Discurso no Senado Federal

ANALISE DAS ORIGENS DO CONSISTENTE ATRASO ECONOMICO BRASILEIRO, DESTACANDO A ESTAGNAÇÃO DO PIB DURANTE O SECULO PASSADO. DEFESA DO CRESCIMENTO ECONOMICO COMO CONDIÇÃO PARA RESOLVER NOSSOS PROBLEMAS SOCIAIS.

Autor
José Serra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: José Serra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ANALISE DAS ORIGENS DO CONSISTENTE ATRASO ECONOMICO BRASILEIRO, DESTACANDO A ESTAGNAÇÃO DO PIB DURANTE O SECULO PASSADO. DEFESA DO CRESCIMENTO ECONOMICO COMO CONDIÇÃO PARA RESOLVER NOSSOS PROBLEMAS SOCIAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 28/01/1998 - Página 1423
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, SUBDESENVOLVIMENTO, BRASIL, DESIGUALDADE REGIONAL, COMENTARIO, REDUÇÃO, CRESCIMENTO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), MOTIVO, INFLAÇÃO.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, EXCESSO, VALORIZAÇÃO, CAMBIO, AUMENTO, TAXAS, JUROS, OBSTACULO, CRESCIMENTO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB).
  • NECESSIDADE, AJUSTE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, OBJETIVO, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.

O SR. JOSÉ SERRA (PSDB-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em economia, tamanho costuma ser documento, mas, infelizmente, para o Brasil, tamanho não é tudo. A economia brasileira situa-se como a décima economia do mundo. No entanto, o nosso Produto Interno Bruto por habitante é o quadragésimo sexto

Por isso mesmo, Sr. Presidente, o Brasil é sócio fundador e emérito do clube dos países subdesenvolvidos ou países em desenvolvimento, países atrasados, países retardatários e países menos desenvolvidos, ou países emergentes, segundo o gosto e a época de que estejamos tratando.

Qual a origem do atraso brasileiro? Há muitas controvérsias a esse respeito, mas uma coisa é inegável: o atraso brasileiro foi gerado durante o século passado. Entre 1800 e 1913, segundo estimativas, naturalmente muito aproximadas, o Produto Interno Bruto brasileiro por habitante permaneceu o mesmo, ou seja, durante mais de um século o Brasil ficou estacionado. No mesmo período, os Estados Unidos aumentaram sua renda por habitante em cerca de seis vezes. No começo do século XIX, o Brasil e os Estados Unidos, por incrível que pareça, tinham aproximadamente o mesmo produto por habitante. Um século e treze anos depois, a distância entre Estados Unidos e Brasil era de seis a sete vezes. Foi exatamente nesse período, mais particularmente no período do Império, que se gerou o atraso brasileiro no contexto mundial e no nosso próprio contexto, olhando em termos absolutos nossa realidade. Digo do Império, porque no começo do século XX o Brasil começou a crescer, e o crescimento, embora modesto, foi mais significativo.

Sr. Presidente, também é interessante observar que essa estagnação no século passado não se distribuiu igualmente por todo o Brasil. Grande parte dela decorreu do atraso relativo de uma região: o Nordeste brasileiro.

Alguns historiadores econômicos estimaram que a renda por habitante no Nordeste caiu em cerca de 30% entre a Independência e as vésperas da Primeira Guerra Mundial. Portanto, dentro do nosso País, a estagnação foi um resultado perverso do ponto de vista regional.

Se me perguntassem qual o foco, a origem do atraso relativo do Nordeste dentro do Brasil, eu mencionaria o século XIX. Nesse periodo, o Nordeste sofreu uma violenta regressão do seu setor exportador, que consistia basicamente de algodão e de cana-de-açúcar. Em 1822, 49% das exportações brasileiras eram de açúcar e algodão. Em 1913, isso tinha sido reduzido para 3%, e o Nordeste perdeu o seu dinamismo econômico.

Houve um fenômeno interessante, qual seja, a expansão dinâmica de café favoreceu, também, uma certa apreciação da moeda brasileira, circunstância que prejudicou os outros setores exportadores, particularmente do Nordeste. Além do que a região perdeu uma parte da sua força de trabalho escravo na época, que foi trazida para o sul antes da imigração externa para a lavoura de café.

De toda maneira, Sr. Presidente, não é minha pretensão aqui analisar a dinâmica do crescimento da renda brasileira por regiões no século passado. A ênfase, no caso, é para o conjunto da nossa economia.

No século XX, o Brasil teve uma performance econômica brilhante. A economia brasileira, de 1900 a 1980, foi a que mais cresceu no mundo, incluídas todas as economias consideradas mais dinâmicas, como a alemã, a japonesa. Inclusive se descontamos o crescimento demográfico, muito alto no caso brasileiro, continuamos na linha de frente. Apenas o Japão, entre 1900 e 1980, superou o Brasil em matéria de crescimento do produto por habitante.

Por tudo, apontar o equívoco de alguns economistas norte-americanos da moda, como é o caso dos professores Paul Krugman* e Lester Thurow*, ambos do MIT*, que, em análises diferentes, afirmam que o brilhante desempenho econômico brasileiro nos anos 60 e 70 foi uma anomalia na nossa história econômica e que estão equivocados: o declínio econômico, posterior a 1980, neste século é que representou uma anomalia. De fato tínhamos uma economia que, durante quase todo o século, apresentou o desempenho mais dinâmico do mundo.

O problema agora é evitarmos que essa contração se prolongue por muito mais tempo. Posso até fazer um exercício masoquista: se o Brasil tivesse crescido, a partir de 1981, no ritmo que cresceu no período do após-guerra, até 1980, o nosso Produto Interno Bruto hoje seria cerca de US$340 bilhões mais alto. Estaríamos produzindo, para que se tenha uma idéia, o PIB argentino a mais. E nossa renda por habitante seria US$2 mil mais alta do que atualmente.

Qual foi o principal fator dessa inflexão, desse declínio? Na minha opinião, foi um fator que hoje felizmente está ausente: a inflação. Na verdade, a superinflação que vivemos a partir do começo dos anos 80 condensou um conjunto de problemas econômicos, sociais e políticos: a crise externa, a abertura política da forma como ocorreu, orientação e erros de política econômica. Mas o principal fator dessa inflexão foi, sem a menor dúvida, a superinflação.

Eliminar a superinflação foi uma conquista extraordinária. Aliás, foi por essa razão que a partir de 1993-1994 a economia retomou uma trajetória de crescimento, trajetória essa, no entanto, situação bem abaixo da nossa média histórica.

Vou acrescentar, Sr. Presidente, números que demostram a situação com clareza. Entre 1980 e 1989, o PIB por habitante cresceu apenas 0,96% ao ano. E entre 1990 e 1998 - supondo que a taxa de crescimento de 1998 seja de 3%, que é otimista - cerca de 0,63%. Para que se tenha uma idéia, entre 1970 e 1979, o crescimento foi de 6% per capita ao ano; e, entre 1960 e 1969, foi de 3,1%. 

Estas duas décadas, a passada e a atual, foram as piores deste século, de maneira disparada.

Qual é o problema agora, que não temos a superinflação? O freio desta vez vem do setor externo, do câmbio sobrevalorizado, que há mais de três anos vem impondo juros elevadíssimos como condição para o financiamento do déficit crescente em conta corrente, do balanço de pagamentos e, assim, pressionando tanto o déficit público para cima, pela conta de juros, quanto os investimentos e os investimentos para baixo. A taxa de juros tem efeito depressivo sobre o investimento privado. E o aumento dos gastos públicos com juros comprime o investimento público. Além disso, essa situação ampliou nossa vulnerabilidade a eventuais transtornos da economia internacional.

A sobrevalorização foi um erro gerado pelo ímpeto, natural, de afirmação do Plano Real, no segundo semestre de 1994, pela relativa confusão na política econômica advinda das eleições nesse período e pela súbita troca, de Ministro da Fazenda em setembro, bem como pela hesitação do atual Governo em corrigir o erro anterior, quando o risco e o custo dessa correção ainda eram pequenos.

Nos dias atuais, Sr. Presidente, no entanto, o custo e o risco seriam excessivamente. Promover uma maxidesvalorização agora, em minha opinião, seria cometer um erro ao quadrado. Não há no contexto atual como decidir revogar o equívoco anterior mediante uma simples maxi.

Não tenhamos dúvidas, porém, de que repor nosso ritmo histórico de crescimento vai exigir acertos de bom tamanho no setor externo. E essa é a grande tarefa do País e da política econômica no umbral do próximo século.

Finalmente, Sr. Presidente, gostaria de deixar aqui registrado que não me situo entre os que acreditam que basta o crescimento econômico para resolver os problemas sociais de uma nação. Creio, no entanto, que o crescimento econômico é, pelo menos, uma condição necessária. Ter crescimento não resolve os problemas sociais, mas é uma condição para haja mais empregos, mais produtos, bens e serviços de consumo para nossa população.

O caso brasileiro, nesse aspecto, é extremamente perverso, Sr. Presidente. E essa é uma questão de longo prazo. Essa perversidade pode ser sintetizada por um indicador muito simples: a nossa renda por habitante é a 46a. do mundo; mas a nossa mortalidade infantil, calculada sobre os nascidos vivos até um ano de idade, é a 77ª do mundo. A mortalidade infantil que é o melhor indicador síntese das condições de vida sociais de um povo.

Portanto, a nossa condição social de vida está aquém do nosso desenvolvimento econômico. Isso mostra que desenvolvimento não é tudo - que é a minha tese.

Sem dúvida, porém, fica muito mais fácil - pois as condições objetivas são muito melhores - resolver os problemas sociais mediante o crescimento de que necessitamos. Se Deus quiser, vamos conseguir obtê-lo de volta repetindo o desempenho brilhante das primeiras oito décadas deste século na sociedade, vamos inaugurar uma nova época em que os frutos do crescimento econômico efetivamente se voltem para beneficiar a maioria da nossa população.

Muito obrigado, Sr. Presidente. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/01/1998 - Página 1423