Discurso no Senado Federal

ANALISE DA PROBLEMATICA NORDESTINA E DA NECESSIDADE DE REFORMULAÇÃO DE CONCEITOS E ESTRATEGIAS PARA RECOLOCAR O TEMA DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL NA AGENDA DAS PRIORIDADES NACIONAIS.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • ANALISE DA PROBLEMATICA NORDESTINA E DA NECESSIDADE DE REFORMULAÇÃO DE CONCEITOS E ESTRATEGIAS PARA RECOLOCAR O TEMA DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL NA AGENDA DAS PRIORIDADES NACIONAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 12/02/1998 - Página 2781
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, INFERIORIDADE, INDICE, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO NORDESTE.
  • REGISTRO, AUMENTO, DESIGUALDADE REGIONAL, REDUÇÃO, RECURSOS, ANALISE, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU).
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, FUNDO CONSTITUCIONAL DE FINANCIAMENTO DO NORDESTE (FNE), FUNDO CONSTITUCIONAL DE FINANCIAMENTO DO NORTE (FNO), FUNDO CONSTITUCIONAL DE FINANCIAMENTO DO CENTRO-OESTE (FCO), AMBITO, REFORMA TRIBUTARIA, PRORROGAÇÃO, INCENTIVO FISCAL, NECESSIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, PROPORCIONALIDADE, POPULAÇÃO, MELHORIA, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), BANCO DO BRASIL, BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S/A (BNB), CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), REESTRUTURAÇÃO, FUNDO DE INVESTIMENTOS DO NORDESTE (FINOR).
  • REGISTRO, OMISSÃO, GOVERNO, INCENTIVO, TURISMO, REGIÃO NORDESTE.

           O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB-AL) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ocupo a tribuna na manhã de hoje para discutir a problemática nordestina, uma questão sempre atual, visto que jamais resolvida em mais de quatro séculos de nossa história, merecendo uma reflexão cuidadosa e sistemática.

           Os resultados de todas as pesquisas levadas a efeito por outros prestigiosos organismos nacionais e internacionais ___ como é o caso do Ipea e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) ___ convergem no diagnóstico de que o Nordeste é a região que apresenta os piores índices sócio-econômicos da atualidade brasileira.

           Segundo os mais abalizados analistas, essa situação tornou-se mais grave desde a última década em razão do encerramento de um ciclo de investimentos estatais diretos em infra-estrutura, bem como do esgotamento das políticas regionais baseadas em incentivos fiscais. Ambos os aspectos refletem a crise fiscal do Estado brasileiro, responsável pela queda das inversões públicas do governo e das empresas estatais.

           Assim, estudo de dois pesquisadores do Ipea, os economistas Gustavo Maia Gomes e José Vergolino, intitulado “A macroeconomia do desenvolvimento nordestino,” mostra que, de 1970 a 1986, verificou-se uma persistente redução das disparidades relativas de renda entre estados e regiões. Daí em diante, porém, essas desigualdades tornaram a crescer ou, na melhor das hipóteses, se estabilizaram. Em consequência dessa reversão o Nordeste, com 29% da população nacional, concentra hoje 54,6% de toda a nossa miséria. A região nordestina conta com 78,2% de abastecimento de água e 13,2% de esgotamento sanitário em redes domiciliares, contra 93,5% em água e 70,4% em esgotos no Sudeste. A taxa de desemprego no último decênio, de acordo com os pesquisadores do Ipea, manteve-se em cerca de 20%, muito superior à média nacional, que o IBGE fixa atualmente em 6 ou 7%.

           A pesquisa publicada ano passado pelo IBGE e patrocinada pelo UNICEF, com o título “Indicadores sobre crianças e adolescentes ___ Brasil, 1991/96”, mostra uma flagrante diferença entre a qualidade de vida dos meninos e meninas do Nordeste e a de seus colegas do Sul/Sudeste. A revelação mais chocante diz respeito justamente ao meu estado de Alagoas: lá, a taxa de mortalidade infantil é de 83 crianças por mil nascidas, cifra equivalente às mais miseráveis regiões da África. Outros dados da mesma pesquisa confirmam que o trabalho infantil, embora não seja uma exclusividade nordestina, é, sem dúvida, uma chaga típica e particularmente grave da nossa região. Do total de 522 mil crianças brasileiras, na faixa de cinco a nove anos, usadas como mão-de-obra barata, 6,9% estão no Maranhão; 5,6%, no Ceará; e 4,8%, no Rio Grande do Norte.

           Por outro lado, levantamentos efetuados pelo Tribunal de Contas da União atestam que em 1995, 57,8% dos incentivos provenientes de renúncia fiscal da União concentram-se na Região Sudeste, enquanto ao Nordeste couberam apenas 10,3%.

           O perfil dos investimentos públicos em infra-estrutura física e na formação de capital humano agrava esse quadro de desigualdades. As aplicações do BNDES declinaram de 21%, em 1990, para 11%, em 1994. Quanto ao saneamento básico, as projeções para o período de 1996/99 indicam que 41,1% dos recursos do FGTS nessa rubrica, irão para o Sudeste e apenas 28,3% para o Nordeste.

           A escassez de recursos assume um aspecto tanto mais dramático quanto se aprofundam o esvaziamento e a “crise de identidade” sofridos pelos órgãos regionais de desenvolvimento, tais como a Sudene e o DNOCS. Apesar de acumularem um respeitável patrimônio de conhecimentos e experiências institucionais ao longo de várias décadas de atuação útil e produtiva, eles são prejudicados por falta de um projeto nacional para a região.

           Como não poderia deixar de ser, nós, os representantes legítimos do povo e dos Estados nordestinos nas duas Casas do Congresso Nacional, temos, ultimamente, demonstrado nossa crescente disposição de lutar contra esse insuportável estado de coisas. Desse modo, a polêmica em torno do regime automotivo brasileiro demonstra a disposição dos parlamentares de nossa região para recolocar o tema do desenvolvimento regional na agenda das prioridades nacionais. Até hoje, no entanto, a política de investimentos no setor automobilístico dramatiza o processo perverso que leva os estados pobres a subsidiar o desenvolvimento dos estados ricos. De um total de R$ 4,2 bilhões, correspondentes à renuncia fiscal federal em favor do Sudeste em 1995, nada menos que 600 milhões beneficiaram os automóveis. Sem dúvida, este é um fator decisivo da tendência à reconcentração da atividade econômica em São Paulo, no período entre 1990 e 1994, verificada pelo professor Wilson Cano, do Instituto de Economia da Unicamp.

           Outra relevante frente de luta parlamentar contra o agravamento e pela superação das desigualdades regionais diz respeito à defesa da manutenção do preceito constitucional que destina 3% da arrecadação dos impostos sobre a renda e sobre produtos industrializados para o financiamento do setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Nós, legisladores nordestinos, estamos convencidos de que, caso uma futura reforma tributária venha a alterar esse dispositivo, não haverá como impedir o aprofundamento dessas já gritantes disparidades. Pelo menos até pouco tempo atrás, parece que o entendimento das autoridades econômicas do Executivo era de que parte desses recursos deveria ser empregada em investimentos de infra-estrutura, ao passo que as bancadas dessas três regiões defendem que esses investimentos provenham de outras fontes, com ênfase no Orçamento Geral da União. Considero que esta segunda alternativa consulta os mais comezinhos princípios da justiça, posto que se as regiões menos desenvolvidas não podem oferecer maiores atrativos à captação de investimentos privados, devem, por isso mesmo, fazer jus a uma fatia de investimentos públicos que as compensem dessa deficiência, coadjuvando-as em seu esforço de reduzir a brecha que as separa do Brasil rico. Da mesma forma, a prorrogação dos incentivos do Finor e da isenção do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e a não-incidência do adicional de frete sobre as cargas marítimas de e para as regiões Norte e Nordeste impõem-se como políticas compensatórias de grande valia para a consecução desse desiderato.

           A grande verdade é que há mais de 20 anos o povo do Nordeste nada tem recebido além de um punhado de medidas ad hoc, carentes de uma perspectiva unificadora, tão necessária a uma nova filosofia e metodologia para o desenvolvimento regional. “Qualquer caminho serve para quem não sabe aonde vai”, reza o velho provérbio. Por isso, estou certo de que o pressuposto básico de uma verdadeira política nacional para o Nordeste consiste em buscar um novo quadro conceitual, ou se preferirem, um novo paradigma. Somente assim, à luz de tal marco de referência, seremos capazes de conhecer respostas criativas para a solução definitiva da questão nacional em um país que caminha rapidamente para seu quinto século de existência no limiar do Terceiro Milênio.

           Desejo, agora, compartilhar com os nobres pares algumas observações sobre os princípios que me parecem os mais adequados a essa concepção.

           Como ponto de partida para a revisão da problemática nordestina, sugiro que o subdesenvolvimento de nossa região seja concebido em termos do reduzido gasto público (nos três setores de governo: federal, estadual e municipal) por habitante em comparação com esse mesmo índice em outras regiões do país. Assim, passaremos a contar com um indicador claro e objetivo para avaliar os resultados de futuros programas e projetos de desenvolvimento voltados à região. O sucesso ou insucesso dessas iniciativas passará a ser medido pela maior ou menor capacidade de promover o aumento desse gasto público per capita.

           De posse desse instrumento, as autoridades encarregadas da formulação, execução e fiscalização dessas iniciativas estarão mais bem equipadas para identificar e neutralizar fontes de desperdícios e mau uso de recursos financeiros, materiais, humanos e organizacionais.

           Um segundo foco de atenção deve recair sobre outra noção simples, fundamental, mas ainda hoje largamente ignorada: a de que não há um, e sim vários nordestes. As experiências das últimas décadas comprovam que quando os estímulos são adequadamente direcionados, aplicados e fiscalizados, as respostas são excepcionais. Estas são as lições ensinadas pela petroquímica da Bahia, pelo turismo do Ceará, pela fruticultura irrigada no pólo Juazeiro/Petrolina, pela avicultura e a produção de grãos em Barreiras, na Bahia, e no sul dos Estados do Piauí e do Maranhão. A região conta ainda com um abundante pool de recursos humanos qualificados em centros de alta excelência (a exemplo da Universidade Federal de Campina Grande), atentos à valorização das vocações locais sob a égide da qualidade, da produtividade e da competitividade. Falando em turismo, não posso deixar de lembrar que o Prodetur, programa voltado ao fomento dessa área, com fundos totais de US$ 800 milhões, já foi aprovado há quatro anos, mas até agora os recursos liberados foram da ordem de apenas US$ 20 milhões.

           O desencadeamento de uma efetiva e poderosa sinergia entre todos esses elementos requer, porém, que a região seja visualizada como um conjunto de sub-regiões ou sub-áreas com potencialidades, problemas e desafios distintos.

           Finalmente, há que se persuadir as esferas federais da imperiosa e inadiável necessidade de redirecionar mecanismos financeiros, como o BNDES (responsável pelo programa “Nordeste Competitivo”), o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste e a Caixa Econômica Federal, a fim de que eles voltem a atuar de forma eficaz e diferenciada em prol da recuperação das desigualdades regionais. Medidas específicas nesse sentido devem contemplar o financiamento da contrapartida necessária aos empréstimos externos contraídos pelos estados nordestinos e financiamentos do BNDES à Sudene para fortalecer o Finor, com aval da União. Neste ponto, quero lembrar que existem hoje no âmbito da Sudene cerca de 500 projetos em diferentes fases de implantação e cuja conclusão está pendente da liberação de recursos da ordem de US$ 2,3 bilhões. E o que é mais importante, na atual conjuntura econômica: a capacidade de geração de empregos diretos desses projetos chega a 154 mil novos postos de trabalho.

           Para a complementação desse esforço, e para além de mudanças repentinas nos percentuais de incentivos fiscais motivados pela premência conjuntural de atenuar o descontrole das finanças públicas, o fato é que o Finor precisa ser repensado, redesenhado e reestruturado com vistas a eliminar vícios operacionais, o que certamente o qualificará como poderoso indutor de novos investimentos. Tal reengenharia do Finor incluiria necessariamente uma abertura à participação mais ativa e abrangente de representantes do setor privado em sua gestão, bem como na definição de novas estratégias de captação de recursos, inclusive externos - quer de instituições multilaterais como o Banco Mundial e o BID, quer dos mercados financeiros movimentados por grandes investidores institucionais, tais como fundos de pensão, corretoras e bancos de investimentos americanos, europeus e asiáticos.

           A fim de que essas propostas decolem do papel, necessitaremos, acima de tudo, de coragem para contrariar alguns dogmas econômicos hoje em voga. Mais do que nunca, é preciso coragem para afirmar o óbvio: que em países como o Brasil, dilacerados por tantas e tão sérias disparidades, que no limite chegam a conspirar contra sua integridade territorial, nesses países, repito, a velha “questão nacional” continua na ordem do dia, sim, senhores. E, em nosso caso, o Nordeste é a questão nacional número um. Desconsiderá-la, como não canso de insistir, é dar as costas às ameaças que se acumulam contra a estabilidade de nosso pacto federativo.

           Folgo em ver que esses princípios e concepções foram amplamente debatidos e incorporados pela Comissão Especial “destinada a promover discussões e estudos que resultem em propostas de aperfeiçoamento das políticas governamentais para a Região Nordeste, inclusive seu acompanhamento e avaliação” (da qual tive a honra de participar como membro titular) sob a presidência do nobre senador cearense Beni Veras e com a relatoria a cargo do nosso ilustre colega baiano Waldeck Ornelas. Ao longo de várias reuniões de trabalho e audiências públicas com autoridades governamentais e pesquisadores acadêmicos, bem como através da ativa participação de seus membros em importantes fóruns extra-congressuais (a exemplo do seminário “A reforma do Estado e o desenvolvimento do Nordeste numa economia globalizada”, realizada em Salvador, sob o patrocínio do Banco Mundial), a comissão, cujos trabalhos se encerraram no final do ano passado, contribuiu para produzir um consenso parlamentar sobre ações setoriais absolutamente necessárias. Sem a preocupação de ser exaustivo, gostaria de enumerar três propostas que considero de grande alcance e relevância sócio-econômicos.

           Em primeiro lugar, uma ampla iniciativa destinada a simplificar o cipoal legislativo e regulatório que, acumulado através de décadas, não raro legitimou injustiças e distorções numa ampla gama de políticas públicas, que abrange desde a aplicação dos recursos do FGTS até programas de concessão de bolsas para estudos pós-graduados e de incentivo à pesquisa científico-tecnológica.

           Em segundo lugar, o estabelecimento de um mecanismo de funding para o financiamento do desenvolvimento regional que amplie e reforce a atuação do Finor com a canalização de recursos adicionais, oriundos do FAT e do próprio FGTS.

           Em terceiro lugar, a instalação de câmaras setoriais regionais nas áreas de fruticultura, produção de grãos, turismo e outras, com vistas a fortalecer a articulação e conferir maior sinergia às iniciativas dos setores público e privado no Nordeste.

           Em suma, quero cumprimentar todos os meus colegas de comissão especial pelo vivo testemunho que ela deu do apreço deste Senado por sua condição de Casa da Federação. Uma Federação cuja sobrevivência e integridade são incompatíveis com o alto potencial de conflito e instabilidade engendrados pelo crescimento desigual, que pouco a pouco envenena a convivência entre irmãos brasileiros.

           Afinal, o Nordeste exige respeito, pois está cansado de ser a “região das oportunidades perdidas”, e para encerrar, dou apenas mais um exemplo: o do turismo.

           Todos reconhecem a beleza de nossas paisagens e a relevância cultural de nossos sítios históricos. Por que, então, o Brasil amargou um déficit de dois e meio bilhões de dólares em sua balança turística no ano passado? Por que a nossa receita com turismo é cinco vezes inferior à da Jamaica, duas vezes menor que a do Uruguai, um terço daquela da Argentina? Qual a razão desse medíocre desempenho, quando sabemos que um financiamento no valor de 800 milhões de dólares para o Prodetur repousa até hoje nos cofres do Banco Mundial, à espera de contrapartidas dos governos estaduais? Sabemos que essas contrapartidas poderiam ser folgadamente financiadas pelo BNDES, que dispõe de cerca de R$ 15 bilhões em caixa neste exercício de 1997!... Quem duvida da capacidade do Nordeste de se transformar em um pujante pólo turístico mundial desde que receba os estímulos adequados?

           Por fim, torno a insistir: a concretização de todas essas transformações exige, mais do que nunca, um papel ativo e estratégico do Estado, pois o conjunto de dados disponíveis revela que, quando o setor público se retraiu, o resultante vácuo não foi preenchido pela dinâmica exclusiva das forças do mercado. Faz-se, portanto, imperativa e urgente uma combinação criativa de ambos, em nome do cumprimento do artigo 174 de nossa Carta Magna, que determina a união de forças e vontades do governo e da sociedade para a redução dos desníveis regionais.

           Era o que eu tinha a comunicar, Sr. Presidente.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/02/1998 - Página 2781