Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA CHAMADA LEI PELE, QUE APROVA COM RESSALVAS A ALGUNS ASPECTOS.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE.:
  • CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA CHAMADA LEI PELE, QUE APROVA COM RESSALVAS A ALGUNS ASPECTOS.
Publicação
Publicação no DSF de 07/02/1998 - Página 2517
Assunto
Outros > ESPORTE.
Indexação
  • ANALISE, PROJETO DE LEI, AUTORIA, EDSON ARANTES DO NASCIMENTO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO, ESPORTE, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, SENADO, MODERNIZAÇÃO, PRATICA ESPORTIVA, ESPECIFICAÇÃO, FUTEBOL, FORMA, NEGOCIAÇÃO, AQUISIÇÃO, TRANSFERENCIA, VENDA, ATLETA PROFISSIONAL, CLUBE.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ontem aprovamos, numa reunião conjunta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Comissão de Assuntos Sociais e Comissão de Educação, a proposta dos Relatores, seus respectivos pareceres a respeito da nova lei do esporte brasileiro, a chamada Lei Pelé.

Foi uma reunião bastante tumultuada e creio que algumas questões ficaram mal resolvidas, Sr. Presidente, entre elas a do parecer do Senador Leomar Quintanilha. Não me parece que tenha havido ali um claro e insofismável caminho de solução; andou-se ali por uma linha torta. Um parecer deve conter o seu enunciado e sua conclusão, em que o Relator deve cingir-se a uma opção contrária ou favorável, apresentando, concomitantemente, as emendas que entende serem necessárias para um eventual aperfeiçoamento do projeto.

Li o parecer do Senador Leomar Quintanilha e reconheço que, em muitas questões pontuais, tem razão S. Exª, uma vez que apresenta soluções, a meu ver, equilibradas, que procuram equacionar problemas persistentes no esporte brasileiro, principalmente a partir de uma versão do futebol. É importante sempre salientar que essa é uma lei do esporte e não do futebol. Mas é evidente que o esporte mais profissionalizado e que, portanto, está sendo mais contundentemente atingido por essa futura lei, por esse projeto, é, sem dúvida alguma, o futebol.

Não creio, Sr. Presidente, que esse projeto possa passar em branco aqui, no Senado, sem uma análise, com maior acuidade, com maior detalhamento, com uma perspectiva mais aprofundada.

Estamos apreciando questões que afligem o País e que são de crucial importância. Votamos a Reforma Administrativa e todas as emendas. Ontem, a Comissão Especial da Câmara, numa reunião fisicamente tumultuada, aprovou a Reforma da Previdência. Portanto, as questões exponenciais do País estão sendo resolvidas, mas o esporte, principalmente quando envolve transações comerciais de grande vulto, operações financeiras milionárias, negócios, quando tem a ver com empregos, com empresas, com sociedades comerciais, entra nessa esfera das preocupações econômico-sociais que fazem parte da pauta do Congresso Nacional.

O Ministro Extraordinário dos Esportes Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, que é um símbolo, que é uma figura preciosa da história do esporte brasileiro, tomou a iniciativa de apresentar um projeto de lei que viesse a modernizar e a institucionalizar essas relações comerciais, essas relações de negócios que se dão no âmbito dos esportes brasileiros, principalmente no âmbito do futebol.

O Pelé é um símbolo de atleta, é talvez a figura máxima que o Brasil apresenta perante o mundo e perante si mesmo. Falar sobre Pelé é redundante porque nenhum outro atleta teve a si dedicadas tantas palavras de elogio, de homenagem, de apreço merecido, como teve o nosso Edson Arantes do Nascimento. É um orgulho para os brasileiros tê-lo como integrante da nossa comunidade nacional e também como nosso Ministro.

Mas queria, Sr. Presidente, levantar uma outra questão que nem sempre a imprensa brasileira e os seus comentaristas colocam no parâmetro ou no patamar que entendo ser o mais necessário e o mais adequado. Há um valor extraordinário no mérito do atleta: a busca esforçada, intensa e continuada da excelência, que é o objetivo do esporte. E, sem dúvida alguma, homens como Pelé, homens e mulheres como os atletas brasileiros que já nos representaram em competições internas, em competições externas e em grandes competições olímpicas, são resultado dessa busca incessante e continuada da excelência, ou seja, da qualidade, do mérito, do auto-rendimento físico e mental, ou seja, a busca do extremo, mas do extremo da sua capacitação, do seu potencial, da sua qualificação, do seu condicionamento. Isto exige sacrifício, esforço, uma postura sóbria, de autocontrole. Portanto, há mérito e excelência na atividade esportiva, o que deve ser premiado, gratificado. A forma pela qual o profissionalismo desses atletas é pago e gratificado são os salários, as indenizações e, muitas vezes, as vultosas somas em dinheiro que recebem aqueles de grande expressão nacional e internacional.

Todavia, o esporte brasileiro não é feito só disso. Este, sem dúvida, é um dos valores que devem ser preservados, sustentados, prestigiados e mantidos continuadamente, e a lei cuida muito bem de prestigiar o valor mérito e excelência do atleta, no que é extraordinária e positiva desse ponto de vista.

Há ainda um outro aspecto, uma peculiaridade da sociedade brasileira, a qual, como disse, a imprensa brasileira um tanto quanto despreza, reduz o seu valor e a sua dimensão, subestimando-a, qual seja, a chamada história, bem como o conteúdo popular das associações esportivas.

As associações esportivas brasileiras, Sr. Presidente, têm algo que se chama história, que não é um valor pequeno, menor, insignificante. A historicidade das associações esportivas é um valor que está diretamente ligado ao seu conteúdo popular, à sua legitimidade social. Associações esportivas de grande conteúdo histórico e popular têm enorme legitimidade político-social, se é assim que podemos entender e considerar. Assim, os clubes de futebol do Brasil, não apenas os grandes, que fazem parte da primeira divisão do esporte profissional, mas todos, as centenas de clubes de futebol deste País, de atividade profissional, que têm uma história centenária, que têm uma longa trajetória de contribuições humanas, de sacrifícios pessoais, de participação multitudinária do povo brasileiro. Portanto, Sr. Presidente, o valor desse conteúdo histórico popular é essencialmente democrático.

Às vezes - e faço aqui uma análise extremamente pontual, dirigida, não generalizada -, alguns jornalistas ou representantes de opinião pública, as pessoas dotadas do poder de opinião costumam subestimar esse valor, costumam desconsiderá-lo, fazendo uma confusão com as figuras, às vezes folclóricas e outras tantas realmente vexatórias, do esporte brasileiro. Há pessoas que realmente utilizam o esporte como instrumento para sua autopromoção, para o seu benefício pessoal, enfim, aqueles a quem imprensa chama “cartolas”. Todavia, há uma confusão, a meu ver, absolutamente repetida e que, a cada vez que é por nós registrada, vem carregada de sarcasmo, de ironia, com uma consideração de que esses valores são menores, desprezíveis, para dizer o menos.

Confunde-se essa “cartolagem”, que sei pode existir em alguns clubes e, eventualmente, existe, com uma outra coisa que se chama valor histórico e conteúdo popular, a extraordinária legitimidade democrática dos clubes de futebol, que expressam a vontade e o sentimento de milhões e milhões de cidadãos brasileiros que ali colocam a sua alma, os seus sonhos, as suas esperanças, que ali colocam boa parte da sua vivência social.

E, ao contrário, muitas vezes, quanto mais forte é o clube, quanto mais significativa é a sua presença, mais é criticado pelas práticas de “cartolagem”. No entanto, é importante dizer que, por trás disso, há um enorme e importante conteúdo popular que precisa ser respeitado.

Digo isso, Sr. Presidente, preliminarmente, porque creio que não é só o atleta que tem de ser mantido, preservado e prestigiado, mas também os clubes de futebol. E, aí, surge uma questão, uma indagação: qual é a fonte de renda dos clubes de futebol no Brasil? Qual é a origem dos recursos com os quais mantêm a sua sede, a folha de pagamento dos atletas, os seus serviços, toda a prestação que fazem no sentido de qualificar a sua atividade esportiva?

Pode-se pensar que um clube de futebol vive da renda dos jogos - o chamado borderô -, ou seja, vive da contribuição dos seus associados, mas este não é o raciocínio certo. Em nenhum clube de futebol, no Brasil, nem mesmo entre os maiores, há a possibilidade de sobrevivência através da contribuição de associados, que é muito pequena.

As rendas, por maiores que possam parecer - e muitas vezes são publicados números aparentemente extraordinários -, são muito baixas, porque o preço dos ingressos no Brasil é baixo - e deve sê-lo -, ficando muito aquém do patamar internacional. E, justamente porque o esporte chamado futebol é considerado popular, não é possível que haja a cobrança de valores muito acima daquilo que a capacidade média do poder aquisitivo do torcedor possa admitir.

É importante que se ressalte que tanto a renda dos jogos quanto aquela proveniente da contribuição dos associados é praticamente insignificante para os clubes de futebol. Eles vivem hoje de duas espécies de transações comerciais que lhes dão o sustento, que lhes dão os recursos para manterem suas atividades. Uma delas é o chamado patrocínio comercial, que se tornou uma prática comum, usual no esporte brasileiro, em qualquer esporte profissionalizado - o clube adota o nome de uma empresa, que tem o seu patrocínio magno na camiseta ou em qualquer parte do seu uniforme. Essa é uma das fontes, é uma das transações comerciais que claramente o clube de futebol realiza e que o aproxima muito da natureza de uma sociedade comercial, não mais tão-somente de uma associação esportiva sem fins lucrativos, visando meramente a excelência do esporte.

Há uma outra transação comercial que é a mais significativa, a mais importante, que sustenta os clubes, porque essa é uma saída brasileira para um País que tem uma grande população de baixa renda, para um País que tem carências, que tem dificuldades econômicas, que tem uma enorme faixa de sua população com baixo poder aquisitivo. Não podendo, evidentemente, auferir da renda dos jogos e da contribuição dos associados, criou-se no Brasil a instituição do passe; ou seja, o instrumento de transferência comercial do jogador de um clube para outro. Isso é uma transação de caráter comercial, portanto entra numa esfera de negócios, num universo fiscal que não pode ser invisível, que não pode ficar escondido, que não pode ser recôndito, que não pode ser obscuro. Tem que ser transparente, tem que ter visibilidade e, portanto, tem que ser algo passivo de toda a legislação, de toda a legalidade, de toda a licitude que se possa exigir.

É esta a ênfase que quero fazer neste pronunciamento, Sr. Presidente: o passe no Brasil é a maior e possivelmente a mais abrangente fonte de sustentação financeira dos clubes de futebol. Acabar com essa fonte, reduzi-la a nada ou eliminá-la significa suprimir do espaço público brasileiro, do espaço social brasileiro as associações esportivas com mais de cem anos de existência, de grande conteúdo histórico e popular, apesar de uma cartolagem desprezível que em alguns, e até em muito poucos, realmente existe.

É preciso, sim, manter; é preciso, sim, ressalvar os clubes de futebol pela sua história, pelo seu valor popular, pelo seu conteúdo democrático, por essa eminência pública que têm os clubes de futebol. Não quero dizer com isso, Sr. Presidente, que não haja necessidade de uma nova regulamentação do passe. Sim, mas ao lado de uma coisa chamada mérito e excelência, que é tão intrínseca ao jogador de futebol, há um outro valor que se chama história, conteúdo popular, essência democrática dos clubes de futebol, que não pode ser destruído, apesar do desprezo com que muitas vezes votam nos clubes alguns elementos dotados de opinião.

Clube de futebol é um valor que precisa ser respeitado e considerado neste País, porque advém daí a essência, a força, o dinamismo e a qualidade do esporte brasileiro, principalmente do nosso futebol.

Mas reconheço, Sr. Presidente - e aí a Lei Pelé é extremamente modernizadora -, que transações comerciais devem ser tratadas como tal e, portanto, devem ser inseridas num universo fiscal, numa esfera de legalidade, devem ser passíveis de fisco, de contribuição que devem dar ao Estado; pagar impostos que, hoje, evidentemente a falta de transparência não permite que aconteça. E creio que manter, durante um certo tempo, em um nível razoável a propriedade do passe ao clube de futebol é essencial para a sobrevivência do esporte brasileiro. Do outro ponto de vista, obrigar os clubes a se transformarem em sociedades é destruir muito da sua história. Um clube pode não querer transformar-se em sociedade comercial. Se for esse o caso, a lei deve exigir do clube que ele constitua uma sociedade comercial paralela, na qual terá a maior parte das quotas, e, através dela, realize todas as transações comerciais: o patrocínio, a venda de jogadores, vendas institucionais, enfim, tudo aquilo que o clube aufere através da sua atividade.

Dito isso, Sr. Presidente, deixo aqui a minha opinião e o meu pensamento a respeito da lei que aprovamos ontem, com o meu voto, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, mas quero enfatizar que, sem dúvida nenhuma, não podemos destruir esse valor de enorme dimensão histórica, que é a Associação Esportiva Brasileira, o chamado clube de futebol, que tem longa e centenária presença na vida brasileira.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/02/1998 - Página 2517