Discurso no Senado Federal

DESCASO DO GOVERNO FEDERAL COM A SAUDE PUBLICA DO PAIS. COMENTARIOS AO ARTIGO DO JORNALISTA JANIO DE FREITAS, PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, NO ULTIMO DOMINGO, SOBRE A CORRUPÇÃO POLITICA E FINANCEIRA NO MINISTERIO DA SAUDE.

Autor
José Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: José Alves do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • DESCASO DO GOVERNO FEDERAL COM A SAUDE PUBLICA DO PAIS. COMENTARIOS AO ARTIGO DO JORNALISTA JANIO DE FREITAS, PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, NO ULTIMO DOMINGO, SOBRE A CORRUPÇÃO POLITICA E FINANCEIRA NO MINISTERIO DA SAUDE.
Publicação
Publicação no DSF de 03/02/1998 - Página 2014
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • PRECARIEDADE, SAUDE PUBLICA, BRASIL, COMENTARIO, DADOS, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), SITUAÇÃO, INFANCIA, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL.
  • CRITICA, GOVERNO, REDUÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, SAUDE, REGISTRO, INSUFICIENCIA, RECURSOS, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), QUESTIONAMENTO, APLICAÇÃO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PLANO, SAUDE, SEGURO-DOENÇA, EXPLORAÇÃO, USUARIO.

O SR. JOSÉ ALVES (PFL-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, até parece rotina parlamentar, pois, mal 1998 inicia, e lá vamos nós apontar problemas estruturais que ano após ano assolam a vida do povo brasileiro. Trata-se, hoje, de chamar a atenção da Casa para a questão da saúde pública, que permanece, a olhos nus, em condições de grave precariedade. Isso não seria, em princípio, nenhuma novidade. Todavia, quando o julgamento vem de fora, justamente de foros internacionais de indiscutível competência crítica, algo de muito vexaminoso parece cobrir-nos de vergonha.

O UNICEF, organismo multinacional que se ocupa da qualidade da vida infantil nos quatro cantos do mundo, publicou, em dezembro último, relatório anual sobre o estado das crianças nos diversos países onde atua. Intitulado Situação Mundial da Infância - 1997, tal relatório alinhava quadro comparativo entre as nações com base em critérios objetivamente determinados e universalmente aceitos. Segundo o UNICEF, o Brasil se destaca entre os países por ostentar um dos mais elevados índices de descaso em relação à preservação da vida de suas crianças. Entre 191 países, o Brasil ocupa a 79ª posição em número de crianças mortas antes dos cinco anos de idade.

Que, em tese, tal posição possa, em termos absolutos, transmitir uma idéia de certa comodidade na hierarquia das nações, não nos iludamos sobre o real significado escondido atrás dos mesmos números, senão vejamos: a taxa de mortalidade infantil no País ainda é considerada uma das mais altas do mundo, somente comparada às do Peru, às da Bolívia e às do Niger em termos de escândalo social.

Em cada mil crianças brasileiras que nascem, nada menos do que 52 morrem antes sequer de completarem cinco anos de idade. Enquanto outros países de dimensões econômicas menos vultosas que as nossas - como a Argentina e o México - já não figuram mais como “vilões” históricos da luta contra a mortandade infantil, as autoridades brasileiras insistem em manter o Brasil como campeão de uma indecente corrida em favor da barbárie e da covardia política.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em que pese o fato de o Unicef reconhecer um perfil de sensível melhora no desempenho brasileiro nos últimos anos, não há como cogitar uma postura de apoio às políticas de saúde adotadas pelo atual Governo. Não seria preciso ir muito longe para averiguar as contradições contidas nos discursos e nas ações do Presidente Fernando Henrique no que tange ao saneamento de nossas deficiências estruturais no campo da saúde pública.

De um lado, o Governo promete revigorar o SUS - Sistema Único de Saúde -, estabelecendo diretrizes mais descentralizadoras; de outro, o mesmo Governo se recusa a propor elevação na dotação orçamentária destinada às áreas de saúde pública. Em flagrante descumprimento da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que prevê em 1998 a aplicação na saúde de, no mínimo, o mesmo volume de recursos alocados em 1997, o Governo Federal já expressou em sua proposta orçamentária a intenção de reduzir os recursos destinados à área.

Ora, a mera vinculação da rubrica “saúde” à receita recolhida pela CPMF não garante recursos suficientes para atender às necessidades básicas relativas à proteção da sanidade física e mental do povo brasileiro, mesmo porque, de acordo com as previsões dos economistas, a arrecadação da CPMF de 1998 não deverá exceder às de 1997, já que as transações financeiras no País devem sofrer uma sensível retração neste ano de lamentável e irreversível recessão. Pior do que isso é saber que a CPMF não constitui fonte perene de recursos. Sua natureza transitória deveria obviamente corresponder a uma função de caráter excepcional, o que, no caso da saúde, significaria financiar projetos de cunho estrutural de inadiável correção.

Todavia, até onde sabemos, a receita da CPMF está sendo recolhida há mais de ano, e nada, absolutamente nada, tem mudado no quadro estrutural da saúde pública. Em 1997, foram cerca de R$6,6 bilhões recolhidos na fonte da CPMF que deveriam ser destinados aos tais projetos de saneamento estrutural. No entanto, seguindo o raciocínio da imprensa séria nacional, nada nos assegura que todo esse dinheiro tenha sido de fato canalizado para a Saúde. Em sua retórica, o Presidente Fernando Henrique jura que sim; porém, não nos oferece nada que objetivamente comprove a aplicação desta volumosa verba em significativas obras estruturais, principalmente nas regiões mais pobres como o Nordeste.

Lamentavelmente, o Nordeste brasileiro, que concentra 30% da população do País, em torno de 45 milhões de habitantes, fica com apenas 14% dos recursos do Crédito Educativo, enquanto o Sul/Sudeste abocanha 81%. Sem falar nos minguados incentivos fiscais, que agora se tornaram inexpressivos com os recentes cortes de impostos ensejados pelo ajuste fiscal do Governo.

O máximo que o Governo atual pôde fazer em 1997 se resumiu à criação do Piso de Atenção Básica - PAB -, em dezembro último, que visa apenas a reorganizar o plano de distribuição de recursos entre Estados e Municípios. Instrumento necessário, sim; porém não suficiente para confrontar as deficiências da saúde pública. Em outras palavras, ainda que o surgimento do PAB venha a contribuir para uma nova concepção administrativa e ética no controle dos gastos da saúde nacional, nada indica que, em si, a medida venha a solucionar problemas graves de epidemia e desnutrição, que devastam as regiões mais carentes deste País.

Sr. Presidente, nesse sentido, faltariam ao Governo não só sinceridade, mas também compromisso com uma política de saúde que proponha exterminar de vez os males que corroem a sustentação física de nosso povo. Indiferente às causas sociais mais prementes, o Governo Federal parece distante dos apelos das populações mais miseráveis. Em vez disso, prefere canalizar seus interesses à disseminação dos planos privados de saúde, que proliferam no País como mercadorias de luxo, sem qualquer controle sobre a qualidade e a presteza do serviço prestado.

Destinados, em princípio, a atender a uma clientela composta pelos setores mais abastados da sociedade, tais planos têm invadido o território de consumo das classes médias e baixas, com falsas promessas de pronto atendimento médico-hospitalar. Na prática, a imprensa tem exaustivamente denunciado o quanto os planos privados de saúde se transformam em sórdidas máquinas de reprodução capitalista, insensíveis às dores e às agonias físicas do ser humano.

Ávidos de uma lucratividade fácil em cima da fragilidade do organismo maltratado da gente brasileira, os empresários destes planos privados somente se preocupam com o recebimento pontual das prestações. Cobram dos seus associados o que bem quiserem, sem haver, em contrapartida, uma correspondência qualitativa à altura da prestação de serviço contratada. E, como diz o verso popular, “não há choro nem vela”: associado em atraso nas mensalidades -- seja pelo prazo que for -- é punido com a perda imediata do direito de acesso à rede médico-hospitalar conveniada pelo seu plano privado de saúde.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, se de um lado o cidadão brasileiro vê-se constrangido pela precariedade do sistema público de saúde, de outro, vê-se explorado, espoliado, vilipendiado diante da truculência dos planos privados. Em meio a um impasse desumano, o cidadão continua a experimentar dramas e tragédias absurdas às portas dos hospitais brasileiros. Ao pobre associado, portanto, só resta a indignação e a revolta, por sinal a mesma indignação e a mesma revolta que invadem a consciência do profissional da medicina pública brasileira. Historicamente engajado em lutas que reivindicam melhores condições de trabalho, o médico da rede pública atravessa hoje uma das fases mais cruéis de descrédito junto ao Governo, que se recusa a reconhecer o valor do profissional da saúde na forma de uma remuneração digna e respeitosa. Sem a perspectiva de um salário condizente com os indispensáveis serviços que presta à população, o médico da rede pública sente-se cada vez mais desestimulado e, em conseqüência, destituído de um ideal de justiça social na execução de seu serviço. Ironicamente, enquanto o profissional da saúde depara-se, dia após dia, com cortes e reduções indevidas de seu valor social, o Governo se macula, na mesma proporção, com escândalos, corrupções e fraudes envolvendo a política nacional de saúde.

Sr. Presidente, sem querer me estender por mais tempo, e para concluir, reproduzo aqui trecho do artigo do ilustre jornalista Jânio de Freitas, publicado no último domingo (18/01) na Folha de S. Paulo. O jornalista declara: “A cada dia da semana surge uma denúncia nova de corrupção política e financeira no Ministério da Saúde. É o Ministério da Doença Moral. Mas não o único no Governo”. Esse é, sem dúvida, um tema que merece a reflexão de todos nós.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/02/1998 - Página 2014