Discurso no Senado Federal

PROSSEGUIMENTO DE SEU PRONUNCIAMENTO, INICIADO NA PRESENTE SESSÃO, ACERCA DA LAMENTAVEL EXPERIENCIA COM A PRIVATIZAÇÃO DE EMPRESAS DO SETOR ELETRICO E SUAS CONSEQUENCIAS PARA A POPULAÇÃO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • PROSSEGUIMENTO DE SEU PRONUNCIAMENTO, INICIADO NA PRESENTE SESSÃO, ACERCA DA LAMENTAVEL EXPERIENCIA COM A PRIVATIZAÇÃO DE EMPRESAS DO SETOR ELETRICO E SUAS CONSEQUENCIAS PARA A POPULAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 13/02/1998 - Página 2980
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • CONTINUAÇÃO, PRONUNCIAMENTO, ORADOR, PRECARIEDADE, SERVIÇOS PUBLICOS, FORNECIMENTO, ENERGIA ELETRICA, EMPRESA PRIVADA, EMPRESA DE ENERGIA ELETRICA, POSTERIORIDADE, DESESTATIZAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, ainda nesta manhã, abordei matéria concernente ao sistema elétrico brasileiro e a maneira açodada como o Governo Fernando Henrique Cardoso realizou inúmeras privatizações nesse setor.

Estranhamente, ontem, o próprio Presidente criticou os riscos do monopólio privado, que ocorre em detrimento da população. “No momento em que se privatiza, é preciso evitar o monopólio privado e impedir que ele aja em detrimento dos interesses do consumidor”, disse ontem o Presidente perante a Federação Nacional do Comércio Varejista de Combustíveis.

Ora, não foi o seu Governo quem tanto estimulou, que inclusive incumbiu o BNDES de ajudar os diversos grupos privados a adquirirem empresas, como a Light e outras e que agora estão causando tantos transtornos à população brasileira?

Comentei as declarações do Presidente da Eletrobrás, Firmino Sampaio, que, na Câmara dos Deputados, falou sobre a lucratividade da empresa e relatou como conseguiu, em parceria com a iniciativa privada, realizar investimentos e como isso acaba tendo uma outra vertente a partir dessas diversas privatizações.

Outra justificativa utilizada pelo Governo Federal para promover as privatizações é a necessidade de se estabelecer a competitividade no setor elétrico. Mas sabemos que esse argumento, na maioria das vezes, não passa de uma falácia. Ilude apenas os que desconhecem que energia elétrica é um dos “monopólios naturais” e que, por isso mesmo, é praticamente impossível estabelecer competitividade neste setor.

Senador Carlos Patrocínio, quando temos os fios de um poste ligados à nossa residência, nós não o substituímos pelos de outra companhia se porventura verificamos que aquela empresa não está procedendo bem.

O que já está ocorrendo e tende a se aprofundar, se o processo não for interrompido, é a transformação de monopólios estatais em monopólios privados, deixando a população à mercê dos interesses de grandes grupos particulares, os quais visando apenas aos lucros promovem a redução de custos por meio de cortes de pessoal, aprofundando o desemprego e degradando o atendimento e a qualidade dos serviços. É o que está acontecendo no caso da Light e da Cerj - como na Companhia Energética do Mato Grosso, a qual se referia há pouco o Senador Júlio Campos, que teve o seu número de empregados reduzido de 2.500 para 1.500. O Senador Júlio Campos teme uma grande deterioração do serviço.

O exemplo do Estado de São Paulo ilustra o que ocorreu com o setor de energia elétrica no Brasil. Inicialmente, existiam em São Paulo várias pequenas e médias empresas privadas de eletricidade, que, graças à falta de investimentos, acabaram nas mãos do Estado. Nos anos 60, o Governo Estadual resolveu unificar essas empresas e fundou a CESP. Tal decisão teve várias motivações. Primeiro, queria se evitar que São Paulo continuasse importando a maior parte da energia indispensável para seu desenvolvimento. Segundo, o diálogo das pequenas empresas com o Governo Federal era muito difícil e desvantajoso para o Estado. Finalmente, havia urgência em conseguir grandes financiamentos para alavancar a construção de usinas elétricas.

Nos últimos anos, a empresa cumpriu seu papel, construindo várias hidrelétricas e propiciando, com maior oferta de energia, um acentuado desenvolvimento para São Paulo. Todavia, o uso político da CESP levou-a a endividar-se além de sua capacidade para com isso tocar um faraônico programa de investimentos. Além disso, determinadas obras foram superfaturadas. Para completar o quadro, as tarifas foram achatadas.

Entretanto, no Estado de São Paulo, assim como no Governo Federal, o programa de privatização mais parece uma comédia de erros. Inicialmente, a Secretaria de Energia anunciou o fracionamento das três empresas estaduais - CESP, Eletropaulo e CPFL - em mais de uma dezena de empresas, fato que não ocorreu. A CPFL foi vendida inteira. As cisões da CESP e da Eletropaulo são polêmicas, tendo como resultado várias ações na Justiça impetradas por seus acionistas minoritários, que se consideram prejudicados.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - Nobre Senador Eduardo Suplicy, permita-me interromper V. Exª para prorrogar a sessão por mais três minutos, a fim de que V. Exª possa concluir o seu pronunciamento.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Como se sabe, o Governo estadual pretende subdividir a CESP em uma distribuidora e quatro geradoras, e a Eletropaulo em duas geradoras, uma distribuidora e uma transmissora. Como o Governo estadual ainda não conseguiu explicar ao mercado o funcionamento do setor depois das cisões da CESP e da Eletropaulo, várias perguntas permanecem sem resposta. Com quem ficará o passivo da CESP, que é de mais de R$12 bilhões? Será que o Governo estadual, a exemplo do Governo Federal, vai absorvê-lo? Quais as regras para os geradores e distribuidores? Enquanto tais explicações não vêm, o preço das ações da CESP caiu mais de 40%. Hoje, elas estão sendo negociadas a 25% de seu valor patrimonial.

Apesar dos burocratas governamentais dizerem o contrário, a lógica do mercado vai novamente na direção da verticalização das empresas. Para tanto, basta olhar o que está acontecendo com as distribuidoras privatizadas. Todas estão comprando usinas existentes ou fazendo parcerias para a construção de novas térmicas. Ou seja, todas, sem exceção, buscam a verticalização. Quem conhece o setor sabe que nessa atividade é fundamental ser grande e buscar ganhos de escala para ter sucesso. O Governo do Estado de São Paulo e o Governo Federal, mesmo com esses exemplos, insistem em esquartejar suas empresas e vender os pedaços a grandes grupos. Como explicar tais fatos?

Outro exemplo da pressa do Governo em se desfazer das empresas federais de geração de energia elétrica é a tentativa de acelerar o processo de privatização das Centrais Elétricas do Sul do Brasil SA - Eletrosul. Para que isso ocorra, várias irregularidades vêm sendo cometidas e os direitos dos acionistas minoritários têm sido praticamente ignorados. Como ilustração do que estamos afirmando, basta observarmos o ocorrido nas assembléia gerais extraordinárias convocadas para promover a cisão da empresa. O prazo dado para que fosse feita a análise da documentação sobre a cisão, correspondente a um volume de mais de 800 páginas, foi de uma hora, de apenas uma hora. Na mesma oportunidade, foi feita a indicação de uma empresa de consultoria que não constava do edital de licitação do BNDES PND/CN - 01/97. As atas das assembléias de acionistas realizadas não foram publicadas, prejudicando a necessária e ampla divulgação das decisões acordadas. Esses são apenas alguns exemplos do que está ocorrendo na pressa da privatização: atos que caracterizam um total desrespeito às leis e ao equilíbrio das decisões dos Três Poderes.

É bom que se diga que não estamos emitindo um juízo geral sobre a conveniência de privatizar ou não as empresas do setor elétrico. Apenas estamos demonstrando a fragilidade dos argumentos utilizados pelo Governo na defesa de sua posição. A privatização pode até ser, e muitas vezes é, defensável. Mas não da forma como vem ocorrendo no caso das empresas do setor elétrico.

É preciso assinalar, Sr. Presidente, que, mesmo nos Estados Unidos da América, onde a maior parte da economia está em mãos privadas e onde há um capitalismo consolidado, todas as grandes e médias empresas hidrelétricas são de controle estatal. Acredito mesmo que o presidente da Aneel, José Mário Abdo, não está bem informado a respeito do assunto, porque não levou isso em consideração ontem, na exposição que aqui fez.

Enquanto isso, dentro da visão de que o Estado deve minimizar as intervenções no setor privado - princípio liberal que é aplicado no Brasil de forma casuística, conforme as conveniências dos grandes grupos econômicos -, o Governo “lava as mãos” e “deixa o barco correr”, numa verdadeira profissão de fé de que esses são apenas problemas passageiros e de que o mercado se encarregará de fazer a situação voltar à normalidade.

É imprescindível que o Governo demonstre que estamos errados e que o que tem ocorrido no Rio de Janeiro não é apenas o prenúncio do que está por acontecer no resto do País - e temo, mesmo, que venha a acontecer em São Paulo. É necessário que sejam apresentadas garantias de que o direito dos consumidores será resguardado, de que a venda das empresas elétricas trará benefícios para toda a sociedade e não apenas para um pequeno grupo de grandes investidores. O Governo tem a obrigação de apresentar à sociedade, no mais curto espaço de tempo - e refiro-me a este mês -, o novo modelo institucional para o setor elétrico, suas vantagens e desvantagens, e os ganhos que a Nação terá com sua implantação.

Quero concluir com um alerta, Sr. Presidente: muitas das empresas privatizadas não estão cumprindo o cronograma de investimentos anunciado e isso está levando a uma deterioração acelerada dos serviços. A sociedade deve ficar atenta e não aceitar a cômoda desculpa de que as falhas hoje apresentadas são decorrência dos longos anos em que elas foram geridas pelo Estado. Devemos lembrar que os lucros, bem como as demissões no setor elétrico nunca foram tão elevados. Não podemos ficar apenas nas justificativas e multas, temos que ter mecanismos que obriguem as empresas a reinvestirem seus ganhos e a solucionarem os problemas causados pela desmedida sede de lucros. Um setor fundamental como o de energia elétrica não pode ficar sujeito a experiências administrativas.

Fico pensando, Sr. Presidente, como seria tratado o presidente da Aneel, José Mário Abdo, se repetisse, nas ruas do Rio de Janeiro, o discurso que fez ontem perante a CAE. Fico extremamente preocupado, porque suas palavras estão muito distantes da realidade prática sob a qual os moradores do Rio do Janeiro tanto estão sofrendo devido à pressa e à sofreguidão com que o Governo realizou as privatizações nesse setor.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/02/1998 - Página 2980