Discurso no Senado Federal

VISITA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO A SUIÇA. PREOCUPAÇÃO COM A POLITICA DE JUROS PRATICADA PELO GOVERNO. ANALISE DO IMPACTO MUNDIAL DA CRISE ASIATICA. ALERTA PARA A INCOERENCIA E INEPCIA NA CONCESSÃO DE INCENTIVOS FISCAIS PARA INSTALAÇÃO DE NOVAS MONTADORAS DE AUTOMOVEIS NO PAIS.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • VISITA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO A SUIÇA. PREOCUPAÇÃO COM A POLITICA DE JUROS PRATICADA PELO GOVERNO. ANALISE DO IMPACTO MUNDIAL DA CRISE ASIATICA. ALERTA PARA A INCOERENCIA E INEPCIA NA CONCESSÃO DE INCENTIVOS FISCAIS PARA INSTALAÇÃO DE NOVAS MONTADORAS DE AUTOMOVEIS NO PAIS.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 31/01/1998 - Página 1972
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, BRASIL, SUPERIORIDADE, TAXAS, JUROS, ANALISE, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, IMPOSIÇÃO, PRIMEIRO MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • CRITICA, POLITICA INDUSTRIAL, INCENTIVO, EMPRESA ESTRANGEIRA, INDUSTRIA AUTOMOTIVA, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO PARANA (PR), ESTADO DA BAHIA (BA), RECURSOS, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), FALTA, VISÃO, PROCESSO, ECONOMIA, MUNDO, PREVISÃO, CRISE, BRASIL.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o Presidente Fernando Henrique Cardoso encontra-se em Berna, Suíça, e se reunirá com o mega especulador George Soros e com outras personalidades que conhece bem os problemas da crise atual.

Enquanto Sua Excelência afirma, em Berna, que tudo vai bem no melhor dos mundos, centrado no Brasil, cuja situação, de acordo com Sua Excelência, é de absoluta tranqüilidade, Sua Excelência esqueceu-se de que, há poucos dias, reunido em Brasília com a cúpula da burocracia, o Governo recorreu à elevação da taxa de juros, que pagávamos e sofríamos no Brasil, em 100% - a mais alta taxa do mundo. E, segundo a conclusão que transpareceu na imprensa, o Governo está de acordo pelo menos numa ponto: de que não é possível mais aumentar a taxa de juros para ver se consegue manter, no Brasil, o capital volátil, o capital especulativo que penetrou nas Bolsas, que alimentou as reservas internacionais e a dívida pública brasileira.

De modo que, nesta globalização, não encontramos um ponto de tranqüilidade, porque o próprio Presidente do Banco Central dos Estados Unidos, Alan Greenspan, acaba de reconhecer que a economia norte-americana encontra-se ameaçada diante do que ocorre no sudeste asiático. O Partido Republicano se reúne, tentando pôr cobro, um limite ao FMI, para aquilo que consideram como socorro do FMI às falências, à quebra das bolsas e, agora, ao pedido de moratória feito pela Indonésia.

O Presidente do Banco Central brasileiro afirma que aquele país não está pedindo moratória. Talvez S. Exª tenha razão, porque moratória, no seu sentido real e jurídico, significa um auxílio, um favor que o credor fornece aos devedores que têm intenção e condições de pagar pelo menos parte de sua dívida. É um favor do credor ao devedor. De modo que o devedor, como foi assoalhado no Brasil erradamente, nos anos 80, não pode decretar moratória nem pedir moratória. Quem oferece moratória são os banqueiros mundiais, somente eles. Então, mais uma vez, inverteram a posição e o significado do termo.

Mas isso não tem importância. O fato é que enquanto, no Brasil, percebemos que só os bancos estaduais vão levar, para tentar equacionar sua situação, R$50 bilhões, um Tigre, um país, como a Coréia do Sul, pretende US$60 bilhões de empréstimos externos, com o FMI e Japão, pelo menos, consorciados. De modo que, então, vemos o absurdo, perdemos a noção desses números astronômicos e consideramos que nada acontecerá com o Brasil, depois de já ter acontecido.

Obviamente, o Governo brasileiro afirma que não vai alterar a taxa de câmbio e que a taxa de juro já esbarrou no teto. No Brasil, a taxa de juro é de 38% ao ano, enquanto que, no Japão, essa taxa é de 0,5% ao ano.

Estamos vivendo no “país dos absurdos”! Ao invés de Sua Excelência, o Presidente da República, olhar para o espelho, deveria olhar para o País. Ao invés de alimentar o seu narcisismo, deveria alimentar os brasileiros ou, pelo menos, alimentar a sua cabeça, sequiosa da verdade dos fatos que estão ameaçando o País.

Sabemos muito bem que, por exemplo, a Tailândia desvalorizou a sua moeda em 80% e que outros países, como a Coréia do Sul, desvalorizaram as suas moedas em cerca de 50%. Todos esses países desvalorizaram intensamente as suas moedas. Com isso, a capacidade de exportação desses países torna-se tão grande, que é impossível um país que não tenha desvalorizado a sua moeda competir com os Tigres Asiáticos, desmaiados na UTI.

Há aqueles que pregam as virtudes da globalização e da inserção do Brasil no contexto internacional, como se nele não fôssemos inseridos, como se a inserção não partisse do centro do capitalismo, principalmente das necessidades dos Estados Unidos.

Mais uma vez, está havendo o que aconteceu nos anos 50, quando os Estados Unidos, ao produzirem sete milhões de unidades de carros, tiveram que transplantar parte de sua capacidade produtiva, globalizando essas indústrias e transplantando-as para a Argentina, para o Brasil, para o México e para a Coréia do Sul. Não foi Juscelino Kubitschek - porque, nesses países, não havia Juscelino - nem foram alguns técnicos da Cepal que, através de mágicas cambiais, fizeram isso! Foram os Estados Unidos que globalizaram em cima de nós, transplantando a sua capacidade produtiva excessiva, que ameaçava trazer de volta a crise de 1929.

Agora, no mundo, estão sendo produzidos não mais 7 milhões de carros, mas 50 milhões, sendo que a capacidade produtiva instalada é de 67 milhões. É obvio que esse capital excedente - tanto o volátil especulativo quanto o produtivo, que se encontra com grande capacidade produtiva ociosa instalada - tem que procurar os nichos, tem que procurar penetrar na Argentina e no Brasil, para encontrar aqueles mercados ainda sobreviventes.

Nos anos 50, essas indústrias, ao serem transplantadas, acumularam-se, de forma selvagem, na periferia. Essas indústrias cresceram e ocuparam os mercados brasileiros, concentrando renda, criando, por meio da força e do despotismo, um mercado privilegiado de 10% da população e excluindo a sua grande parcela.

Como poderemos ampliar novamente o mercado, uma vez que este já foi ocupado não por empresas nacionais, mas por empresas transplantadas a partir de 1957, as quais cresceram e se desenvolveram na periferia do Brasil e em todos os países a que fiz menção?

Portanto, o Governo não está sendo consciente ao permitir que sejam transplantadas essas indústrias para o Brasil, novamente - como aconteceu nos anos 50 - por meio de doação de terrenos, de recursos emprestados com juro até negativo e, inclusive, por meio de doação de mão-de-obra, que foi aviltada em seus salários para bem servir a esse capital que para aqui veio e viria de qualquer maneira.

Nos anos 50, eu dizia aos meus alunos: esse capital já está com a passagem no bolso; ele virá para cá; é um movimento centrípeto que está empurrando esse capital para fora dos centros produtores avançados, dos países avançados. Desse modo, não precisávamos fornecer esses estímulos e incentivos para que esse capital para aqui viesse. E veio e aí está, exigindo uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar o que está acontecendo.

Não vamos falar sobre o que está ocorrendo no Estado do Paraná, onde o escândalo é tão grande que ultrapassaria o nosso tempo. Vamos falar sobre “a pequena Ásia”, que pretendeu se implantar na Bahia e que está falida na Coréia do Sul. Fizeram um acordo em que essa Ásia se comprometia, entre outras coisas, a investir, na sua indústria, uma importância correspondente aos carros que fossem importados da Coréia do Sul pela Kia. Não investiram um tostão, apesar de terem importado milhares de automóveis. Não fizeram nada até agora. Só receberam os favores e as benesses do Governo brasileiro e desse BNDES irresponsável.

Imaginem se isso desse certo? A GM do Rio Grande do Sul, por exemplo, que não se obriga a criar um emprego sequer, será, obviamente, uma importadora favorecida e beneficiada por tudo o que aconteceu até agora. Esse será um verdadeiro escândalo, em escala mundial, repetindo os absurdos que aconteceram nos anos 50, em escala ampliada! Não aprendemos a lição!

Nos anos 60, três indústrias estrangeiras de carro - a DKV, a Sinca e uma outra - saíram do Brasil. Agora, está ocupado o nosso espaço, as ruas estão cheias de automóveis e as garagens dos ricos estão abastecidas com três, quatro, cinco ou seis carros. A classe média foi beneficiada com esses empréstimos feitos em dinheiro estrangeiro e com taxas de juros baratíssimas na compra desses artigos de luxo.

Se essas indústrias fossem inauguradas, no Brasil haveria um número maior de montadoras do que o dos Estados Unidos! Estamos loucos! Se isso acontecesse, é óbvio que à produção nacional de carros, de cerca de dois milhões por ano, somar-se-iam esses milhares de carros que seriam produzidos, fazendo com que aumentasse ainda mais o problema do mundo de ter atingido 50 milhões de carros por ano em sua produção.

Pois bem, gastei algumas décadas de minha vida tentando entender um pouco de economia. Cheguei à conclusão de que a coisa mais difícil do mundo é entender aquilo que é quase óbvio. Por exemplo, durante 250 anos, os mercantilistas, Misselden Melynes e os donos das grandes companhias de navegação, quase todas inglesas, convenceram o governo inglês de que não havia nada melhor do que exportar. Vamos exportar! Como o Banco do Brasil fez a propaganda até há pouco tempo: “o que importa é exportar”. Isso os ingleses afirmaram durante 250 anos.

Imagine se o mundo não fosse mais inteligente do que os economistas? Porque é! A sorte nossa é que existe uma inteligência do sistema e este resiste ao ataque dos economistas e dos técnicos. Então, se a Inglaterra tivesse caído nessa conversa e não estivesse importando de suas colônias, trazendo ouro dos quatro cantos do mundo, saqueando os Estados Unidos e assim por diante, é óbvio que se a Inglaterra tivesse exportado mais do que importado, tivesse um saldo de exportações, ela estaria alimentando as suas colônias, transferindo riqueza para a Índia, para a América, se empobrecendo por ser a rainha do mundo, exportando e, portanto, retirando riqueza real da Ilha e a entregando, por saldo de exportações, por superávits de exportações, para suas colônias.

Este absurdo perdurou 250 anos e, aqui no Brasil agora, vem essa história, porque os Estados Unidos precisaram recuperar uma parte de sua produção. Os Estados Unidos tinham sido achatados em sua produção.

Lester Thurow mostra rapidamente como isso aconteceu, como a produção norte-americana definhou e, entre outras coisas, diz ele, a última indústria de robôs abandonou os Estados Unidos. E para que isso? Para que os Estados Unidos, valorizando o seu dólar, pudessem importar barato o excedente do mundo: os carros que estavam sobrando no Japão, as mini-máquinas que o Japão produzia, as máquinas que a Alemanha produzia e que não conseguia colocar, a não ser no grande mercado norte-americano, onde 5% da população do mundo consomem 40% das matérias-primas mundiais. Os Estados Unidos garantiram a reprodução do capitalismo mundial tornando-se o grande mercado. Mas agora, quando o governo norte-americano se enxuga e consegue reduzir de US$320 bilhões para US$28 bilhões, no ano passado, o seu déficit, ele pára de comprar. Se o governo parou de comprar US$320 bilhões por ano, deveria haver um desemprego enorme nos Estados Unidos. Mas isso não aconteceu, porque os Estados Unidos inverteram a sua posição: de grande importador e mercado, eles tiveram que se transformar em exportadores, para a Argentina e para o Brasil. Por isso temos déficit comercial, por importar o excedente americano e o excedente mundial.

Estamos vendo que essa globalização é o resultado principal das necessidades de um reajuste enorme da economia dos Estados Unidos, que começou com Reagan e Bush. Eles adotaram o neoliberalismo de exportação. Os Estados Unidos conseguem manter apenas 4% de desemprego, porque estão recuperando a sua capacidade produtiva e têm que encontrar mercado no mundo para exportar. Logo, temos que valorizar o nosso real; a Argentina tem que valorizar a sua moeda, e o México também, para que importemos agora aquilo que os Estados Unidos deixaram de importar e de consumir.

A situação de sobreacumulação, de excesso de produção nós não enxergamos. Está lá o nosso Presidente querendo atrair mais capital. Acumular, acumular - isto é Moisés, nos Profetas - já dizia quem sabia o que estava dizendo. Vamos acumular mais, mais indústrias automobilísticas, quando as vendas nesse setor caíram 9% em relação ao ano passado.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Senador Lauro Campos, vejo muitas vezes V. Exª recordando e, aliás, não só recordando, mas trazendo a nós a sua cátedra, a sua função de grande professor. Além de Senador, V. Exª recorda os tempos de sala de aula e nos dá uma verdadeira aula também aqui no plenário. Chamou-me a atenção quando V. Exª disse que grandes países, como os Estados Unidos agora, procuram exportar excedentes e encontrar nichos para seus produtos. V. Exª fala em exportar indústrias automobilísticas. Na verdade, se analisarmos bem de perto, somos um nicho...

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Nicho com “n”, não com “l”!

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - É verdade. No fundo, faz-se um grande marketing para fazer com que nós aqui discutamos essa tese, principalmente entre os Estados da Federação. A intenção é que cada um seja um nicho - com “n” é bem claro -, um receptor dessas indústrias. E aqui formamos uma verdadeira concorrência entre nós. Cria-se um ambiente que faz com que os governos estaduais comprometam, para angariar certas indústrias, até futuras administrações, concedendo incentivos, muitas vezes, incalculáveis, e que a população do seu Estado vai ter que pagar. Acontece que esses governos, muitas vezes, são pressionados pelo meio em que se encontram, porque, se não fizer isso, vai para outro Estado, onde fazem pressão da mesma forma. E se não oferecer isto ou aquilo, não é um grande governo.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Vai para a Argentina.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Isso; vai para outro país, fazendo, assim, pressão sobre o Governo Federal. E isso provoca a concorrência interna, muitas vezes desleal, trazendo prejuízos para o futuro, sem dúvida alguma. No fundo, elas virão, com ou sem incentivo, se houver mercado, é claro; ainda mais agora, com grandes incentivos, quando são montadas praticamente de graça. E quem paga é o conjunto da sociedade, para benefício de uma pequena parcela. Por isso, gostaria, de coração, de cumprimentá-lo, porque V. Exª traz esta preocupação, que devemos ter, nós, o Governo Federal, os governos estaduais, no sentido de encontrarmos um denominador comum para este problema dos incentivos, da concorrência, criando meios para que não haja tantas pressões sobre os governos, a ponto de chegarem a tais comprometimentos. Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Agradeço muito o aparte de V. Exª, que muito enriquece o meu pronunciamento e com o qual estou de pleno acordo.

Para terminar, gostaria apenas de lembrar que esse neoliberalismo apareceu em 1873. E todo mundo que estuda essa questão sabe que ele se desmoralizou. Todas as suas teses de que o mercado é racional, de que o mercado é o melhor alocador de recursos, de que o mercado tem uma inteligência fantástica, divina, tudo isso foi desmoralizado em 1929. Ao invés do pleno emprego que os neoliberais diziam que o mercado sozinho ia fornecer, ia atingir, vemos 44% de desemprego na Alemanha, 25% de desemprego nos Estados Unidos, nos anos 30. Então, essa idéia de que o mercado auto-ajusta tudo ficou completamente desmoralizada. O que houve foi, pelo contrário, como acontece hoje, um excesso de produção, aquecimento demais, acumulação demais, o que tornou os capitais pouco rentáveis na produção. Então, eles fugiram para a especulação. A Bolsa de Nova Iorque esquentou enormemente. Os especuladores iam à Bolsa comprar ações da Ford, da General Motors, depois, iam ao Banco, caucionavam US$1mil de ação e recebiam US$800; voltavam à Bolsa e compravam US$800; voltavam ao Banco, caucionavam e pegavam US$640;. voltavam à Bolsa, e assim por diante. Então, foi essa alavanca que estourou em outubro de 29. Agora, estamos assistindo a situações idênticas, muito parecidas, em escala global, no sudeste asiático. O que me parece é que, em vez de ser apenas dinheiro de fundos norte-americanos, agora são fundos do mundo inteiro; recurso ocioso do mundo inteiro, que se transformou em capital volátil, dada essa tecnologia moderna de comunicação.

Como esse dinheiro, cerca de 41 trilhões - e só nos Estados Unidos calculam-se 17 trilhões -, vai poder encontrar lucro, a não ser quando entra mais dinheiro na Bolsa para comprar ações, fazendo-as subirem especulativamente. Mas, esse dinheiro distanciou-se do mundo real e é resultado de uma autonomização em relação ao mundo real. O trabalho humano, ainda que recebesse zero de salário, não conseguiria irrigar esse capital todo, dar lucro suficiente para esse capital enorme que se acumulou dessa maneira, capital fictício, imaginário e especulativo.

A meu ver, estamos numa situação em que não adianta a tranqüilidade do Presidente da República, porque há um prognóstico hoje nos jornais, feito por um técnico renomado, de que, dentro de seis meses, o Brasil precisará, tal como aconteceu com os Tigres Asiáticos, desvalorizar o Real. Isso está publicado na primeira página da Folha de S. Paulo de hoje. Esse é o óbvio a que o Governo não quer se render. Não é possível, portanto, encontrar saídas, porque todas já se esgotaram. A última é esta que estamos aqui aprovando, ou seja, a retirada de R$20 bilhões para tapar o buraco provocado pelo aumento da taxa de juro em relação à nossa dívida pública.

E, com certeza, nesta situação em que nos encontramos, seria muito mais adequado, muito mais eficiente, muito mais honesto perceber a dimensão desse problema, em vez de ditar medidas despóticas para os funcionários públicos, pois essa migalha que tirarão desses é a expressão única e exclusiva da desumanidade, da indiferença em relação aos destinos da nossa geração.

Parece-me que não há como evitar o inevitável.

No dia 19 de junho, o Presidente da República, declarou, às páginas 09 e 10 da Gazeta Mercantil, quando perguntado se não tinha medo de nada, o seguinte: “Só tenho medo do que pode acontecer no mundo, sobre o qual não tenho o menor controle”. Ou seja, Sua Excelência disse que temos medo daquilo que não podemos controlar. Na verdade, tem medo desse dinheiro incontrolável; tem medo dessas condições incontroláveis, dessa crise internacional incontrolável. E disse que, no avião, temos medo porque não o sabemos controlar, não entendemos o seu mecanismo. Mas, esse avião já entrou em pane e Sua Excelência continua com aparente tranqüilidade para ver se consegue empurrar o desastre até depois das eleições.

Os funcionários públicos que esperem; o Ministro Bresser Pereira havia prometido demitir 107 mil funcionários, agora, douraram a pílula um pouco, minoraram: 33 mil serão demitidos. Mas o que adianta isso diante desses problemas que obrigam o Governo brasileiro a socorrer, com 30 bilhões, o Banespa; com 50 bilhões, os bancos estaduais, e assim por diante.

Sr. Presidente, devo encerrar, pois vejo que meu tempo está esgotado, e este assunto é inesgotável.

Desejo realmente estar equivocado. Desejo que os equilibristas, os panglossianos - que diziam que tudo ia bem no melhor dos mundos enquanto Lisboa se acabava -, e todos esses que não vêem problemas, mas apenas equilíbrios e soluções à vista, estejam certos.

Quem viver verá.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/01/1998 - Página 1972