Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DA DESINCOMPATIBILIZAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA DO CARGO PARA CONCORRER A REELEIÇÃO. O ELEVADO CUSTO SOCIAL PRATICADO PELO NEOLIBERALISMO NO BRASIL. COMENTARIOS SOBRE A MATERIA DO JORNAL THE NEW YORK TIMES, QUE ALERTA PARA O AGRAVAMENTO DA SITUAÇÃO ECONOMICA MUNDIAL E VULNERABILIDADE DA ECONOMIA BRASILEIRA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • NECESSIDADE DA DESINCOMPATIBILIZAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA DO CARGO PARA CONCORRER A REELEIÇÃO. O ELEVADO CUSTO SOCIAL PRATICADO PELO NEOLIBERALISMO NO BRASIL. COMENTARIOS SOBRE A MATERIA DO JORNAL THE NEW YORK TIMES, QUE ALERTA PARA O AGRAVAMENTO DA SITUAÇÃO ECONOMICA MUNDIAL E VULNERABILIDADE DA ECONOMIA BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 10/02/1998 - Página 2567
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, OBJETIVO, REELEIÇÃO, CARGO ELETIVO, EXECUTIVO, PREJUIZO, QUALIDADE DE VIDA, MAIORIA, POPULAÇÃO, FAVORECIMENTO, CLASSE EMPRESARIAL.
  • DEFESA, DESINCOMPATIBILIZAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REDUÇÃO, CUSTO, NATUREZA SOCIAL, BRASIL.
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, THE NEW YORK TIMES, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), APREENSÃO, AGRAVAÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA ECONOMICA, AMBITO, MUNDO, POSSIBILIDADE, CRISE, ECONOMIA, BRASIL.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, parece-me que hoje a atenção dos oradores se centra no problema da legislação eleitoral, o que talvez se deva à aproximação das eleições.

Nós, humanos, temos mecanismos pelos quais rapidamente nos esquecemos dos acontecimentos, dos eventos que nos contrariam. Charles Darwin já havia percebido essa peculiaridade do ser humano; anotava o que parecia contrariar suas idéias, pois percebeu que, se não o fizesse, esqueceria o que contrariava seus pontos de vista. Enfim, esquecemo-nos rapidamente dos fatos. Esquecemo-nos de que, pela primeira vez em nossa história, estamos avançando para uma nova experiência: a reeleição sem desincompatibilização.

Isso faz parte da história dos Estados Unidos. E, depois que Roosevelt se reelegeu três vezes após a primeira eleição, resolveram limitar o direito do cidadão norte-americano a uma eleição e apenas uma reeleição. Bill Clinton está pagando, até hoje, um alto preço, assim como os Estados Unidos, por esta reeleição, por este instituto antidemocrático que foi incorporado à legislação norte-americana.

No Brasil, onde o Poder Executivo relativamente tem a capacidade de influenciar a opinião pública e de impor um comportamento aos outros dois Poderes; onde o normal é a hipertrofia daquele Poder, que diz, neoliberalmente, estar reduzindo seu poder econômico, ele ainda está longe de começar a aparar as suas garras, a limitar os seus poderes, não apenas em relação aos outros dois Poderes da República, mas também em relação ao uso do dinheiro e da máquina no pleito eleitoral.

Qual será o comportamento do Governo brasileiro diante de uma situação em que notáveis expoentes do pensamento social, econômico e político do mundo alertam para o fato de que não são uma simples ventania de verão os problemas que envolvem, cada dia mais profundamente, a economia capitalista internacional? Muitos já se convenceram de que o neoliberalismo foi uma experiência rápida e malfadada.

O custo exigido pelo neoliberalismo para impor as suas medidas salvacionistas do capitalismo mundial constituem uma espécie de UTI com custos crescentes que se tornam socialmente insuportáveis para a humanidade e financeiramente muito pesados para determinados países. O neoliberalismo, entre outras coisas, já custou um bilhão de empregos no mundo.

E o Brasil parece um continente com órbita própria que gravita em torno de algum eixo também próprio, com movimento destacado do do resto da Terra. Será que o neoliberalismo sobreviverá no Brasil? O Brasil será o único país da globalização mundial? É possível uma contradição dessas? Será que só aqui esse desastre vai dar certo?

O The New York Times afirma que não e, a esse propósito, na semana passada, publicou um estudo sobre os problemas da economia brasileira. Nele a nossa economia foi chamada de “a bola da vez”, “a próxima vítima” a rolar no dominó que faz cair país por país, principalmente no Sudeste asiático, mas que abala o Chile e que perturba, até mesmo, os Estados Unidos.

O Professor Robert Reich, ex-secretário do Trabalho americano, acha que se está a caminho de uma grande contração econômica, com dinâmica semelhante à da Grande Depressão de 1929. O especulador mais famoso do momento, George Soros, apontado por muitos como o responsável pela crise asiática, afirma que pode haver um colapso no sistema mundial de comércio.

“Tudo se assemelha a um incêndio que não foi controlado”, diz Eisuke Sakakibara, vice-Ministro para finanças internacionais do Japão, e arrisca que a crise asiática é apenas o primeiro sintoma de uma síncope do capitalismo mundial.

Há três anos tenho repetido inúmeras vezes pensamentos e opiniões semelhantes aos que aqui volto a expor. Quantas vezes me referi à corrente de economistas japoneses que falam que a crise para a qual marcha de olhos vendados a economia capitalista será uma crise de sobreacumulação? Em 1980, escrevi que essa crise de sobreacumulação teria como epicentro a economia japonesa. Contração, colapso, síncope capitalista eram coisas impensáveis até meados do ano passado, quando os países do Sudeste asiático começaram a quebrar.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, o inabalável, o que dirige esta economia desgravitada do planeta Terra, encontrou-se, em Davos, com George Soros, o maior especulador do mundo, e com diversas figuras mundialmente conhecidas. Há uma preocupação em organizar instrumentos internacionais que possam pôr limites, freios, direções, controle, racionalidade àquilo que, por definição, se autocontrolaria: os mercados neoliberal e mundial do capitalismo, que, de acordo com as idéias iluministas de que é herdeiro, teria a capacidade de se autogovernar e de auto-ajustar. As forças livres do mercado, ao invés de empurrarem para o desemprego um bilhão de criaturas e de criarem no mundo um bilhão e trezentos milhões de pessoas que recebem no máximo um salário mínimo, ajustariam, da melhor e mais favorável forma possível, as diversas opções de vida para o gênero humano.

O Governo Reagan pregou o neoliberalismo e o equilíbrio orçamentário, mas essa política levou o desequilíbrio orçamentário dos Estados Unidos a US$320 bilhões. Pregou, mas não realizou. Aos poucos, as idéias, nascidas em 1873 -- essas velharias que haviam entrado em crise em 1929 -- conseguiram ressurgir. E, agora, nos Estados Unidos, o governo do Partido Democrata realiza as idéias republicanas de Reagan e reduz o déficit orçamentário federal norte-americano de US$320 bilhões para US$28 bilhões apenas.

Quem vai comprar US$300 bilhões no lugar dos Estados Unidos? É evidente que tem de aparecer compradores no mundo. Serão esses um bilhão de trabalhadores desempregados? Ou os brasileiros famintos que recebem um salário de R$120,00? Serão os coreanos, os tailandeses quebrados, os sul-coreanos, os habitantes de Hong Kong, que estão desvalorizando as suas moedas, em média, em 50%, enquanto o Brasil não desvaloriza a sua?

Como pode haver uma globalização como essa? Alguns países do Sudeste asiático desvalorizaram sua moeda em até 80%; outros, em 50%, com isso, podem exportar pela metade do preço que exportavam há 6, 5, 4 meses, de acordo com as condições e custos de produção que lhes permitiram dominar o mercado mundial.

Em 1976, o Japão, diante do fato de que os Tigres Asiáticos já estavam exportando uma quantia correspondente a 43% das exportações japonesas, resolveu criar um sistema internacional de globalização que fosse favorável e protegesse as grandes economias do sudeste asiático e do Japão. Chamou-se Global New Deal esse projeto japonês feito em 1976, que consistia em fornecer empréstimos internacionais - contra os quais me ergo diariamente - empréstimos internacionais para que os países em desenvolvimento aplicassem recursos em metrôs, pontes, estradas, atividades agrícolas, irrigação, etc., não concorrenciais com a economia do sudeste asiático e do Japão. Assim pensavam os japoneses ao utilizarem esse Global New Deal, que é um plano de Roosevelt, dos anos 30, globalizado para o mundo, canalizado e dirigido por meio das finanças públicas, das finanças internacionais. Dessa maneira os recursos humanos, a inteligência nacional se desviaria para esses setores não-competitivos e, assim, o Japão e o sudeste asiático desenvolveriam seus setores de ponta e dominariam o mundo com sua tecnologia; sem que tivessem a concorrência da América do Sul, expressamente nominada no livro em que essas idéias são colocadas.

Diante desse quadro, não sabemos sequer se o Plano Real durará até as eleições. Não sabemos se o Banco Central conseguirá manter essa estabilidade monetária por meio de uma taxa de câmbio que torna os produtos brasileiros incapazes e inviáveis para exportação. Dessa forma, não podemos concorrer com esses produtos do sudeste asiático que são vendidos, atualmente, pela metade do preço, devido às desvalorizações do baht e won e de tantas outras moedas daquela região. Portanto, o quadro se agravará.

Entretanto, o que vemos no Brasil é a idéia fixa de reeleição. A preocupação do Presidente Fernando Henrique Cardoso com a criação de um organismo internacional capaz de estabilizar o mundo é muito interessante. Sua Excelência sabe, muito bem, que não sai da cabeça de nenhum deus novas relações internacionais, novas formas monetárias, novas relações de poder internacional e nova divisão internacional do trabalho de que o mundo necessita para se livrar da problemática atual. E o Presidente já mencionou que a única coisa que o preocupa é justamente essa desordem, esse caos internacional para o qual estamos caminhando.

Diante do custo social dessa experiência feita no Brasil - que eu chamo de custo FHC -, o The New York Times, órgão completamente imune a sectarismos políticos brasileiros, se horroriza com o volume de desemprego, com o salário mínimo aviltado, os 11 milhões de habitações inexistentes e o sucateamento do ser humano, o desemprego e a troca de trabalhadores por grandes tratores, máquinas gigantescas que desempregam centenas de trabalhadores.

O Movimento dos Sem-Terra se torna, obviamente, um movimento heróico, um grito quase que perdido nas selvas, um grito quase que perdido no nosso hinterland, e que é incapaz de enfrentar as forças reacionárias que não querem fornecer um espaço para os trabalhadores brasileiros sobreviverem do seu trabalho.

O SR. PRESIDENTE (José Bianco) - Solicito que V. Exª conclua, uma vez que o seu tempo já se esgotou há alguns minutos.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - O The New York Times, portanto, se estarrece. Acontece que, no Brasil, fazemos ouvidos moucos. Não queremos entender nem ler sobre o que acontece e o que outros povos vêem que está acontecendo aqui em nossa Casa. Por exemplo, o que aconteceu com a Vale do Rio Doce. A revista IstoÉ desta semana nos conta que o próprio Senador José Serra se opôs à privatização da Vale, mas não foi capaz de barrar essa operação. E quem com ferro fere... Hoje, a edição da revista IstoÉ mostra as mazelas em que se encontra a Vale do Rio Doce, privatizada por 3,3 bilhões de míseros reais. Mendonça de Barros, Presidente do BNDES, que ajudou e financiou a privatização, diz: “É claro que estamos preocupados com a Vale.” Se ele está preocupado, nós, que fomos contra essa privatização, estamos preocupadíssimos.

No Brasil em Ação, em vez de se criarem empregos e de se aplicar no social, o que vemos é o seguinte: de 42 projetos do Brasil em Ação, pelo menos quatro de infra-estrutura econômica são listados na área social quando o Governo faz o balanço das realizações. Brasil em Ação para a reeleição. Brasil em Ação para obras de infra-estrutura que, obviamente, consideram novamente secundário o ser humano e têm única e exclusivamente o selo, o cunho e a vontade da permanência no poder. De modo que estaremos aprendendo as primeiras lições e o custo social, econômico, político, ético, da tal reeleição. Essa experiência, não devemos esquecer, conduz tudo nesta Casa, tudo no Brasil. As 51 perversidades, com o rolo compressor, a convocação extraordinária, a pressa, o açodamento com que esses projetos e essas reformas devem passar para garantir as condições da reeleição.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/02/1998 - Página 2567