Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO RELATORIO SOBRE A 'SITUAÇÃO MUNDIAL DA INFANCIA - 1998', ELABORADO PELO UNICEF, ENFATIZANDO A QUESTÃO NUTRICIONAL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DO RELATORIO SOBRE A 'SITUAÇÃO MUNDIAL DA INFANCIA - 1998', ELABORADO PELO UNICEF, ENFATIZANDO A QUESTÃO NUTRICIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 05/02/1998 - Página 2361
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, RELATORIO, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), SITUAÇÃO, INFANCIA, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, AMBITO, NUTRIÇÃO, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO.
  • ANALISE, PROBLEMA, DESNUTRIÇÃO, REFERENCIA, PROGRAMA, BRASIL, APOIO, ALEITAMENTO MATERNO, MELHORIA, INDICE, NUTRIÇÃO, CRIANÇA.
  • REGISTRO, TRABALHO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), IGREJA CATOLICA, BRASIL, REDUÇÃO, TAXAS, DESNUTRIÇÃO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF divulgou, há pouco, o seu Relatório sobre a “Situação Mundial da Infância - 1998”, em que se dá singular ênfase à questão nutricional.

Em síntese, essa Organização relaciona as providências de governo, no tocante às prioridades permanentes de investimento, e os resultados sociais obtidos na nutrição da infância, revelando-nos que metade “do crescimento econômico do Reino Unido e de inúmeros países da Europa Ocidental entre 1790 e 1980, por exemplo, foi atribuído às melhorias na nutrição e nas condições de saúde e saneamento, que foram investimentos sociais realizados um século antes”. 

Por isso, consigna o Relatório a desnecessidade de recorrer a supercomputadores para obter “uma visão de certos aspectos do futuro”, pois, em sua maior parte, os acontecimentos do próximo milênio podem ser antevistos pelos cuidados prioritários que hoje dedicamos às nossas crianças.

Dessa forma, considera o UNICEF, “a única agência das Nações Unidas dedicada exclusivamente à criança”, que “uma nutrição adequada pode mudar a vida das crianças, melhorar seu desenvolvimento físico e mental, proteger sua saúde e estabelecer uma base sólida para sua produtividade futura”.

Essa verdade exige a compreensão dos povos das nações em desenvolvimento, nas quais a desnutrição infelicita aproximadamente 200 milhões de crianças de até 5 anos de vida. Mais de 6 milhões desses infantes morrem a cada ano; outros, igualmente desnutridos, sobrevivem adoecendo com freqüência, manifestando, na fase de crescimento, permanente incapacidade física e mental.

Trata-se, no entanto, de sofrimento e desperdício humano derivados de moléstias perfeitamente evitáveis, segundo conclui o Relatório, “se o aleitamento materno não fosse interrompido precocemente, se as necessidades nutricionais da criança fossem suficientemente compreendidas, se preconceitos profundamente arraigados não aprisionassem mulheres e crianças na pobreza”.

Daí ter-se a desnutrição como a “emergência silenciosa”, alguma coisa real e persistente, com “profundas e assustadoras implicações para a criança, a sociedade e o futuro da humanidade”, e que se não restringe aos países em desenvolvimento. Em certas nações industrializadas, o aumento das disparidades na distribuição da riqueza, somado à escassez de programas de amparo social, produz resultados preocupantes em termos de “bem-estar nutricional da criança”.

Lembra o Relatório que, por muito tempo, a desnutrição foi vista como uma das resultantes da pobreza; sabe-se hoje, com mais segurança, “que ela é também uma das causas da pobreza”. Conquanto em certas partes do mundo, como na América Latina e na Ásia Oriental, se tenham registrado notáveis avanços nos programas de redução da desnutrição infantil, geralmente notou-se significativo acréscimo no número de crianças desnutridas.

Na Ásia Meridional, metade delas são desnutridas. Na África, uma em cada três crianças “está abaixo do peso”, observando-se que “em muitos países do continente o status nutricional das crianças está piorando”. Muitas estão propensas a morrer de doenças comuns da infância, não se contando aquelas que as podem acometer ao longo da vida, face à ligação entre a desnutrição no início da existência e o desenvolvimento de “condições crônicas como doenças coronárias, diabetes e hipertensão”.

Acrescenta que, “além dos fatores fisiológicos”, a desnutrição está relacionada a outras causas, como as de origem social, política, econômica e cultural. Exemplo disso, a discriminação e a violência contra a mulher são motivações importantes de desnutrição, pois ela “é a principal provedora de alimentação durante os períodos mais cruciais do desenvolvimento da criança”. Os cuidados com o seu bem-estar nutricional restam prejudicados “quando a divisão de trabalho e dos recursos dentro da família e nas comunidades favorece os homens, e quando as mulheres e as meninas enfrentam discriminação no acesso à educação e ao emprego”.

O UNICEF finaliza a introdução de seu Relatório enfatizando que “a única conclusão simples quanto à desnutrição é que o custo que impõe à sociedade é imenso”. Dos cerca de 12 milhões de mortes de menores de 5 anos, ocorridos nos países em desenvolvimento, a cada ano, a maioria pode ser “direta ou indiretamente atribuída à desnutrição”. No percentual de 55% das mortes conseqüentes da desnutrição, 19% ocorreram devido às diarréias; 19% às infecções respiratórias agudas; 18% às causas perinatais; 7% ao sarampo; 6% à malária; e 32% a outras causas.

Afirma que, “não houvesse qualquer outra conseqüência para a desnutrição, estas estatísticas terríveis seriam mais do que suficientes para justificar urgência mundial na prioridade para sua redução, e para classificar a inércia como uma afronta escandalosa ao direito humano à sobrevivência”.

Infelizmente, além do problema “da sobrevivência infantil e da mortalidade e da morbidade maternas”, as crianças desnutridas suportam, por toda a vida, “incapacitações e fragilidades em seu sistema imunológico”, acrescentadas de “limitação em sua capacidade de aprendizagem”. Quando pequenas, as crianças desnutridas não têm, ao contrário das bem nutridas, “a motivação e a curiosidade”, apresentando redução das atividades “ligadas aos atos de brincar e explorar”.

Há comprometimento “do desenvolvimento mental e cognitivo” e redução dos “níveis de interação da criança, tanto com o meio ambiente quanto com as pessoas responsáveis por ela”. Ademais, a desnutrição da gestante pode acarretar “retardamento mental do bebê” e, na primeira infância, o atraso no desenvolvimento psicomotor e o comprometimento cognitivo, em conseqüência da anemia devida à insuficiência de ferro.

Há uma redução de cerca de 9 pontos no QI dessas crianças. A deficiência desse mineral determina que, “em média, o QI de bebês com baixo peso ao nascer é 5 pontos inferior ao QI das crianças sadias”. As que “não recebem aleitamento materno apresentam QI 8 pontos inferior ao QI daquelas que são amamentadas”.

Julga o Relatório, conseqüentemente, que “a redução da inteligência humana em tais níveis, por motivos quase totalmente evitáveis, constitui um desperdício imoral, e até mesmo criminoso”. Destituídas de “potencial físico e mental, crianças desnutridas que superam a infância enfrentam um futuro sem perspectivas. Serão adultos com capacidades físicas e intelectuais reduzidas, com níveis de produtividade mais baixos, e níveis mais altos de doenças crônicas e de incapacitações.

Ao nível familiar, para as famílias pobres, podem ser devastadores os custos e as pressões crescentes que as incapacitações e as doenças ligadas à desnutrição impõem às pessoas que cuidam dessas crianças, principalmente as mães, a quem os já sobrecarregados serviços de saúde dos países em desenvolvimento oferecem pouca ou nenhuma ajuda.

E quando as perdas registradas no microcosmo da família se repetem milhões de vezes ao nível da sociedade, o desgaste imposto ao desenvolvimento abala seu equilíbrio global. Estima-se que, no ano de 1990, “a perda mundial de produtividade social” causada pela desnutrição “foi equivalente a quase 46 milhões de anos de vida produtiva e sem limitações provocadas por incapacitações físicas ou mentais”.

Em certas nações, calcula-se que a carência de vitaminas e minerais represente o equivalente a mais de 5% do Produto Nacional Bruto - PNB, sob a “forma de perda de vidas, de capacidade e de produtividade”. A Índia e Bangladesh, segundo esses cálculos, “tiveram confiscados 18 bilhões de dólares, em 1995”. A falta de resistência às doenças, tão comum nas crianças desnutridas, minimiza a eficácia dos vultosos recursos investidos nos serviços básicos de saúde e de saneamento.

Da mesma forma, “investimentos em educação básica realizados pelos governos e por seus parceiros ficam comprometidos pelos efeitos perniciosos da desnutrição sobre o desenvolvimento do cérebro e sobre o desempenho intelectual”, conforme salientamos. A deficiência de minerais, característica dos desnutridos, é fator “particularmente preocupante em países que lutam para melhorar seu sistema educacional”.

Diz o Relatório ser “difícil cometer exageros ao se avaliar a devastação causada pela desnutrição, assim como também é difícil superestimar o poder da nutrição para neutralizar essa devastação”. A boa nutrição constitui “a chave para o desenvolvimento saudável dos indivíduos, das famílias e das sociedades”, contribuindo para a resolução dos grandes problemas na área da saúde, que incluem as “doenças crônicas e degenerativas, a mortalidade materna, a malária e a AIDS”.

Felizmente, “mesmo nos países ou nas regiões mais pobres é possível proteger ou melhorar sensivelmente as condições de saúde e de desenvolvimento da criança e da mulher”. Faz o UNICEF, então, uma referência especial ao Brasil, onde em certas regiões “a porcentagem de crianças abaixo do peso caiu de 17%, em 1973, para apenas 6%, em 1996, ao longo de um período durante o qual os índices de pobreza quase duplicaram”.

Relaciona como experiência bem-sucedida a Iniciativa Hospital Amigo da Criança - IHAC, dentro de um “programa estruturado para o apoio do aleitamento materno, que em apenas 6 anos ajudou a transformar mais de 12 mil hospitais, distribuídos por 114 países, em centros de apoio para a boa alimentação do bebê”. Neles, é promovida “orientação eficaz e qualificada para iniciar o aleitamento de maneira saudável”, protegendo mulheres e crianças da exposição “às atividades publicitárias e promocionais de leite em pó infantil ou mamadeiras”.

Constituem uma “garantia de que as mulheres e os recém-nascidos possam permanecer sempre juntos”, de que os bebês sejam amamentados logo após o parto, e de que continuem a ser alimentados exclusivamente com leite materno. No Nordeste do nosso País, “o Hospital Acari atribui à IHAC a sensível diminuição dos custos de hospitalização de bebês, e a redução dos casos de morte entre eles.

“A boa alimentação do bebê inclui não só o apoio ao aleitamento materno, mas também a garantia de boas práticas de complementação alimentar para crianças a partir dos 6 meses de idade, cujas necessidades nutricionais não possam mais ser atendidas apenas pelo leite materno, embora seja importante a manutenção do aleitamento materno sustentado até os 2 anos de idade”.

Há referência, também, ao Programa da Pastoral da Criança - PPC, do qual se esperam bons resultados para a proteção da saúde e do desenvolvimento das crianças pobres. Basta ver que, nas comunidades onde vem sendo implementado, “a taxa de desnutrição entre menores de 5 anos não passa de 8% contra a taxa nacional de 16,3%, registrada em 1996, por uma Pesquisa de Demografia e Saúde. Além disso, a média nacional de incidência de baixo peso ao nascer é de 9,2%, enquanto nas comunidades assistidas pelo Programa da Pastoral da Criança chegam a apenas 6%”.

A Pastoral, que é uma das maiores organizações não governamentais do mundo, atualmente opera em 22 mil comunidades brasileiras, “em cidades grandes e pequenas, assim como em áreas rurais, e atende 2,1 milhões de famílias, incluindo mais de 3,1 milhões de crianças menores de 6 anos de idade e cerca de 144 mil gestantes”.

Para tanto, utiliza um contingente de “cerca de 83 mil voluntários da comunidade, principalmente mulheres, que trabalham diariamente com 10 a 20 famílias, em sua própria vizinhança”. Essas lideranças comunitárias estão “treinadas em técnicas básicas de cuidados de saúde e de nutrição da mãe e da criança, incluindo monitoramento do crescimento, o controle das vacinações, o apoio ao aleitamento materno, o tratamento da diarréia com a terapia de reidratação oral, e a prevenção e a detecção da pneumonia”.

Usando “veículos de radiodifusão”, são transmitidas mensagens relativas “à nutrição e à saúde, produzidas pela Pastoral da Criança e divulgadas no programa Viva a Vida, uma ou duas vezes por semana, por 910 estações de rádio”. A Pastoral recebe 25% da renda da Campanha Criança Esperança, destinada ao UNICEF, que a emprega em benefício de localidades com altas taxas de mortalidade infantil, em todo o País, com isso alcançando a redução de 14% nas taxas de desnutrição.

Por derradeiro, aponta o Relatório que “o fortalecimento de alimentos básicos com ferro, vitamina A, iodo e outros micronutrientes constitui a opção mais sustentável e mais eficaz quanto à relação custo-benefício para a eliminação das deficiências de micronutrientes”. Por exemplo, a iodatação do sal, que desde 1990 alcança uma população adicional de 1,5 bilhão de consumidores em todo o mundo, poupando anualmente milhões de bebês do retardamento mental, é uma comprovação da eficácia de programas de fortificação alimentar.

No entanto, os custos do fortificante são recorrentes. “A posição competitiva dos fortificantes no mercado pode ficar mais comprometida em função do controle de preços ou de tributação, e os governos podem desempenhar um papel muito útil nestas áreas. Quando o Governo do Brasil eliminou o controle de preços e reduziu um imposto de valor agregado que incidia sobre o leite, a produção leiteira recebeu um impulso, e a fortificação do leite passou a ser mais atraente para os produtores”.

Estamos concluindo estas resumidas apreciações do Relatório do UNICEF sobre a “Situação Mundial da Infância - 1998”, acrescentando que ele expõe, em letras realistas, “a imensa crise invisível da desnutrição”, a grande responsável pela maioria das mortes infantis no mundo todo. Ao mesmo tempo, é documento convocatório de todas as nações do globo, para que se alinhem na gigantesca tarefa de proteção da criança, contra a violação dos seus direitos e o comprometimento de “seu desenvolvimento físico e mental, ajudando a perpetuar a pobreza.”

Era o que tínhamos a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/02/1998 - Página 2361