Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE A LEI ELEITORAL E A PREOCUPAÇÃO DOS MINISTROS DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL COM VISTAS AO ABUSO DO PODER ECONOMICO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • COMENTARIOS SOBRE A LEI ELEITORAL E A PREOCUPAÇÃO DOS MINISTROS DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL COM VISTAS AO ABUSO DO PODER ECONOMICO.
Publicação
Publicação no DSF de 03/03/1998 - Página 3163
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • COMENTARIO, DEBATE, IMPRENSA, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, ESPECIFICAÇÃO, VIAGEM, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CANDIDATO, REELEIÇÃO, UTILIZAÇÃO, HORARIO GRATUITO, TELEVISÃO.
  • DEFESA, PARTICIPAÇÃO, INAUGURAÇÃO, OBRA PUBLICA, CANDIDATO, CARGO PUBLICO, EXECUTIVO, NECESSIDADE, VIGILANCIA, IMPRENSA, PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO.
  • SUGESTÃO, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), CONTRATAÇÃO, AUDITORIA, PESQUISA, ABUSO, PODER ECONOMICO, ELEIÇÃO.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, tenho tomado conhecimento, pela imprensa, de diversos pronunciamentos, inclusive de ilustres membros do Poder Judiciário, de políticos, de advogados, reportando-se à questão da Lei Eleitoral, sobre o problema de viagens do Presidente da República, solenidades a que o Presidente comparece, utilização de bens públicos nessas viagens, enfim, questionamentos que estão surgindo inclusive quanto ao impedimento de partidos que não tinham representação no Parlamento por ocasião do início da legislatura de utilizarem horário gratuito na televisão e no rádio.

           Há verdadeiras pérolas nos jornais, partidas até de figuras ilustres. Uma delas, por exemplo, diz que o Presidente vai poder comparecer a algumas reuniões, mas não vai poder se auto-elogiar nem ser elogiado. Ele vai poder fazer uma inauguração, mas não pode se auto-elogiar nem ser elogiado no discurso de alguém.

           Até concordo com o direito de não se estar de acordo com a reeleição, é uma posição. Mas como separar o Presidente candidato, o Governador candidato e o Prefeito candidato? É realmente impossível. Por isso - e, na época, fui muito criticado -, na minha proposta, eu previa que o Presidente, o Governador, o Prefeito pudesse ir a uma inauguração. Não há como se estabelecerem limites, regras que separem estas duas entidades: candidato e Presidente, candidato e Governador, candidato e Prefeito. Ou, então, simplesmente dizemos que não queremos o princípio da reeleição, porque achamos que isso se presta a oferecer uma condição vantajosa na disputa eleitoral para quem está no exercício do cargo. Essa é uma posição. Mas, uma vez adotado o princípio da reeleição, tal como fizemos na reforma da Constituição e depois com as disposições da lei que regulam as eleições, não há como estabelecer limites virtuais, arbitrários, impossíveis de serem cumpridos ou observados pela Justiça Eleitoral ou por quem quer que seja. Só o costume, a prática, a tradição, a vigilância da imprensa, dos partidos políticos, da Justiça Eleitoral, só isso tudo vai poder impor, demarcar limites, estabelecer regras. É muito mais fruto do costume do que escrito em leis, portarias, resoluções, porque não é possível que se possa observar isso.

           Ora, querer confinar o Presidente, o Governador ou o Prefeito, amanhã, em seu gabinete, impedindo que ele exerça atos que são próprios da função que ele ocupa naquele momento, seria uma violência. Então, o princípio da reeleição aceito, aprovado mediante Emenda Constitucional, como o foi, em duas votações na Câmara e duas no Senado, cria realmente uma situação nova com a qual não estamos acostumados. Não temos tradição nisso. É uma experiência nova no Direito Eleitoral Brasileiro.

           Por isso minha proposta, quando fui Relator da Lei Eleitoral aqui no Senado, era a de permitir a presença dos candidatos ocupantes de cargos executivos nas inaugurações. Penso que será essa previsão, essa possibilidade de exposição pública que vai, inclusive, permitir a reação dos partidos que apóiam outros candidatos porque, na medida em que um candidato, no auge de uma campanha eleitoral, for comparecer a uma inauguração, certamente os adversários irão se arregimentar, possivelmente irão vaiar, trazer palavras de ordem contrárias àquele candidato, denunciar equívocos, erros ou imperfeições das suas administrações, e muitos deles talvez não queiram mais participar dessas inaugurações, porque poderão submeter-se a um constrangimento público gerado justamente pela revolta ou pela insatisfação daqueles que não concordam com seu governo. É isso que vai trazer um contrapeso natural no processo eleitoral. Vários governadores já disseram que não serão candidatos, que não vão disputar a reeleição. Não podemos aceitar a idéia que alguns querem passar de que direito à reeleição significa vitória líquida e certa. O que temos que fazer, durante o processo eleitoral, é procurar estabelecer - com bom senso, com a vigilância da imprensa, com denúncias, com a observação permanente, cuidadosa e minuciosa dos passos, das ações, das atividades dos candidatos, com a vigilância dos partidos políticos e da Justiça Eleitoral - os pontos em que terá havido excessos, em que pontos os candidatos terão infringido a lei. Admite-se que o candidato que está no exercício do cargo está em posição de vantagem sobre os demais concorrentes.

           Ora, é possível que sim, até admito, mas sabíamos disso quando votamos as emendas constitucionais. Nos outros países, também não é diferente. Pesquisei e não encontrei qualquer país em que se exigisse do presidente da república a desincompatibilização para disputar novo mandato. A prática, o uso da reeleição é que vai nos dizer os limites, até onde a população aceita com naturalidade esse comportamento, essa conduta do candidato. Querer traçar limites virtuais, hipóteses restritivas que não têm aplicação na prática é impossível.

Soube também que o Tribunal Superior Eleitoral estaria preocupado com a questão do abuso do poder econômico de uma maneira geral, considerando que seria impossível estabelecer mecanismos de controle. Esse é um problema mundial. Todos os países, mesmos os que adotam parcialmente o financiamento público, correm sempre o risco de que recursos recebidos e não contabilizados nas contas de campanha sejam utilizados.

Creio que o Tribunal poderia contratar empresas de auditoria, pois dessa forma seria possível estabelecer uma certa proporcionalidade entre gastos declarados e volume de campanha. Se há um candidato com uma grande quantidade de material publicitário - cartazes, outdoors, grandes eventos, megaeventos de campanha, e assim por diante - e a sua declaração de gastos não está proporcional ao volume de campanha, é evidente que houve recursos recebidos pelo candidato, pelo comitê ou pelo Partido a que pertence que não foram declarados. A partir daí, sim, poder-se-ia comprovar que o material gasto na campanha, detectado nas pesquisas feitas por essas empresas de auditoria, teria sido muito superior ao declarado perante a Justiça Eleitoral.

Concluindo, Sr. Presidente, penso que toda essa discussão, todo esse debate está prejudicado pelas posições daqueles que não aceitam o princípio da reeleição -- o que respeito. Talvez tenha sido por isso mesmo que passamos tantos anos de história republicana sem aceitar o referido princípio. No entanto, agora o fazemos, como fazem várias outras repúblicas, inclusive os Estados Unidos. Então, ao adotarmos esse princípio, não podemos querer criar condições de constrangimento que levem a cercear a ação do próprio titular do cargo no desempenho de seus deveres funcionais.

            Se o Presidente sempre viajou, sempre se mobilizou, foi aos diversos Estados, promoveu inaugurações, deu declarações, deslocou-se a bordo do avião presidencial, teve seguranças em torno de si, com ele viajaram ministros, promoveu reuniões com aqueles que participam da base de sustentação política do seu Governo, como iria deixar de fazê-lo agora? Seria exigir uma espécie de quarentena administrativa ou funcional, justamente quando talvez Sua Excelência mais quisesse se expor e se deslocar. E ninguém poderia dizer que Sua Excelência estaria descumprindo qualquer das responsabilidades que lhe competem na condição de Presidente da República.

O Senhor Presidente foi ao Ceará, onde inaugurou e entregou à população um novo aeroporto na cidade de Fortaleza, construído totalmente durante o seu Governo, com apoio do Governador Tasso Jereissati, do Banco do Nordeste e com empréstimos internacionais do BID. Evidentemente, na oportunidade o Presidente fez um discurso, falando à imprensa. Como se pode dizer que essa foi uma viagem eleitoreira, que ele foi ao Ceará com objetivo especificamente eleitoral? Temos de ter maturidade para compreendermos que isso está carnalmente ligado à figura do Presidente da República, e eventualmente do Presidente candidato.

Então, examinemos essas questões com cautela, sem paixões, e, com essa experiência, estabeleçamos, por consenso, os limites éticos aceitáveis, razoáveis entre o exercício da Presidência e a disputa de uma campanha eleitoral.

            Sr. Presidente, era essa a minha contribuição para o debate, como Relator que fui da Lei Eleitoral. Lembro sempre que eu, justamente por não enxergar possibilidades de limites que pudessem ser cumpridos e observados, além da dificuldade em defini-los bem, entendi que não havia outra forma senão aceitar que realmente se confundem as figuras do Presidente e do candidato quando se adota, como fazemos no Brasil, o princípio da reeleição.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/03/1998 - Página 3163