Discurso no Senado Federal

ANALISE HISTORICA DAS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS TRABALHADORES COM VISTAS A JUSTA REMUNERAÇÃO DE SEU TRABALHO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ANALISE HISTORICA DAS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS TRABALHADORES COM VISTAS A JUSTA REMUNERAÇÃO DE SEU TRABALHO.
Publicação
Publicação no DSF de 07/02/1998 - Página 2511
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, ESTUDO, HISTORIA, IDEOLOGIA, JUSTIFICAÇÃO, EXPLORAÇÃO, TRABALHADOR, MANUTENÇÃO, INFERIORIDADE, NIVEL, SALARIO, GARANTIA, PRODUTIVIDADE.
  • CRITICA, GOVERNO, ADOÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, IMPOSIÇÃO, TRABALHADOR, BAIXA RENDA, LIMITAÇÃO, SALARIO, RECUSA, REAJUSTAMENTO, ALEGAÇÕES, ESTABILIDADE, ECONOMIA.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, parece-me que hoje este Governo levanta argumentos para justificar a sua pulsão contra os trabalhadores brasileiros, contra os funcionários públicos brasileiros, tentando projetar freudianamente a culpa pelas suas mazelas, a culpa por aquilo que já tem sido chamado de caos completo da economia mundial e, em especial, da economia brasileira. Quando se afirma no mundo, por intermédio da autoridade de vários observadores, que o Brasil seria e será a bola da vez, ainda mais se eriçam os argumentos trôpegos do Governo.

Por meio do arrocho salarial e do desemprego imputado aos trabalhadores, pretende-se covardemente dizer que os trabalhadores brasileiros de repente não são mais capazes de operar a nova tecnologia, quando todos sabemos que os avanços tecnológicos que existiram, pelo menos desde a Revolução Industrial do século passado - 1780, se deveram justamente a um processo em que a divisão do trabalho na grande indústria vai transformando o indivíduo em trabalhador parcial, a quem cabe apenas um gesto simples na linha de montagem, na divisão do trabalho. Todos sabemos disso, e as máquinas modernas não têm nem sequer letras, não têm nem sequer palavras; têm apenas desenhos que permitem ao trabalhador operar até mesmo sem saber ler e escrever.

Demonstro, em poucas palavras, o nosso convencimento de que esse sistema é o herdeiro de uma série de formulações ideológicas, de mentiras inventadas por aqueles que desejam explorar impunemente os trabalhadores. Rapidamente, vou fazer um resumo de 500 anos de mentiras, de ideologias que têm por objetivo justificar a exploração e as razões do seu aumento.

Diz Max Weber que, quando secou a raiz religiosa, quando a sociedade teocêntrica se laicizou, tornando-se leiga, surgiu o argumento segundo o qual os trabalhadores não podiam e não deviam ter salários elevados porque, se os tivessem, eles se dariam a luxúria, os vícios, a bebida e perderiam o reino dos céus. Havia ainda o argumento de que só o salário baixo fornece produtividade. Isso foi há 500 anos, mas hoje se repete.

Há 500 anos, Pierre de La Court e outros levantaram esta argumentação: não é possível permitir-se um salário elevado, porque isso leva à baixa produtividade. O argumento ligado ao reino dos céus e à salvação agora se transforma em um argumento econômico: não se pode pagar muito ao trabalhador; se isso ocorrer, ele reduz sua produtividade. O trabalhador só produz, segundo eles, enquanto tem fome, enquanto ganha pouco, enquanto precisa trabalhar para sobreviver. Por essa razão, ele não pode e não deve receber um grande salário. Quando esse argumento se desmoraliza, quando essa mentira se mostra rota, esfarrapada, quando já não convence mais ninguém, arranjam um outro raciocínio, uma outra versão ideológica igualmente falsa. Surge, então, entre os economistas, a teoria do fundo de salário. Conforme essa teoria, a sociedade mantém uma cesta enorme de alimentos e de meios de consumo para os assalariados. Havendo aumento de salário e de consumo por uma parte dos trabalhadores, obviamente essa cesta não será suficiente para atender às necessidades dos outros. Essa cesta fixa de bens consumo para o assalariado impede necessariamente o aumento do salário real. Portanto, as lutas dos trabalhadores no sentido de aumentar os seus salários fracassarão inexoravelmente diante dessa situação. Pois bem, a essa mentira Robert Malthus soma uma outra: a de que, se os salários aumentarem, os trabalhadores vão ter mais filhos. É a Teoria da População, de Malthus, acoplada à perversidade e à possibilidade de que ela consiga raízes mais sólidas, mais aceitas.

Segundo Malthus, se os trabalhadores recebem um salário mais elevado, têm mais filhos. Isso acontecendo, aumenta a oferta de mão-de-obra, o que pressiona os salários para baixo. Aumentar os salários, portanto, significa reduzi-los logo em seguida. Sendo assim é tarefa inútil os trabalhadores lutarem por qualquer acréscimo de salário. Essa teoria clássica, do fundo de salários, acoplada à teoria da população Malthusiana é perversa. Malthus era contrário até mesmo a que as igrejas distribuíssem sopa aos pobres. Quem chegou tarde ao banquete - diz Malthus, nos seus Principles - não deve perturbar o banquete daqueles que têm lugar à mesa, da aristocracia e da burguesia; a eles só compete se despedirem, morrerem calados, sem protestar.

Uma vez desmoralizada essa versão ideológica, mentirosa, de objetivo ainda molhado pelo líquido amniótico das entranhas da Idade Média, tiveram que inventar nova teoria, a Teoria Neoliberal - 1873, que é expressa numa linguagem que os trabalhadores não podem entender. Trata-se de uma mentira, mas apenas para os doutos, para os iniciados; uma mentira que deixou os trabalhadores perplexos, sem orientação. Como é que essa nova mentira se expressa? Diante da Revolução Industrial, que faz multiplicar a produtividade do trabalho humano, que faz aumentar e potencializar a produtividade do trabalho humano na grande indústria. Os neoliberais afirmam que existem rendimentos decrescentes na indústria, quando Ricardo, Marx, principalmente os não-economistas, vêem, a cada dia, inovações em todos os setores - Arkright, Cartright, Hargreaves -, as quais aumentam a produtividade do trabalho humano. E os neoliberais invertem o mundo, porque, se o trabalho humano fornece produtividade crescente, os salários devem participar desse incremento de produtividade. Então, os neoliberais botam o mundo de cabeça para baixo e dizem que na grande indústria, essa indústria altamente eficiente, há rendimentos decrescentes. E se os rendimentos são decrescentes, os salários também devem ser decrescentes, obviamente. Se os rendimentos são constantes, os salários devem ser constantes; se os rendimentos, como acontece desde o início da Revolução Industrial, são crescentes, os salários devem participar dos incrementos de produtividade e, portanto, são também crescentes. Os neoliberais invertem o mundo, erguem e incorporam uma linguagem que fica fora do acesso dos trabalhadores de praticamente quase todo o mundo.

E o que fazem eles então? Uma grande armadilha, dizendo que existe um momento em que nem a técnica, nem a organização, nem o equipamento mudam. Se não muda a técnica, se não muda a organização, se não mudam os equipamentos, essa indústria está congelada, paralisada. E assim eles supõem que, na imagem irreal e invertida da indústria, só pode variar o número de trabalhadores. Se o número de trabalhadores vai aumentando e o capitalista não pode comprar máquinas, não pode mudar a organização e nem o equipamento, obviamente haverá um momento em que um trabalhador estará atrapalhando o trabalho do outro, e entram, então, em rendimentos decrescentes. Então, aplica-se a idéia de função ao se aumentar o volume de emprego a rendimentos decrescentes. O salário que ganha o trabalhador adicionado, incorporado ao processo produtivo, só pode ser menor do que aquele anterior que teve uma contribuição produtiva maior. A cada trabalhador contratado os rendimentos apresentam-se decrescentes, aplicando-se a idéia de função, de limite e de derivada em cima dos trabalhadores quase analfabetos.

A partir desse momento, é óbvio que a discussão fica mais complicada, porque os neoliberais inventaram e traduziram em linguagem matemática aquilo que Marx já havia visto. Criam uma representação do mundo e tentam dar - como dizia Marx - uma precisão matemática a essa representação, a essa falsa imagem do mundo.

De modo que, então, o que vemos é que cria um tempo artificial, justamente adequado para chegar à conclusão mentirosa, falsa, contrária aos trabalhadores, de que há rendimentos decrescentes num mundo em que a produtividade cresce visivelmente.

Depois, em 1936, uma vez que essas mentiras neoliberais entraram em crise, desmoralizaram-se em 1929, vem Lord Keynes, um outro espertíssimo inglês, e faz o que foi chamado de Revolução Keynesiana, uma revolução para dar outras justificativas ao mesmo processo de redução de salários, de espoliação do trabalhador.

Qual é a voz que o trabalhador tem? Como rebaterá o trabalhador essa argumentação que ensinam nas universidades, que permeia a mente distorcida daqueles que só pensam em aumentar a produtividade, o lucro, e explorar, cada vez mais, a massa de trabalhadores? Vejam o que diz Lord Keynes na sua Revolução de 1936: “Não discuto aquilo que os neoliberais, com razão, consideraram como irrevogável. Em dada técnica, organização e equipamento, existe uma correlação unívoca e inversa entre o volume de emprego e o salário que ganha uma unidade de trabalho, de tal maneira que o emprego só pode aumentar se os salários diminuírem. Os salários diminuem e os lucros aumentam.”

Portanto, agora vem o mentiroso do Lord Keynes, na sua “Revolução das Aparências”, e concorda com o essencial para eles, que é justificar o arrocho salarial, a redução dos salários. Então, ele diz que o emprego só pode aumentar se os trabalhadores consentirem na redução de seus salários; e, se não consentirem nessa redução, são culpados por estarem fora do mercado de trabalho, por estarem desempregados. O culpado pelo desemprego continua sendo o trabalhador, que não consentiu em trabalhar por zero ou negativo. A zero or negative wage assegurará pleno emprego continuamente. Se os trabalhadores pagassem para trabalhar, todos os empresários iriam contratá-los.

Então, num absurdo crescente a que esses ideólogos, grandes teóricos de prêmios Nobel chegam, estaríamos numa situação pior do que a escravidão, porque, nesse mundo de trabalhadores assalariados, eles teriam de pagar para trabalhar.

Diz Alfred Marshall, professor de Lord Keynes, que os trabalhadores não consentirão em trabalhar por nada, por zero, por negativo ou em pagar para trabalhar, para não “spoil the market”, para não estragar o mercado, que é algo bonitinho, bem arrumado, tem uma grande inteligência, quase divina. Portanto, se os trabalhadores venderem suas mercadorias por um preço negativo, por um preço abaixo de zero, estragarão a lógica do mercado. Não é porque podem morrer de fome ao ganharem zero, isso não tem importância para os ideólogos: é que eles estragam o mercado. Assim, é muito natural que, neste País e neste continente onde sequer uma versão ideológica apareceu - todos esses autores a que me referi são europeus -, nunca tenha havido uma inteligência suficientemente distorcida e esperta para organizar uma nova versão mentirosa ideológica.

Então, o que fazemos aqui? Mentiras mais grosseiras ainda, e dizemos que, tendo em vista a globalização e a tecnologia modernas, é necessário que os salários se reduzam. Tendo em vista a incapacidade dos trabalhadores de acionarem e de trabalharem nessa nova tecnologia, eles devem ir para casa, devem ir para a rua; e é tão poderosa esta possibilidade, este poder de enfiar na cabeça dos trabalhadores que eles são culpados pelo seu desemprego que eu ouvi, estarrecido, outro dia, um líder sindical dizendo, repetindo, que é devido à falta de capacitação que os trabalhadores estavam desempregados.

De modo que essas mentiras, essas versões ideológicas mentirosas e sucessivas não são inócuas nem teóricas apenas: elas têm um efeito na prática, elas exercem um efeito sobre as cabeças e, obviamente, obscurecem o mundo, como disse Karl Mannheim em sua “Ideologia e Utopia”, não apenas para aqueles que se submetem a essas idéias, a esse obscurecimento ideológico, mas obscurecem também para as classes dominantes, para o poder. O poder também perde a sua noção, o seu norte, a sua orientação.

Portanto, é realmente lamentável que, aproveitando-se de uma situação dessas, se tente desmoralizar cada vez mais os sindicatos, justificar-se a redução de salários, fazer com que os direitos trabalhistas sejam jogados na lama: o décimo terceiro salário, a indenização por dispensa sem justa causa, a carteira assinada e, obviamente, o reajuste dos salários. O que existe é a negativa contumaz em reajustar os salários e vencimentos, diante uma inflação que se diz residual, já acumulada em cerca de 65% desde o início dessa estabilidade.

Suharto, o Presidente da Indonésia, por esses instrumentos, também conseguiu estabilizar seu país. Agora, pretende concorrer à sétima reeleição. Queira Deus que não cheguemos lá!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/02/1998 - Página 2511