Discurso no Senado Federal

ENCAMINHA A MESA REQUERIMENTO DE PESAR PELO FALECIMENTO DO CANTOR E COMPOSITOR SILVIO CALDAS. CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXECUÇÃO, ONTEM, NO TEXAS, NOS ESTADOS UNIDOS, DA AMERICANA KARLA TUCKER, CONDENADA A MORTE PELO ASSASSINATO DE DUAS PESSOAS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • ENCAMINHA A MESA REQUERIMENTO DE PESAR PELO FALECIMENTO DO CANTOR E COMPOSITOR SILVIO CALDAS. CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXECUÇÃO, ONTEM, NO TEXAS, NOS ESTADOS UNIDOS, DA AMERICANA KARLA TUCKER, CONDENADA A MORTE PELO ASSASSINATO DE DUAS PESSOAS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Francelino Pereira, Jefferson Peres, Nabor Júnior.
Publicação
Publicação no DSF de 05/02/1998 - Página 2274
Assunto
Outros > HOMENAGEM. LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, SILVIO CALDAS, MUSICO, CANTOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • COMENTARIO, EXECUÇÃO, PENA, MORTE, CARLA TUCKER, CIDADÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DEFESA, OPOSIÇÃO, ORADOR, IMPLANTAÇÃO, BRASIL, PENALIDADE, EXTINÇÃO, VIDA, REU.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, envio à Mesa requerimento de pesar pelo passamento de Silvio Caldas, ocorrido ontem em Atibaia, São Paulo, empobrecendo a música popular brasileira.

Carioca do Largo da Cancela, Sílvio, que nasceu Narciso de Figueiredo Caldas, no ano da graça de 1908, era filho do afinador de piano Antônio Narciso Caldas e de Alcina Figueiredo Caldas.

Ainda criança, o menino Silvio, pela afinação de sua voz, recebeu o apelido de “Rouxinol”, numa antevisão de sua futura vocação, que o tornou um dos maiores cantores do cancioneiro popular brasileiro.

Antes de se dedicar integralmente à música, Silvio Caldas foi mecânico. A trajetória artística do “Caboclinho Querido”, como passou a ser chamado, desenvolveu-se entre o Rio de Janeiro e São Paulo, levando a música popular a todos os veículos de divulgação: rádio, disco, teatro, cinemas, shows e televisão, numa atividade incessante, que durou até meados dos anos 80.

Silvio Caldas foi um compositor fecundo, autor, sozinho ou em parceria, de várias pérolas da canção popular brasileira. Impossível falar de Silvio Caldas sem nos lembrarmos imediatamente do antológico ”Chão de Estrelas”, versos inspirados de Orestes Barbosa, primorosamente musicados e interpretados pelo cantor, que o transformaram, definitivamente, num dos maiores mitos da cultura musical popular do Brasil.

O poeta Manuel Bandeira considerou o verso “tu pisavas nos astros distraída” como dos mais belos da literatura brasileira. Agora, com a partida de Silvio Caldas, resta-nos plagiá-lo na mais famosa de suas canções: ”E hoje, quando do sol a claridade forra meu barracão, sinto saudade do ´Caboclinho` que se foi”.

Presto aqui a minha homenagem não apenas a um compositor - aliás, ele sempre dizia que era um cantor e não um compositor - mas a um grande brasileiro, que também nasceu no chão do Rio de Janeiro, em São Cristóvão, que conheço muito bem. Mas, apesar de ter nascido no Rio, Silvio Caldas viveu seus dias finais em São Paulo. Para ele, sempre foi importante essa relação Rio/São Paulo, que soube trabalhar muito bem. Ele ia e vinha, o “Seresteiro do Brasil”, o “Rouxinol”, o “Titio”, o “Caboclinho” e tantos outros apelidos que a própria história não registrou.

Quando jovem, ele pôde, como mecânico, ganhar o seu pão de cada dia, sempre com o desejo interior de fazer algo mais além de exercer aquele ofício. E, ao cantarolar entre amigos, reconhecia-se que ele era um verdadeiro talento. Nessas indas e vindas, Silvio Caldas, convidado por Antônio Gomes, o Milonguita, termina por estrear na Rádio Mayrink Veiga, levando a música popular a todos os veículos de comunicação.

Ele não só cantava, era um poeta. Fez uma verdadeira peregrinação por todas as capitais e Estados, porque acreditava naquilo que fazia, sonhava. Daí ser considerado “O Seresteiro do Brasil”.

Poucos conseguem, como Silvio, não apenas ter uma grande penetração junto ao público, mas, em face dos grandes enlatados, ter preservado o valor da cultura popular, da música brasileira, sustentando, consistentemente, que temos uma reserva muito grande do conhecimento musical, instrumental. Sem nenhum bairrismo ou regionalismo, a música popular brasileira tem lugar em todo o mundo.

O Sr. Francelino Pereira (PFL-MG) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Com muita honra, nobre Senador Francelino Pereira.

O Sr. Francelino Pereira (PFL-MG) - Senadora Benedita, esta é uma tarde de tristeza com a comunicação que V. Exª faz à Casa. Ao mesmo tempo, registro que ninguém melhor do que a Senadora Benedita da Silva, carioca, Representante do Rio de Janeiro no Senado da República, para expressar o sentimento brasileiro e o sentimento carioca pela morte desse grande cantor. Silvio Caldas está na nossa infância, nos corações de todos, na alma e no sentimento dos brasileiros, e a sua morte - confesso a V. Exª - vai causar muita tristeza a todo o tecido da sociedade deste País. Quero transmitir a sua família, através de V. Exª, Senadora Benedita da Silva, o nosso sentimento de pesar, não apenas de Minas Gerais e dos mineiros, mas do Brasil inteiro, sentimento que V. Exª traduz com muita propriedade. Se fico triste, por um lado, pela morte de um grande cantor; fico contente, por outro, pelo fato de esta homenagem ter sido iniciada pela palavra e pela sentimento de V. Exª, Senadora Benedita da Silva. Muito obrigado.

A SR.ª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Francelino Pereira. A homenagem que V. Exª, neste momento, presta a Sílvio Caldas tem o mesmo sentimento que me traz a esta tribuna. V. Exª, com o seu bom gosto, sabe que houve sempre qualidade.

Trata-se da perda de um grande amigo do Brasil, um grande companheiro da cultura e da música popular brasileira. Sabemos que ele não ficou apenas na música, mas teve também a sua participação no teatro - era um homem das artes também - e no cinema. Aliás, é bom que se diga que ele participou de um dos filmes de Humberto Mauro, chamado “Favela dos meu Amores”, que, mais tarde - quando nasci ele já existia e tinha o seu espaço e sucesso garantido -, até me inspirou em um determinado momento de minha vida para fazer uma poesia a respeito da favela. Como título, usei para a minha poesia o mesmo título do filme “Favela dos meus Amores”.

Também no Carnaval nós tivemos a sua presença marcante como o primeiro Cidadão Momo do Rio de Janeiro.

Seus discos, suas músicas, suas produções serão sempre lembradas em nossos corações. “Chão de Estrelas” é uma das suas grandes obras. É exatamente essa música que todos nós, hoje, ao sabermos de sua partida, estamos cantarolando no nosso interior. Fiquei pensando nessa música o tempo inteiro, porque ela tem muito a ver comigo. Os versos dessa música me trazem uma esperança de luz, de paz, de alegria e de prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SR.ª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Desejo solidarizar-me com V. Exª, Senadora Benedita da Silva, nessa manifestação de pesar pelo falecimento de Silvio Caldas, o maior seresteiro do Brasil, que tantas vezes elevou o bom nome da música brasileira. Conforme V. Exª acabou de dizer, Silvio Caldas, juntamente com Orestes Barbosa, escreveu uma das mais belas músicas e poesias da Literatura brasileira, “Chão de Estrelas”, observando como o luar, trespassando os buracos do telhado do barraco, salpicava de estrelas o chão dos que moravam naquela favela. Muitas vezes, esse verso foi considerado um dos mais belos da música brasileira. Como V. Exª disse, todos nós estamos cantando essa música tão bonita de Silvio Caldas. Prestamos a nossa solidariedade nessa passagem e expressamos o pesar de todos que admiravam e apreciavam a música de Silvio Caldas.

           A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Agradeço o aparte de V. Exª, que, juntamente comigo, assina o requerimento do voto de pesar por ocasião dessa passagem de tão ilustre figura popular brasileira.

           Cada vez que alguém fala, realmente viajo em meus pensamentos, porque essa música mexe demais com o meu interior. Reporto-me, não com saudades, já que foram dias difíceis, ao fato de que conheci muito bem - Sílvio Caldas poeticamente cantou esta realidade - o que é “o luar penetrando por um telhado de zinco perfurado e enchendo de estrelas o nosso chão”.

      O Sr. Nabor Júnior (PMDB-AC) - Permite-me V. Exª um aparte?

           A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Nabor Júnior (PMDB-AC) - Nobre Senadora Benedita da Silva, também desejo associar-me às manifestações de pesar que, na tarde de hoje, V. Exª está formulando da tribuna do Senado Federal, pela morte do grande seresteiro e cantor brasileiro Silvio Caldas. V. Exª se reportou às diversas atividades que ele exercia, não só as de cantor, como também as de compositor e de ator. Inclusive, ele participou do filme “Favela dos Meus Amores em Preto e Branco”, a que assisti quando criança, na época em que morava em Manaus. Ele era novinho e trajava uma camisa listrada. Esse filme foi rodado numa das favelas do Rio de Janeiro, cujos hábitos e costumes ele sabia tão bem cantar. Ele se sobressaiu exatamente por ser um grande divulgador da música popular brasileira. Lamentamos a sua morte, sobretudo quando se está escasseando, cada vez mais, o rol daqueles cantores românticos que existiram no passado, como Francisco Alves, Orlando Silva e tantos outros que souberam realmente exaltar a Música Popular Brasileira. Quero associar-me a essas manifestações justas que V. Exª está prestando a esse grande brasileiro, Silvio Caldas, que, por meio de sua música, soube divulgar nossos costumes. Muito obrigado.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Agradeço o aparte de V. Exª, que também constará desta manifestação, pelo fato de estarmos reproduzindo ao vivo, neste momento, um sentimento que é do povo brasileiro.

Quando V. Exª falou do filme “Favela dos Meus Amores em Preto e Branco”, realmente nos sentimos muito saudosistas. Trabalhando no cinema, Silvio Caldas se revela como ator. Mais adiante, ele acumula todo esse talento. Tudo isso se passou no Estado do Rio de Janeiro, onde, sem dúvida, há um grande acúmulo de pessoas talentosas. Esse Estado deve orgulhar-se dessa reserva.

Como eu, V. Exª tem lembranças, ainda como jovem, desse homem que pôde viver quase um século e que deixou, nos nossos corações, tanta saudade e, ao mesmo tempo, tanta tristeza pela sua perda!

Sr. Presidente, antes de concluir esta homenagem, com um profundo sentimento por essa perda, não posso deixar de registrar aquele acontecimento, ocorrido ontem, às 18 horas e 30 minutos, que considero trágico e que nos chocou profundamente. Esperávamos que aquela moça, Carla Tucker, fosse perdoada. Não desejamos, pura e simplesmente, deixar à solta alguém que tenha cometido um crime bárbaro. Não desejamos, pura e simplesmente, deixar passar a idéia de que devemos conviver naturalmente com marginais e com a marginalidade. Mas qualquer povo, qualquer nação, qualquer comunidade tem as suas normas, as suas leis, a sua Carta Magna elaborada.

Os acontecimentos dos últimos dias têm chamado a atenção da população dos Estados Unidos e do resto do mundo. O primeiro desses acontecimentos, sobre o qual me recuso a fazer qualquer comentário, diz respeito ao Presidente Bill Clinton.

Já a trágica morte de Carla me chamou a atenção, pois acredito na recuperação do ser humano. A morte dessa moça nos leva a fazer uma profunda reflexão. Não quero interferir nas leis e nas ações dos Estados Unidos. Apenas quero dizer que ela era uma ré confessa e, como tal, tinha a consciência de que, além de estar recuperada, também tinha a responsabilidade de reconhecer o seu ato. Ao mesmo tempo, ela declarou que era uma viciada e que nesse estado cometeu aquele crime.

Não estávamos presentes no momento em que aquela moça, juntamente com seu namorado, cometeu aquele bárbaro crime. Podemos até dizer que ela estava inconsciente, porque estava drogada. Será que não estamos cometendo uma grande injustiça? Essa moça, durante todo esse período, teve a oportunidade de recuperar-se, de reconhecer o seu erro e de considerar-se cidadã, chegando a constituir um casamento com aquele pastor. Essa moça reformulou a sua vida durante o tempo em que esteve presa, mas as leis, os homens e a sociedade não foram capazes de lhe dar a clemência necessária, ou seja, a prisão perpétua.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - V. Exª me concede um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Senadora Benedita da Silva, o que aconteceu com aquela moça, executada no Texas, reforçou minha convicção contra a pena de morte. Sem dúvida, ela cometeu um crime bárbaro ao matar duas pessoas à picareta, talvez até sob o efeito de drogas, mas parecia sinceramente arrependida. Senti na carne a crueldade extrema de se submeter uma pessoa a essa tortura de saber o dia e a hora em que irá morrer. Penso que nenhum ser humano merece isso. Duvido que o Estado, seja qual for, tenha o direito de fazer isso. Ontem, tive certeza também de que jamais a pena de morte vingaria no nosso País. Uma corte de juízes friamente recusou a revisão daquela pena, e o governador daquele estado dos Estados Unidos recusou o perdão àquela moça. Em frente à prisão, um grupo protestava, outro aprovava a execução, e outro estava indiferente, conforme divulgou a imprensa. No Brasil, creio que dificilmente uma Corte e um Governador seriam tão insensíveis. Duvido que houvesse alguém aplaudindo aquele ato de crueldade. Meus parabéns pelo seu discurso.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Agradeço a V. Exª pelo aparte. O episódio de ontem foi realmente chocante. V. Exª me toma as palavras quando aborda a frieza com que foram tratados os apelos do Papa, de pastores, de religiosos, de servidores. Até mesmo as pessoas que com ela conviviam, enxergando seu arrependimento, pediram que lhe fosse dada mais uma oportunidade de recuperação. Vimos que se tratava de apenas uma palavra, uma única palavra, mas que não foi dada. O Governador nem sequer fez como Pilatos, que lavou as mãos. Não; ele foi firme, frio, proferiu aquela sentença. Lamento profundamente.

Espero em Deus que aquela sociedade possa refletir sobre a necessidade de renovação, de mudança; espero que possa compreender os cristãos que, ali presentes, colocaram-se diante de Deus e dos homens, dizendo que temos fé na vida, que Deus veio na pessoa também de Jesus Cristo para que tivéssemos vida e a tivéssemos com abundância. Sempre defenderei a vida. Tal como V. Exª, sou contrário à pena de morte.

Obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/02/1998 - Página 2274