Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A MANIFESTAÇÃO DE APOIO DO GOVERNO BRASILEIRO A POSSIVEL INTERVENÇÃO MILITAR NO IRAQUE, TENDO NESTA OPORTUNIDADE S.EXA. RECORDADO A TRADIÇÃO DIPLOMATICA BRASILEIRA E O ARTIGO CONSTITUCIONAL QUE REGE AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A MANIFESTAÇÃO DE APOIO DO GOVERNO BRASILEIRO A POSSIVEL INTERVENÇÃO MILITAR NO IRAQUE, TENDO NESTA OPORTUNIDADE S.EXA. RECORDADO A TRADIÇÃO DIPLOMATICA BRASILEIRA E O ARTIGO CONSTITUCIONAL QUE REGE AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS.
Aparteantes
Gerson Camata, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 12/02/1998 - Página 2709
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • CRITICA, POLITICA EXTERNA, BRASIL, POSSIBILIDADE, APOIO, INTERVENÇÃO, AÇÃO MILITAR, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), IRAQUE.
  • IMPORTANCIA, RESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, BRASIL, DEFESA, PAZ, RELAÇÕES INTERNACIONAIS.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OMISSÃO, MEDIAÇÃO, SOLUÇÃO, CONFLITO, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, Srªs. e Srs. Senadores, diante da atitude do Governo brasileiro de expressar ou insinuar apoio ao possível e cada vez mais anunciado ataque militar dos EUA ao Iraque, sem que tenhamos ouvido do Presidente Fernando Henrique Cardoso ou do Ministro Luiz Felipe Lampreia um aceno de maior esforço de mediação por uma solução pacífica, faz-se necessário recordarmos a nossa tradição diplomática e apontarmos o que diz a Constituição brasileira em seu art. 4º.

Segundo esse dispositivo, a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios, entre outros: a não-intervenção, a igualdade entre os Estados, a defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos.

A maneira como o Presidente e o Ministro das Relações Exteriores expressaram o apoio à possível ação militar dos EUA contrasta com outros episódios relevantes de nossa história, dentre os quais o mencionado pelo Deputado Almino Afonso, em seu livro Raízes do Golpe (Marco Zero, 1988), sobre o governo João Goulart. Em 1962, o Presidente John Kennedy enviou-lhe uma carta informando que os EUA estavam prestes a agir militarmente em Cuba, em função da presença de mísseis da URSS nesse país, e propôs ao Presidente brasileiro que seus assessores militares discutissem com os dos EUA as ações que se fizessem necessárias. O Presidente João Goulart, de pronto, respondeu-lhe, através de uma carta educada e firme, que não concordava com aquela ação. Propôs, através da negociação, o desarmamento de Cuba com a garantia recíproca de não-invasão. Esse episódio será relembrado pelo ex-Deputado Plínio de Arruda Sampaio, em editorial no próximo número do Correio da Cidadania, do qual é diretor.

Em 1991, em que pese tivesse havido uma grande coalizão de países, com o apoio da maioria do Conselho de Segurança da ONU e de algumas nações árabes para a intervenção militar no Iraque, o Governo brasileiro preferiu manter uma posição mais independente. Até mesmo o Presidente Collor teve uma atitude mais adequada do que a que está tendo o atual Governo.

Contrasta também com a atitude de outros governos, que têm sido muito mais enfáticos com respeito à necessidade de maiores negociações diplomáticas. O Presidente Boris Yeltsin, em resposta à observação por parte da Secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, de que a paciência dos EUA já estava se esgotando, afirmou que ainda tinha muita paciência para a realização de um esforço diplomático, tomando ações efetivas nessa direção. Também os Governos da França e de todos os países islâmicos estão empenhados numa solução pacífica.

As ameaças de ataque iminente dos EUA são mais incompreensíveis ainda no momento em que o Iraque convidou os congressistas norte-americanos, acompanhados de quaisquer especialistas, a fazer as inspeções que desejarem. A situação torna-se kafkiana ao recordarmos que foram os EUA os maiores responsáveis em armar o Iraque, sob o governo de Saddam Houssein, na guerra contra o Irã, então governado pelo Aiatolá Khomeini. Naquela época, o Brasil também vendeu quantidade significativa de equipamentos bélicos para o mesmo Iraque.

Na postura do Governo Fernando Henrique Cardoso, preocupa-nos a “macunaímica” combinação de subserviência com dubiedade apontada por Plínio Sampaio. Tivemos uma nota ambígua do Itamaraty, declarações açodadas do Ministro das Relações Exteriores e desmentidos confusos do Porta-voz da Presidência. Em sua entrevista, anteontem, dia 9, à TV Senado, o Presidente Fernando Henrique esteve longe do desempenho altivo de outros Presidentes no passado, que recordaram aos Chefes de Estado dos Estados Unidos os princípios basilares da Diplomacia brasileira. Ainda que houvesse afirmado que “a posição do Brasil é de insistir na questão diplomática” e que o Brasil apóia “a decisão do Conselho de Segurança que manda que o Iraque mostre se tem ou não arsenais de guerra bacteriológica”, não demonstrou qual a ação de mediação que o Brasil estaria realizando. Para o observador atento, a frase do Presidente - “Mas não vamos poder, de forma nenhuma, ficar de braços cruzados vendo guerra bacteriológica. Isso não.” - indica uma predisposição de apoiar o ataque.

Será que, conforme apontou Carlos Heitor Cony, no Jornal Folha de S. Paulo, ontem, o Presidente Fernando Henrique está atrás dos elogios e afagos da única superpotência existente? É preciso ter cuidado para não se afastar do empenho que toda a humanidade espera para que haja uma solução pacífica. Não seja, Presidente Fernando Henrique, um dos marionetes classificados por Winston Churchill como “aqueles que aquecem as mãos na lareira do invasor”, conforme ontem ressaltou, advertindo, Carlos Heitor Cony.

O Sr. Gerson Camata (PMDB-ES) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Com muita honra, Senador Gerson Camata.

O Sr. Gerson Camata (PMDB-ES) - Senador Eduardo Suplicy, mais uma vez dirijo-lhe um aparte para discordar de V. Exª, infelizmente. Vi e ouvi o pronunciamento do Presidente Fernando Henrique. Sua Excelência, primeiro, prega que se esgotem todas as tentativas diplomáticas para resolver o impasse. E o que está gerando o impasse? Um país invadiu outro país, praticou ali atos de crueldade inaceitáveis para a humanidade, teve que ser retirado de lá, perdeu uma guerra e se rendeu incondicionalmente. E nesse ato de rendição, ele se submetia à inspeção das Nações Unidas. Pois, há um ano, esse país está se negando a permitir a inspeção. Ora, Nobre Senador, há um ano tenta-se, por todos os meios diplomáticos - e acho que temos que persegui-los até o último instante -, evitar que esse país continue a produzir armas bacteriológicas, armas químicas, que são proibidas pelos estatutos das Nações Unidas. Se as tentativas diplomáticas se esgotarem, só haverá uma alternativa: o cumprimento da resolução da ONU referente ao país que perdeu a guerra e que se rendeu incondicionalmente. Qual deve ser a nossa atitude? Pedir aos diplomatas do Iraque que exortem seu governo a cumprir o tratado de rendição incondicional que assinou. Esse é o pedido que tem que ser feito, e não pedir ao outro país que não faça ameaças ao Iraque. Este, efetivamente, não está cumprindo a rendição incondicional que assinou, em uma guerra que ele provocou ao invadir um país pequeno, praticamente desarmado, indefeso, alegando ser território iraquiano. Guerras de conquista já estão ultrapassadas há muitos e muitos anos na história da humanidade.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Sr. Presidente, sei que o meu tempo já está se esgotando, mas gostaria de pedir a V. Exª que me permitisse ainda ouvir o aparte do Senador Pedro Simon e responder, com muita brevidade, às intervenções feitas ao meu discurso.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Pois não.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Ouvi o Presidente Clinton falando sobre a invasão; o Primeiro-Ministro inglês também falou, mas, quando chegou à Inglaterra, teve que recuar. A França, a Alemanha e outros países são contrários. O Brasil é contrário. O Chanceler do Brasil é a favor e agora estou vendo que o meu querido amigo Camata também é a favor da invasão. Tenho muito carinho pelo Senador Camata, mas não é essa a linguagem que se deve usar. Houve efetivamente uma decisão da ONU e é claro que somos favoráveis a ela. Sem dúvida, o Iraque está abusando, está se equivocando: é claro que ele deve deixar os representantes da ONU continuar a inspeção. É claro que somos radicalmente contrários, o mundo é contrário a uma guerra bacteriológica. O Iraque não se atreveria a fazer uma coisa dessas, porque o mundo se levantaria contra ele. Mas daí a fazer esse tipo de ameaça, alegando estar cumprindo decisão da ONU?! Quantas decisões da ONU são desprezadas pelos americanos?! Sabemos que elas existem, mas nem se toma conhecimento delas! O Governo, o Presidente da República, o Chanceler, todos nós podemos dizer: “somos radicalmente contra a guerra bacteriológica”. Mas dizer que somos favoráveis à invasão, a que se bombardeie, se massacre esse país mais uma vez, principalmente sabendo-se que as decisões nos Estados Unidos sempre são tomadas em função da simpatia ou antipatia do Sr. Presidente americano em relação ao assunto?! O Sr. Clinton está fazendo essa jogada para tentar sair das manchetes que o envolvem em escândalos sexuais. V. Exª faz um pronunciamento muito oportuno. O Ministro das Relações Exteriores foi muito infeliz, quando, ao sair de uma reunião com o Presidente da República, disse que era favorável à invasão. Mas houve o desmentido do Presidente; vi, em todos os jornais, Sua Excelência dizer que nunca pensou na possibilidade de o Brasil participar ou se manifestar com relação à invasão. Declarou-se contrário à guerra bacteriológica - contra ela todos nós somos. Seria até o caso de reunirmos a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e fazermos manifestação nesse sentido. Após as manifestações do Presidente, as coisas foram colocadas em seus devidos lugares: o Brasil é contra a guerra bacteriológica, mas não pensa em invasão. Com relação aos americanos, que me perdoem, mas é muito infeliz a posição que estão adotando de pressionar o Iraque. Que o Rei Hussein está extrapolando, todos concordam com isso, mas os americanos não podem querer cumprir sozinhos a ameaça de invasão. Eles não conseguiram o apoio nem dos países árabes nem dos países europeus, como Rússia, França e Alemanha; ninguém deu autorização, ninguém concordou com a invasão. Agora eles vêm com a ameaça de que vão sozinhos, por conta própria, sem autorização nem concordância de ninguém. Já estão até mobilizando a sua frota. Até acho que podem mandá-la para a região do Golfo, podem coagir o Iraque, fazer o que quiserem; mas o Brasil não pode concordar com isso. Vamos devagar, porque hoje é lá, amanhã pode ser na América Latina ou até na América do Sul.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Agradeço o aparte dos Senadores Gerson Camata e Pedro Simon.

Quero aqui dizer que não tenho simpatia pelos métodos de Saddam Hussein, que obviamente se caracteriza como um ditador no Iraque. O Brasil, por outro lado, tem como um dos princípios básicos de sua diplomacia a autodeterminação dos povos, e, sobretudo, a procura de soluções pacíficas para os impasses.

Também condeno a guerra bacteriológica e creio que tudo deve ser feito para que o Iraque não produza nenhum armamento desse tipo. Há que se fazer a inspeção, sim, mas o Iraque está dialogando a respeito de como será realizada essa inspeção. Muitos países, inclusive a Rússia e os países islâmicos, estão realizando um esforço muito grande para um entendimento.

Senador Gerson Camata, Senador Pedro Simon, gostaria de ver, da parte do Governo brasileiro, uma colaboração muito maior para que se chegue a um entendimento, com iniciativas também para uma mediação no sentido de encontrar uma solução pacífica.

Fiquei um pouco preocupado com as declarações do Presidente Fernando Henrique Cardoso feitas em entrevista à TV Senado, em que Sua Excelência distingue a guerra bacteriológica daquilo que ocorre no Timor Leste. O Governo da Indonésia promoveu um massacre, um genocídio contra o povo do Timor Leste. Isso foi condenado pelo Conselho de Segurança da ONU, mas não houve uma ação como a que agora se pretende fazer contra o Iraque.

Então, é preciso um esforço muito grande para se evitar a guerra no Golfo Pérsico e o uso de armas, que, obviamente, serão extraordinariamente mortíferas, destrutivas. Portanto, tudo o que se puder fazer deve ser feito, e o Brasil precisa se empenhar nessa direção para uma solução diplomática e pacífica, conforme está explicitado na nossa Constituição.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/02/1998 - Página 2709