Pronunciamento de Marina Silva em 30/01/1998
Discurso no Senado Federal
DENUNCIA DO ESTADO DE PENURIA EM QUE SE ENCONTRAM AS POPULAÇÕES INDIGENAS NO PAIS, CONSEQUENCIA DO DESCASO DO GOVERNO FEDERAL. ALERTA SOBRE PROJETO DE LEI, EM TRAMITAÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS, QUE REGULAMENTA O GARIMPO EM TERRAS INDIGENAS.
- Autor
- Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
- Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA INDIGENISTA.:
- DENUNCIA DO ESTADO DE PENURIA EM QUE SE ENCONTRAM AS POPULAÇÕES INDIGENAS NO PAIS, CONSEQUENCIA DO DESCASO DO GOVERNO FEDERAL. ALERTA SOBRE PROJETO DE LEI, EM TRAMITAÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS, QUE REGULAMENTA O GARIMPO EM TERRAS INDIGENAS.
- Publicação
- Publicação no DSF de 31/01/1998 - Página 1970
- Assunto
- Outros > POLITICA INDIGENISTA.
- Indexação
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- LEITURA, DENUNCIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), SUPERIORIDADE, MORTALIDADE INFANTIL, TRIBO YANOMAMI, PRECARIEDADE, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE.
- OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, AUXILIO, INDIO, ESPECIFICAÇÃO, FALTA, FISCALIZAÇÃO, MINERAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, CONTAMINAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
- OPOSIÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, GARIMPAGEM, TERRAS INDIGENAS.
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Para uma comunicação inadiável.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o que estávamos comentando no pronunciamento do Senador Edison Lobão está muito relacionado com os problemas que enfrentamos, de um modo geral, nos mais diferentes segmentos da nossa sociedade.
Lamentavelmente, tenho em mãos uma nota, que me foi enviada pelo Cimi - Conselho Indigenista Missionário, que relata o alto índice de mortalidade infantil registrado entre os índios ianomâmis.
Diz a nota:
“Em 1997, o índice de mortalidade infantil entre os ianomâmis atingiu o índice de 13%. A taxa entre os não-índios gira em torno de 1,5%. A denúncia é dos Sindicatos dos Servidores da Saúde e dos Servidores Públicos Federais, com base em dados do Distrito Sanitário Yanomami (DSY), órgão da Fundação Nacional de Saúde e do Ministério da Saúde. De acordo com esses dados, somente no ano passado, 45 bebês ianomâmis morreram antes de completar um ano de idade. A taxa de natalidade é de 4,4%. O Distrito Sanitário registrou 3.122 casos de malária, 39% da população ianomâmis do lado brasileiro. A denúncia faz parte do dossiê de duas mil páginas entregue ao Procurador da República do Estado de Roraima, Ageu Florêncio, e ao Deputado Federal Gilney Viana (PT-MT), que encaminhou toda a documentação à Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e à Procuradoria-Geral da República, em Brasília.
A Fundação Nacional de Saúde dispõe de sete médicos para trabalhar em quinze pólos-base, 45 auxiliares de enfermagem, mas apenas 13 trabalham em aldeias, e dos 21 enfermeiros, apenas cinco viajam regularmente pelas comunidades. Os sindicatos, entretanto, denunciam que o número de servidores não é maior devido às péssimas condições de trabalho. Os servidores são obrigados a passar 45 dias na selva, atuando 24 horas, recebendo diárias de R$17 (dezessete reais), enquanto qualquer outro órgão paga R$68 (sessenta e oito reais). Os servidores reclamam que faltam desde o soro anti-ofídico contra picadas de cobras até coletes salva-vidas e botes infláveis para tráfego nos rios e igarapés. Segundo os sindicatos, os trabalhadores estão sendo contaminados por oncocercose, doença transmitida pelo mosquito puim, além de serem acometidos por sucessivos surtos de malária, também transmitida por mosquito.”
Essa denúncia, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é muito grave e dá conta do descaso que o Estado brasileiro tem tido para com as populações indígenas no sentido de atender às suas necessidades essenciais de saúde, educação, inclusive de incentivo adequado às melhorias das condições de vida através de um processo produtivo que respeite a cultura das comunidades indígenas. Boa parte das atividades praticadas hoje estão sendo realizadas por algumas Igrejas, que têm responsabilidade e respeito para com os índios, e por ONGs - e nesse sentido posso citar alguns nomes como o Instituto Socioambiental, o Cimi, a Comissão Pró-Índio -, enfim, vários seguimentos que atuam junto às comunidades indígenas e que, mesmo assim, não são suficientes para enfrentar problemas que somente uma estrutura de Estado, com compromisso e respeito a essas populações, poderia fazer.
Os dados que temos são alarmantes. É uma verdadeira chacina à população ianomâmi e isto podemos estender a outras populações indígenas que também padecem dos mesmos males, sem as mínimas condições de atenção por parte do Estado brasileiro. Não se pode admitir que, às vésperas da passagem do milênio, tenhamos dados dessa natureza. Já causamos muitos danos às nossas populações indígenas que hoje estão reduzidas - de um total de cinco milhões para apenas duzentos mil índios -, em função da ação de extermínio junto a essas populações, que continua, pelo descaso, pelo contato e pela presença de garimpeiros. Como está demonstrado nesse documento, há uma grande invasão de garimpeiros dentro do território ianomâmi, do lado brasileiro. Sabemos que houve uma operação para a retirada dos ianomâmis que custou R$1,7 milhões e que retirou apenas 750 garimpeiros, dos cerca de 3 mil, dentro da área ianomâmi. Esses garimpeiros atiram mercúrio nos rios e igarapés, contaminando-os e causando um dano praticamente irreversível, em função daquilo que causa uma contaminação por mercúrio não apenas à população mas, inclusive, nas águas, nos peixes, enfim, em todas as formas de sobrevivência que os índios podem utilizar.
Faço questão de fazer esse registro até porque está tramitando o Projeto de Lei nº 1.610/96, que regulamenta o garimpo em terras indígenas. Do ponto de vista das entidades de apoio às comunidades indígenas, das suas próprias organizações e de vários segmentos da sociedade esse projeto ainda vai agravar, vamos dizer, num nível muito maior, a situação hoje da contaminação e da distorção da atividade garimpeira dentro dessas comunidades.
Entendo que o Governo brasileiro tem a obrigação de dar respostas para casos dessa natureza - enquanto na população branca há uma taxa de mortalidade infantil de 1,5%, na população indígena dos ianomâmis a taxa é de 13%, em função dessa situação de penúria, que acarreta doenças como a malária, a desnutrição e uma série de outros problemas que podem ser diagnosticados e comprovados mediante uma ação do Governo no sentido de procurar, pelo menos, melhorar essa situação dessas comunidades.