Discurso no Senado Federal

FALECIMENTO DO DR. CARLOS ARAUJO LIMA, EMINENTE JURISTA AMAZONENSE.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • FALECIMENTO DO DR. CARLOS ARAUJO LIMA, EMINENTE JURISTA AMAZONENSE.
Publicação
Publicação no DSF de 03/03/1998 - Página 3154
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CARLOS ARAUJO LIMA, JURISTA, ESTADO DO AMAZONAS (AM).

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Carlos Patrocínio, que preside esta sessão, Srªs. e Srs. Senadores, no final do dia 13 de fevereiro a Nação foi colhida por uma notícia que entristece o País inteiro, como ocorreu naquela noite. Lamentavelmente, só no sábado pela manhã, por volta do meio-dia, tomei conhecimento dessa tristeza que marcou todos os amazonenses: na noite anterior falecera Carlos de Araújo Lima. Jurista brilhante, escritor famoso, jornalista que enriqueceu vários jornais ao longo de sua vida de quase 85 anos, foi, sobretudo, um grande advogado do júri.

            Quando éramos universitários, nós, amazonenses, tínhamos dele uma visão de quem aponta caminhos e indica soluções para quem vai advogar, sobretudo na matéria em que era um mestre, Direito Penal. De universitários, aqueles que tiveram sorte maior passaram a conviver com ele na Ordem dos Advogados do Brasil, onde era conselheiro. Estava eu então tangido pelos vendavais dos atos de cassação, tendo perdido dez anos de direitos políticos, meu mandato de Deputado Federal e o lugar de professor na faculdade de Direito. Esse fato, se de um lado foi negativo, de outro aproximou-me de Carlos de Araújo Lima. A diferença de idade não permitiu que na época da faculdade pudesse com ele conviver, mas, na OAB, sentando-se ele ao lado de Sobral Pinto, éramos os três representantes do Amazonas no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Ali nossa amizade se agigantou, e o respeito por essa figura humana transcende, até hoje, qualquer nível que pudesse estabelecer para dizer o que é essa perda para as letras jurídicas.

            Dois artigos, um de Hélio Fernandes, que com ele conviveu ao longo do tempo, e que o considera, em palavras textuais “um jurista, um escritor, um jornalista”, e que produziu uma das mais bonitas peças que eu já vi com a palavra saudade. Em breve, Sr. Presidente, vou me permitir ler alguns trechos e ao final solicitarei de V. Exª a transcrição nos Anais. Veja a coincidência, Sr. Presidente. são, como disse, dois artigos: um de Hélio Fernandes, que está com aproximadamente 70 anos, e outro de um jovem advogado amazonense que ainda não atingiu os 30; ambos sobre a morte de Araújo Lima. A figura gigantesca de Araújo Lima permite, portanto, que um jovem e um homem na sua maturidade produzam para os Anais de tudo aquilo que se possa chamar dignidade o retrato de Araújo Lima, feito com a mais absoluta perfeição.

            Eu me lembro que, nos idos de 76, quando a OAB lutava pela volta do Estado de Direito, pelo retorno da instituição do habeas corpus, pelo término dos atos institucionais, em Curitiba, Araújo Lima produziu uma tese na Conferência Nacional dos Advogados que ficou marcada para o resto da vida de todos aqueles que ali estavam. Mas sua obra “Os Grandes Processos do Júri”, até hoje ninguém conseguiu igualar. Para esse livro, muito contribuiu sua companheira, sua amiga, sua esposa, sua namorada da vida inteira, Dª Ruth de Araújo Lima, que participou da feitura através da gravação das defesas e das teses da promotoria, para que se tivesse o que hoje é considerado a obra clássica sobre o tribunal do júri. Ela, hoje, apenas vive da saudade que uma convivência com um companheiro por mais de sessenta anos pode acarretar a alguém; sobretudo, vive também sentindo o que nós advogados temos para com Araújo Lima. Ele dizia estar na fase “oitite”, explicando que “oitite” era a fase dos oitenta anos e freqüentava ainda o Instituto dos Advogados Brasileiros, lecionando para os seus jovens colegas.

            Não tenho nenhuma dúvida de que, para nós, advogados, a figura de Araújo Lima será uma figura emblemática, será daquelas que o tempo não apaga, que a idade não esmaece e que a vivência dos que chegaram depois há de servir como exemplo. São essas vidas muito queridas que quando se perdem se diz dessas pessoas que não foram para outro lugar, ficaram encantadas. Araújo Lima, esteja onde estiver, deve saber que este discurso, que esta homenagem só é feita hoje porque, lamentavelmente, nos dias 13, à noite, e 14 (sábado), não havia - como não houve - sessão; e na segunda-feira, dia 16, nossa sessão seria - como foi - apenas de abertura, portanto, sessão solene; e é nesta sessão de hoje, a primeira, que o Senado o homenageia. Sei - e não tenho a menor dúvida em declarar isso, e o faço sem nenhum constrangimento, talvez por uma das vozes mais fracas que o Plenário tem no âmbito jurídico - que nenhum dos meus colegas o faria com mais emoção; essa emoção que sinto, pela nossa convivência.

            O seu último livro, que ele estava para entregar ao povo do amazonas neste mês de março, saindo já do prelo, tem agora de ser entregue pelo seu filho - advogado também, com o mesmo nome (Carlos) -, que levará ao País inteiro a mensagem que o pai fez questão de deixar: O Depoimento de um Advogado.

            Sei que os colegas que me ouvem permitirão que eu traga ao conhecimento da Casa aquilo que ainda há pouco eu dizia sobre matéria publicada em alguns jornais, mas sobretudo em A Crítica, de Manaus, com o qual ele durante tantos anos colaborou, e a Tribuna da Imprensa, do qual ele fazia parte como articulista consecutivo há muitos anos.

            Antes disso, Sr. Presidente, preciso dizer o que Araújo Lima fez pelo Tribunal do Júri. Na época da Assembléia Nacional Constituinte - deve lembrar-se disso o Senador Lúcio Alcântara, que a acompanhou com o brilhantismo de sempre, - houve um movimento no sentido da extinção do Tribunal do Júri, e Araújo Lima, não apenas com sua presença, mas também mediante contribuição escrita, fez um grande favor àqueles que consideram o Tribunal do Júri o mais democrático dos tribunais. Fez por ele e para ele um trabalho de conscientização, mostrando, desde o tempo de sua criação, o volume de trabalho do Tribunal do Júri com a atuação de grandes advogados criminalistas, até chegar a ele próprio, advogado de Gregório Fortunato, então guarda-costas do Presidente Getúlio Vargas. E sem nenhuma remuneração, sem nenhum honorário, compareceu perante os jurados para mostrar que o Tribunal do Júri não poderia, em nenhum instante, ser atassalhado, extinto, sobretudo pela Assembléia Nacional Constituinte.

            Àquela altura, quando a corrente dos que defendem que o juiz de fato não sabe julgar, só o juiz de direito sabe, Araújo Lima esclarecia que o juiz de fato é aquele que no cotidiano, no dia-a-dia, sente as agruras, as incertezas, as dificuldades, as deficiências, a falta de dinheiro, a dificuldade de sustentar a família, enquanto o juiz de direito julga apenas com a letra fria da lei e muitas vezes dela não pode se afastar. Mostrava que podemos ser julgados por um semelhante que também vive o dia-a-dia no sofrimento e que talvez essa seja a melhor forma de julgar, porque o juiz de fato se coloca no lugar daquele que está sendo julgado.

            Veja, portanto, o Senado: alguns jornais da Nação lamentavam a morte desse grande jurista numa sexta-feira à noite e o sepultamento no sábado à tarde com este registro:

            “Araújo Lima morreu na sexta à noite e foi sepultado no sábado à tarde. No terrível verão carioca, quem morre no fim de semana não pode receber as homenagens que mereceu em vida, pois quase todos estão fora.

            Lembro o sepultamento de Antonio Evaristo de Moraes Filho, outra grande figura, morto em plena força dos seus 60 anos. Como isso aconteceu num fim de semana de verão, quase ninguém estava aqui. Mas a missa foi a lembrança que ele merecia de todos que o conheceram. Como isso aconteceu num fim de semana de verão, quase ninguém estava aqui. Mas a missa foi a lembrança que ele merecia de todos que o conheceram. Exatamente assim acontecerá hoje” - esta é uma notícia do dia 20 de fevereiro - “com Araújo Lima. Morreu com o Congresso fechado, impossibilitando que seu nome fosse lembrado em plena sessão da Câmara e do Senado.”

            Veja, Sr. Presidente, como a imprensa tem, em determinados instantes, ainda que mediante pálida idéia, a oportunidade de trazer ao conhecimento dos leitores as figuras que mais se destacaram no mundo jurídico.

            Quero, por isso, pedir a V. Exª, a fim de não cansar nossos eminentes colegas, que me dispense da leitura dos artigos publicados na Tribuna da Imprensa, pelo eminente jornalista Helio Fernandes, e em A Crítica, pelo advogado Júlio Antônio Lopes, e que determine a publicação deles nos Anais.

            Peço também a V. Exª, que, tão logo seja tomada essa providência, dê conhecimento desse pronunciamento à família, na pessoa da viúva, Dona Ruth de Araújo Lima, cujo endereço fornecerei à Secretaria-Geral da Mesa.

            Com esse requerimento, Sr. Presidente, despeço-me da tribuna certo de que melhor seria que eu jamais a ocupasse para esta finalidade: registrar o falecimento de um amigo que se foi do convívio diário, mas que permanece na lembrança de todos nós, de todos aqueles que o conheceram, que conviveram com a sua integridade moral, com a sua respeitabilidade pessoal e, sobretudo, com o homem que orgulhou as letras jurídicas deste País.

            Sr. Presidente, encerro meu discurso reiterando o requerimento já formulado a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/03/1998 - Página 3154