Discurso no Senado Federal

PERFIL DO UNIVERSITARIO BRASILEIRO REVELADO PELO EXAME NACIONAL DE CURSOS, O 'PROVÃO'.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • PERFIL DO UNIVERSITARIO BRASILEIRO REVELADO PELO EXAME NACIONAL DE CURSOS, O 'PROVÃO'.
Publicação
Publicação no DSF de 27/01/1998 - Página 1306
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CARACTERIZAÇÃO, ESTUDANTE, UNIVERSIDADE, POSTERIORIDADE, REALIZAÇÃO, EXAME, AMBITO NACIONAL, PROMOÇÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), RESULTADO, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, ESTRUTURA UNIVERSITARIA, BRASIL, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO SUPERIOR.

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o perfil do universitário brasileiro, revelado pelo “provão”, indica a urgência de se reestruturar o ensino superior. Os questionários da pesquisa mostraram que o perfil elitista predomina. Esse quadro, Srªs. e Srs. Senadores - que não é nenhuma novidade -, denuncia o quanto a universidade não está sendo o veículo de democratização do conhecimento que deveria ser.

O “provão”, como ficou conhecido o Exame Nacional de Cursos, foi aplicado, no final de 1997, a graduandos de Direito, Administração, Odontologia, Medicina Veterinária, Engenharia Civil e Engenharia Química, atingindo pouco mais de 85 mil candidatos, ou seja, em torno de 5% dos estudantes universitários brasileiros.

O “provão” tem como objetivos avaliar as instituições de ensino, melhorar a formação dos estudantes e subsidiar a adoção de novos parâmetros para o processo de ensino-aprendizagem. Quanto aos alunos, o objetivo era não só medir os conhecimentos específicos, mas também sondar o que poderíamos chamar de “índice de pé-no-chão”, ou seja, identificar o quanto os formandos levam em conta o contexto social em que atuam. Assim, ao lado das provas, foram aplicados questionários que visavam traçar um perfil dos estudantes para identificar desde a composição de gênero até a avaliação dos cursos e professores.

Da composição do grupo, constatou-se que a presença de mulheres é bastante acentuada em cursos como o de Odontologia, onde representam mais de 60%; em Direito e Medicina Veterinária, elas são a metade; em Engenharia Química, constituem dois quintos do conjunto. Com certeza, esse é um dado muito animador numa sociedade como a nossa que, historicamente, discriminou as mulheres nos campos educacional e profissional. É bastante animador saber que esse traço sexista está desaparecendo e fico feliz por ser a universidade brasileira um veículo desse resgate. Dos cursos analisados, só há predominância de homens no curso de Engenharia Civil, em que os mancebos constituem dois terços do quadro; mas, pelo ritmo que as mulheres tomaram conta de outros cursos, essa proporção deve mudar em breve.

Quanto à idade dos alunos, há uma concentração entre os 22 e os 26 anos, o que indica o prosseguimento nos estudos daqueles que concluem o segundo grau. Mesmo assim, nos cursos de Administração, Direito e Engenharia Civil, encontramos um quinto dos estudantes na faixa dos 27 a 31 anos.

No item renda familiar aparece o aspecto mais sombrio do ensino superior: a elitização. Observem, Srªs. e Srs. Senadores, que, num País onde o salário mínimo é de R$120,00 e uma parcela considerável da população se encontra na linha da miséria, o ensino deveria ser uma porta para a melhoria da situação econômica das famílias. No entanto, encontram-se na faculdade, predominantemente, pessoas oriundas de famílias que já dispõem de um melhor patamar de renda. As famílias de um terço dos alunos pesquisados se encontram na faixa de renda entre R$2,400 mil e R$6 mil. Outro terço está na faixa imediatamente abaixo, que vai de R$1,201 mil a R$2,400 mil. Vejam, Srªs. e Srs. Senadores, que, de cada 100 alunos, menos de cinco pertencem a famílias que ganham até três salários mínimos.

Tal perfil não é mais do que um sintoma de uma seleção que começou bem antes, como se pode ver pelas escolas de onde vieram esses alunos. Os de Odontologia fizeram o segundo grau predominantemente em escolas privadas, o que equivale a aproximadamente 75%. Os de Química, Medicina Veterinária e Engenharia Civil têm origem escolar semelhante. Apenas entre os graduandos de Administração encontramos 40% que cursaram todo o secundário na rede pública.

Os estudantes de Administração, por sinal, servem para avaliar o que parece ser uma tendência que foge ao padrão convencional de universitário: concentra-se nessa área a maioria dos estudantes que trabalham em período integral; 80% dos alunos desse curso estudam no turno da noite; percentual semelhante estuda em estabelecimentos particulares, custeando do próprio bolso o estudo.

Analisando o conjunto, confirma-se o perfil elitista de nosso ensino universitário, em que alunos que podem ser sustentados pela família ingressam mais cedo na universidade e estão, preferencialmente, em instituições públicas, como é o caso dos formandos em Engenharia Civil (50%), Engenharia Química (71,6%) e Medicina Veterinária (72%). Aparentemente, os estudantes de Odontologia fugiriam a esse quadro, pois estão majoritariamente (55%) em escolas particulares. Mas eles são, ao mesmo tempo, oriundos das famílias de melhor renda (67%), com ganhos acima de R$2,400 mil; são os que menos trabalham (68%) e os que mais estudaram em escolas privadas. Não é mera coincidência, pois, o fato de as faculdades particulares de Odontologia serem as que têm os custos mais elevados.

Mesmo confirmando o perfil de elitização econômica, há um aspecto que considero positivo do ponto de vista da evolução do perfil educacional da população brasileira: mais da metade dos pais e perto de dois terços das mães dos alunos pesquisados cursaram, no máximo, o segundo grau.

A família é, como se pode ver pelos dados anteriores, um ponto central na vida dos universitários. Em sua maioria, os estudantes moram com os pais; mesmo quando moram com amigos -- um terço dos de Veterinária e de Odontologia --, dependem financeiramente da família, porque estão no grupo dos que menos trabalham. Outro dado que confirma essa tendência é o pouco acesso às bolsas de estudo, visto que menos de um terço dos pesquisados recorre a elas; se confrontarmos isso com o alto índice de estudantes em instituições particulares, observamos um financiamento muito alto por parte das famílias.

O acesso à tecnologia da informática em casa parece razoavelmente disseminado. Entretanto, no ambiente universitário, um considerável número opina que os computadores são insuficientes ou que os horários de utilização não são adequados. Estudantes de Direito e de Odontologia são os que, em maior proporção, consideram os microcomputadores desnecessários no curso; de qualquer forma, para mais da metade dos alunos desses cursos os computadores não estão disponíveis ou são insuficientes. Creio que esses dados indicam que toda a potencialidade da informática ainda não está sendo aproveitada no ambiente acadêmico, o que é uma pena.

Preocupa-me a pobreza dos interesses extra-acadêmicos dos estudantes pesquisados. Os resultados indicam que poucos lêem jornais ou livros não escolares; da mesma forma, apenas entre um terço e a metade costumam freqüentar as bibliotecas. Parece-me ser necessário fazer algo a esse respeito, pois, do contrário, teremos profissionais muito limitados.

Os alunos parecem ter um senso crítico bastante desenvolvido para o ambiente de estudo. Para a grande maioria deles, com exceção dos estudantes de Administração, as aulas práticas são oferecidas adequadamente; apenas para uma minoria não foi oferecido estágio supervisionado. Mas, nos casos de Odontologia, Veterinária e Química, foram oferecidos estágios com mais de 400 horas de duração. Ainda é muito pequena a parcela de alunos que desenvolvem atividades acadêmicas não obrigatórias, com exceção dos alunos de Odontologia - um terço, que trabalharam como monitores. As bibliotecas até que gozam de um bom conceito, sendo considerados adequados os serviços de pesquisa, empréstimo e horário de funcionamento; mas, por outro lado, o acervo não é atualizado.

As críticas concentram-se bastante na estrutura dos cursos. Para um número considerável de formandos, as disciplinas são mal dimensionadas, algumas devem ser eliminadas e outras, criadas; até mesmo o conteúdo de algumas deve ser modificado. Parece-me ser esse um bom indicador para se reestudar os currículos desses cursos. Já quanto à avaliação dos docentes, os alunos não são tão unânimes. Se, por um lado, os mestres não são muito rigorosos na apresentação de planos de ensino, por outro lado, mostram empenho, assiduidade e pontualidade.

Quanto às perspectivas, os estudantes de Odontologia, Veterinária e Engenharia Civil são os que mais se aproveitam dos cursos para aperfeiçoamento profissional. São também esses alunos que mais desejam ter negócio próprio quando terminarem o curso.

Para os outros grupos de estudantes, a contribuição do curso superior é diversificada: para alguns, serve apenas para obtenção de um diploma; para outros, constitui meio de incrementar a cultura ou de obter melhor formação teórica. Mas os estudantes se ressentem de seus cursos, pois, para parcela considerável dos formandos, as faculdades não foram suficientemente exigentes, o que indica a necessidade de revisão de procedimentos por parte das instituições.

Como vêem, Srªs. e Srs. Senadores, esse diagnóstico é muito rico, e espero que o Ministério da Educação, as instituições avaliadas e os representantes dos alunos possam tirar bastante proveito disso para melhorar nosso ensino.

Como diz o ditado, “o pior cego é o que não quer ver”. Felizmente, a realização do Exame Nacional de Cursos, o “provão”, indica que a sociedade quer ver, analisar e modificar o perfil de nosso ensino universitário. Só espero que as mudanças reclamadas não demorem muito a acontecer, pois o nosso País tem urgência em desenvolver a ciência, a tecnologia e as artes.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/01/1998 - Página 1306