Discurso no Senado Federal

RISCOS DO CONSUMO TECNOLOGICO SEM UMA CONSCIENCIA CRITICA, DESTACANDO, EM ESPECIAL, OS ABUSOS NA UTILIZAÇÃO DOS MICROCOMPUTADORES.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • RISCOS DO CONSUMO TECNOLOGICO SEM UMA CONSCIENCIA CRITICA, DESTACANDO, EM ESPECIAL, OS ABUSOS NA UTILIZAÇÃO DOS MICROCOMPUTADORES.
Publicação
Publicação no DSF de 03/02/1998 - Página 2020
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • DEFESA, ELABORAÇÃO, ESTUDO, INFLUENCIA, UTILIZAÇÃO, JUVENTUDE, COMPUTADOR, FACILITAÇÃO, APRENDIZAGEM, AMBITO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ANTERIORIDADE, INCENTIVO, AMPLIAÇÃO, PRESENÇA, INFORMATICA, FORMAÇÃO, ENSINO.
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, POSSIBILIDADE, PRODUÇÃO, PREJUIZO, SAUDE, CRIANÇA, JUVENTUDE, RESULTADO, EXCESSO, UTILIZAÇÃO, COMPUTADOR.

           O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a modernidade e o Brasil têm historicamente travado embates e lutas nem sempre pautadas pela racionalidade ou pelo bom senso. Enredados numa relação conflituosa, de difícil harmonia, as duas partes se debatem como entes que, sob uma necessidade imperiosa, se rejeitam, se excluem perpetuamente. Assim, em vez de uma saudável dialética, tal relação tem preferido se caracterizar por um antagonismo radical, por uma incompatibilidade mútua, que chega a despertar uma inquietação intolerável no povo brasileiro.

           Ora, se traduzirmos modernização tecnológica como uma das facetas mais dinâmicas da modernidade, seremos levados a acreditar que o Brasil não se tem deixado elaborar, e muito menos implantar, uma política inteligente de assimilação da produção tecnológica na vida diária de seu povo.

           É o caso da indústria da informática, que tem invadido os lares brasileiros mediante intensificação do consumo de microcomputadores por parte de nossas crianças e de nossos jovens. Estes, que pouco ou nada podem fazer para avaliar o significado mais profundo dessa aliança entre “micros” e formação educacional, se vêem totalmente fascinados com os efeitos imagéticos e lúdicos contidos nos inúmeros programas disponíveis no mercado. Mais grave ainda, escolas privadas, pais e professores se mobilizam freneticamente para transformar a máquina cibernética em peça indispensável no processo da aprendizagem infantil. Nada contra, em princípio; mas há de se ter muita cautela.

           Computadores de tamanho reduzido, mas de veloz poder de processamento, são introduzidos em nossas residências como brinquedos pedagógicos, sem que haja a menor precaução em relação aos efeitos perversos dessa sinistra conjunção entre computadores e crianças. Hipnotizados pelo jogo de movimentos, cores e sons dinamicamente representados nas telas dos videogames, nossa juventude cai ingenuamente na cilada da interatividade imediata, agindo como frágeis viciados diante da ilusória promessa de um prazer fácil.

           A virtualidade da imagem computacional conquista progressivamente espaço privilegiado no leque de preferências de nossa juventude entre as atividades mais freqüentes. Enquanto isso, as práticas mais realistas dos esportes, das leituras, da vida sadia ao ar livre, das viagens, das conversas e das brincadeiras de roda perdem terreno no processo de formação educacional.

           Nossos jovens desconhecem os parâmetros de utilidade saudável de seus microcomputadores e, por isso, investem horas e horas de sua abundante energia em exageradas atividades computacionais que, no final das contas, invertem todos os bons propósitos da tecnologia. Alcunhados de “micreiros”, os adolescentes brasileiros estão perdendo controle sobre as funções positivas do uso do computador. Em vez de uso moderado, os jovens brasileiros “navegam” em longas jornadas pelo espaço cibernético, desatentos aos aspectos nocivos que certamente correm em paralelo.

           Além de prejuízos no desenvolvimento da cognição, esses mesmos jovens já começam a detectar graves deteriorações na musculatura do corpo. Posturas físicas forçadas, atrofia de ossos e músculos, inflamações nas articulações, tecidos e nervos, tudo tem sido identificado como marcas indeléveis do computador, dolorosamente encravadas nos corpos de nossa juventude. Como se não bastasse, estudos têm apontado que quem vive à frente da TV e dos computadores torna-se raquítico, sem iniciativa, sem liderança no futuro, e, sobretudo, um cidadão agressivo por força de exacerbada exposição frente aos jogos virtuais que exploram diuturnamente a violência, as aberrações, o ódio e a destruição.

           Num recente levantamento nacional, médicos e cientistas constataram que, por falta de uma orientação adequada, crianças e adolescentes estão precocemente padecendo de males físicos e psicológicos de severas conseqüências. Para espanto de todos nós, a pesquisa revela elevada incidência da LER - Lesões por Esforços Repetitivos - sobre margem significativa de nossa população jovem. Para esclarecer aos menos avisados, a LER já havia sido considerada, pelas autoridades da saúde do trabalho, uma das sérias enfermidades crônicas de nossa modernidade, cujo índice de expansão, no Brasil, acompanhou um dos vetores mais velozes nos últimos dez anos.

           Segundo artigos publicados em revistas especializadas em saúde do trabalho, a LER tem sido apontada como a patologia dos tempos “pós-modernos”, em virtude do crescente número de digitadores - verdadeiros operários da informática que são - diagnosticados com problemas musculares oriundos de formas repetitivas de movimentação das mãos, braços, coluna, pescoço etc. A título de ilustração, entre os funcionários que ocupam função de caixas bancários, a incidência da LER tem preocupado extremamente as autoridades médicas, políticas e sindicais, a ponto de se buscar urgentemente elaborar dispositivo legal que proteja a população afetada, pois nossa legislação trabalhista não ampara devidamente os portadores deste mal físico.

           Agora vejamos, se entre os digitadores adultos - presumidamente bem treinados no ofício - o crescimento da LER já é alarmante, o que pensar, então, do efeito da LER sobre as crianças, cujo contato com a máquina cibernética se dá normalmente pela intuição mais elementar ou por um precário sistema de aprendizagem? Por mais lúdica que possa ser tal relação entre jovens e microcomputadores, não podemos ludibriar nossa consciência e fingir que domínio tecnológico é, em si, sinal de sabedoria e superioridade cultural. Na verdade, não deveríamos confundir acessos fortuitos ao código tecnológico com domínio absoluto dos efeitos de sua complexa engenharia.

           De fato, em virtude de sua contestável condição de “segunda natureza”, o universo tecnológico tem equivocadamente adquirido valor de verdade absoluta. Fruto de uma ideologia que “essencializa” tudo aquilo que a ciência transforma em peça industrial, os computadores gozam de uma infeliz imunidade crítica, sob a qual - a meu ver - a contemporaneidade tenta escamotear falhas e defeitos.

           Enquanto a modernidade tem sido associada a uma ideologia cultural de dominação, que percebe as artes e as inovações tecnológicas como signos de progresso social e avanço na hierarquia das nações, o Brasil tem incorporado tal ideal de modernidade como um objeto sagrado e transcendental a alcançar, sem tomar consciência do distanciamento e da crítica a que deveria ater-se.

           Ora, se associarmos o consumo de microcomputadores a uma prática cultural geograficamente definida pelos limites do saber científico e do poder econômico, teremos igualmente que reconhecer seu significado como ato automático de subordinação, de autêntica neocolonização pós-moderna. Nessa linha, do nosso País tem sido cobrado estreito compromisso com o mundo moderno, ainda que sob pena de selar tal compromisso apenas na aparência. Isso pode ser claramente verificado quando nos deparamos com as sucessivas incursões desastrosas do Brasil na vida industrial urbana. Para tanto, basta-nos invocar o caótico desenho urbano a que se têm reduzido as metrópoles nacionais. Mais do que símbolos de modernidade e modernização, nossas capitais se tornam cada vez mais notáveis pela desorganização social e pela turbulenta adaptação aos velozes modelos de desenvolvimento econômico.

           Não é de hoje que o capitalismo brasileiro sofre do mal da imitação automática, sem se dar conta das particularidades da estrutura local, sem refletir sobre as verdadeiras necessidades que devem anteceder ou motivar qualquer processo de imitação cultural ou importação tecnológica. Não pretendo com isso insinuar que o Brasil deva isolar-se dos centros de produção e reprodução tecnológica. Longe de mim ser interpretado como um reacionário da modernidade. Porém, quero alertar para os riscos a que sempre nos expomos quando procedemos à incorporação do consumo tecnológico desprovidos de uma consciência crítica que oriente tal absorção.

           Contrariamente a essa alienação que parece dominar nossa sociedade, é preciso que a sociedade brasileira tome a iniciativa de providenciar um amplo esclarecimento sobre as reais funções pedagógicas da informática, no sentido de nortear nossa juventude no uso correto e sadio de seus microcomputadores. Mais do que isso, cabe aos pais e professores acompanhar seus respectivos filhos e alunos no delicado processo de aprendizagem por meio dos serviços da informática doméstica. Cabe, portanto, ao Governo Federal iniciar ampla campanha de esclarecimento, fornecendo aos pais, jovens, trabalhadores, professores, etc., todas informações necessárias, com intuito de educar nossos jovens a melhor dosar o tempo destinado à pesquisa na Internet e às brincadeiras dos videogames.

           O excesso de exposição da visão às telas dos monitores certamente contribui para uma desaceleração da capacidade de nossas crianças assimilarem formas mais abstratas de conhecimento. Devemos, antes de tudo, fornecer aos nossos filhos a mais lúcida educação sobre como se relacionar com a materialidade tecnológica sem incorrer num processo de autodestruição, sem detonar um irreversível processo de destruição física e psíquica. Para tanto, o Brasil e a modernidade devem selar pacto de trégua, sobre o qual uma nova conduta dos brasileiros em relação à tecnologia que utiliza seja definitivamente adotada.

           Era o que eu tinha a dizer.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/02/1998 - Página 2020