Discurso no Senado Federal

LEVIANDADE DE QUALQUER PROGNOSTICO ENVOLVENDO PREVISÃO DE ATAQUE ESPECULATIVO AO REAL.

Autor
José Serra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: José Serra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • LEVIANDADE DE QUALQUER PROGNOSTICO ENVOLVENDO PREVISÃO DE ATAQUE ESPECULATIVO AO REAL.
Publicação
Publicação no DSF de 05/02/1998 - Página 2352
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, PREVISÃO, ALBERT FISHLOW, ECONOMISTA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ESPECULAÇÃO, REAL, COMENTARIO, ORADOR, POSSIBILIDADE, ERRO, PREJUIZO, ESTABILIDADE, ECONOMIA.

           O SR. JOSÉ SERRA (PSDB-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no dia 11 de janeiro, o Professor e Economista norte-americano Albert Fishlow deu uma entrevista ao Estado de S. Paulo, prevendo que, em duas ou três semanas, a partir daquela data, haveria um ataque especulativo contra o Real. Nesta semana, na segunda-feira passada, completou-se o prazo, e o ataque, como todos nós constatamos, não aconteceu.

           Tal previsão, Sr. Presidente, na verdade, foi equivalente a prognosticar que choverá daqui a 21 dias, ou seja, representou apenas um palpite. Pode haver um ataque especulativo contra a moeda brasileira, mas não há como prever isso. E quero lembrar que a previsão de um ataque especulativo não é tão inofensiva quanto a previsão de que acontecerá uma trovoada. Em um mundo financeiro nervoso, como o que nos envolve nos dias atuais, uma previsão dessa natureza termina alimentando expectativas adversas com relação à fragilidade e à vulnerabilidade da economia brasileira; portanto, não é uma previsão neutra como a de uma chuva.

           Disse também o economista e professor que o Brasil sobreviveria ao ataque, mas isso, evidentemente, não é atenuante, porque não evitaria que os chamados agentes econômicos raciocinassem da seguinte maneira: “sobreviveremos, mas sairemos antes para não sermos feridos na batalha”. Creio que o prognóstico do Professor Fishlow é surpreendente, não tanto porque seja um especialista em Macroeconomia - além disso, está há bastante tempo afastado da universidade -, mas por sua fama de conhecedor do Brasil e pelo lugar permanente que ocupa no Council of Foreign Relations - Conselho de Relações Exteriores - de Nova Iorque -, que é um organismo indiscutivelmente influente.

           A surpresa aumenta pelo fato de que o Professor Fishlow - ao contrário de outros economistas norte-americanos, de Boston particularmente, como o Professor Jeffrey Sachs, de Harvard, ou os Professores Rudiger Dornbusch e Paul Krugman, do MIT, que são críticos da política brasileira - tem sido, diria, até um propagandista da política econômica relativa ao setor externo do Brasil. Ele chegou a ser, inclusive, um defensor da necessidade de sobrevalorizar o Real, quando não se perfilou entre aqueles que até negavam a existência de uma sobrevalorização, vejam só. De alguma maneira, sempre apareceu como uma espécie de porta-voz nos Estados Unidos da chamada equipe econômica do Governo brasileiro.

Portanto, uma previsão dessa natureza, tão sem base, tão leviana, realmente constitui uma surpresa. Pergunto-me, fazendo um pouco de psicologia do conhecimento, se ela não foi feita para formar - como se diria no “economês” norte-americano - uma espécie de hedge, de seguro com relação ao futuro. Se algo acontecer, dirão: “O professor tinha avisado”. Com isso, ganha-se mais notoriedade. Mas, tratou-se de um palpite, tal como apostar em corrida de cavalos, no hipódromo, ou de cachorros.

Por outro lado, Sr. Presidente, creio que é interessante o que aconteceu como elemento de reflexão a respeito do papel e das previsões dos economistas. Mesmo economistas infinitamente mais cotados que o Professor Fishlow não escaparam, não têm escapado, nem escaparão de palpites infelizes. O exemplo mais famoso é o do Professor Irving Fisher, considerado o economista norte-americano mais importante deste século e um dos melhores do mundo. Ele fundou uma nova teoria da moeda, e criou os números índices de preços. Por exemplo, índice de preço ao consumidor, o índice de preço por atacado etc. Quem fez esse trabalho de criação e implementação da utilização dos índices foi o Professor Fishlow. Imaginem a sua importância. Ele foi considerado, até, um dos precursores mais importantes do economista John Maynard Keynes, que é o nome mais alto da economia deste século.

            Em 1929, pouco antes da quebra da Bolsa de Nova Iorque - que, se não foi a maior da História, teve efeitos os mais dramáticos, pois deflagrou a Depressão dos anos 30 - o professor Fisher prognosticou que as cotações das ações da referida Bolsa tinham alcançado um nível que parecia ser permanentemente alto; logo depois houve uma forte queda do índice em questão. Três dias antes do estouro, ele declarou que esperava ver o mercado de valores em um ponto até mais alto. Depois da quebra, chegou a dizer, com a criatividade de expressão que têm os economistas, que aquela quebra representava apenas “um transbordamento da orla lunática”. Creio que os economistas lêem pouco Fisher, porque, se tivessem lido essa expressão, sem dúvida a teriam incorporado ao nosso economês.

Mais contemporaneamente, em abril de 1997, o Diretor-Executivo do Fundo Monetário Internacional, Sr. Michel Camdesus, deu declarações tão esfuziantes sobre a situação da economia internacional, que o Financial Times, jornal econômico de maior qualidade no mundo, estampou a seguinte manchete: “O futuro do mundo é cor-de-rosa, diz o FMI”. No final de setembro, em relatório, o mesmo Fundo frisou que: “Os diretores (do FMI) saúdam a Coréia do Sul por sua impressionante performance econômica”. Isso ocorreu três meses antes da quebra daquele país asiático. Imaginem a surpresa dos que acreditaram no prognóstico implícito nessa saudação feita pela Diretoria do Fundo Monetário Internacional.

Já o The Wall Street Journal, jornal econômico também influente, em junho do ano passado, consultando economistas e analistas de mercado, apontou a Ásia, excetuando o Japão, como a região onde os investimentos em Bolsa seriam os mais convenientes e atraentes nos 12 meses seguintes, ou seja, até junho deste ano.

Também quero lembrar que, na mesma época ou pouco depois, o Banco Mundial publicou livro sobre o sudeste asiático em que aconselhava os países em desenvolvimento, América Latina, África etc., “a emularem ou aperfeiçoarem a experiência econômica tailandesa”, isso quando a Tailândia já estava em franco processo de quebra.

O que dizer ainda, Sr. Presidente, dos equívocos das agências de rating, que dão notas A, B, C, etc. aos países, para, com isso, orientarem os investidores internacionais em suas aplicações? A Coréia, na véspera do estouro, da confusão de Hong Kong, recebeu uma nota A+ da empresa Standard & Poors. Outra empresa, a Fitch-LBCA, deu também nota A+ para a Coréia, no auge da confusão do sudeste asiático. Imaginem a situação dos investidores que acreditaram nessas agências.

Creio, Sr. Presidente, que, diversamente dos que perderam dinheiro com a última crise, os crédulos de 1929, que confiaram no professor Irving Fisher, tiveram, pelo menos, um consolo: graças a suas previsões erradas, o professor Fisher perdeu mais de U$8 milhões do seu bolso ou da sua bolsa. Perdeu esse valor em dólares da época. Ou seja, pelo menos ele pagou pelo equívoco das suas próprias previsões.

Com relação à crise atual e a todas as previsões estapafúrdias - seja por excesso de pessimismo, seja por excesso de otimismo -, ninguém está pagando nada. Se os economistas fossem sujeitos a perdas dessa natureza, não tenho dúvida de que agiriam com mais cautela, prefeririam análises cautelosas a chutes que acabam saindo pela linha de fundo e chegam até as piscinas do clube. Creio que fazem isso porque não lhes custa nada. E, aqui, podemos estimular a atividade criadora dos próprios economistas e tributaristas, etc. com vistas à criação de uma espécie de imposto por palpites errados. Tenho certeza que, se isso acontecesse, o mundo e mesmo a economia brasileira seriam melhores.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/02/1998 - Página 2352