grande problema do devastamento e de derrubada das nossas florestas. São inúmeras as possibilidades, são grandes os desafios. Precisamos de recursos, mão-de-obra qualificada, investimento em pesquisa. Temos várias instituições de pesquisa como o Inpi, como a Universidade de Brasília, como o Museu Goeldi, como as Universidades do Amazonas e do Pará, e outras. O Governo precisa, de forma sincera, democrática e solidária, sentar-se com esses segmentos e traçar uma política que não seja apenas para diminuir o impacto de algumas tragédias. No Brasil, vivemos de diminuir impacto: assassina-se Chico Mendes, a seguir criam-se as reservas extrativistas; acontece a chacina dos Ianomâmis, toma-se outra medida; há a chacina em Corumbiara, depois cria-se o Ministério Extraordinário da Política Fundiária. É preciso que se pare de agir somente para diminuir o impacto das desgraças e se comece a criar atividades que as evitem. Sinceramente é isso que espero do sociólogo e Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando examinar os dados. Estarei lá, humildemente. Vou acompanhar e, em nenhum momento, me negarei a buscar soluções. Acredito que a sociedade brasileira, a comunidade científica e as ONGs também não o farão. Todos estaremos prontos a oferecer sugestões para que possamos enfrentar, do ponto de vista das estruturas, e não apenas das aparências, o problema da preservação da Floresta Amazônica.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/01/1998 - Página 1249