Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE ADOÇÃO DE UMA POLITICA DE PRIORIDADES NA GESTÃO DO PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO ECONOMICA, CONSTANTE DA AGENDA DA POLITICA EXTERNA BRASILEIRA.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • NECESSIDADE DE ADOÇÃO DE UMA POLITICA DE PRIORIDADES NA GESTÃO DO PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO ECONOMICA, CONSTANTE DA AGENDA DA POLITICA EXTERNA BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 04/03/1998 - Página 3267
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, DADOS, COMERCIO EXTERIOR, BRASIL, CRESCIMENTO, EXPORTAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), APERFEIÇOAMENTO, INTEGRAÇÃO, ESTADOS MEMBROS.
  • DEFESA, PRIORIDADE, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), RELAÇÃO, PROJETO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), REGISTRO, PROPOSTA, BRASIL, CRONOGRAMA, NEGOCIAÇÃO, OPOSIÇÃO, SUGESTÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

           O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, diversos são os projetos de integração econômica que constam da agenda da política externa brasileira. Entretanto, os objetivos, o ritmo das negociações e os possíveis impactos sobre a economia brasileira diferem entre esses projetos. Levando em conta, portanto, essa diferenciação, o presente pronunciamento tem por finalidade estabelecer um mapeamento preliminar dessas questões (particularmente entre dois desses projetos - Mercosul e Área de Livre Comércio das Américas - Alca), como forma de alertar para a importância da adoção de uma política de prioridades na gestão do programa de integração, de maneira a evitar que essa se faça ao sabor dos casuísmos, que não levam em conta os interesses próprios das partes envolvidas nos acordos.

           Para melhor entendermos, a especificidade do ponto de vista brasileiro nesse contexto, é imprescindível a análise de alguns dados. Em primeiro lugar, é preciso considerar que o comércio exterior brasileiro demonstra relativo equilíbrio em termos de mercado de destino de nossas exportações. Em 1995, por exemplo, as exportações para a Associação Latino-Americana de Integração - ALADI, respondiam por 22,4% do total da pauta de exportações. O mercado norte-americano e a União Européia absorviam, respectivamente, 20,2% e 27% e a Ásia era responsável por 12%. Logo, diferentemente do México, que antes mesmo do Nafta, concentrava cerca de 70% de suas exportações nos EUA, o comércio exterior brasileiro se caracteriza pelo seu multilateralismo. Considerando esse caráter, pode-se pensar que acordos de integração econômica que privilegiam uma área em detrimento de outra seriam danosos no caso brasileiro.

           Em segundo lugar, é necessário avaliar as estratégias de integração já adotadas, no sentido de promover as correções necessárias e reproduzir os procedimentos favoravelmente testados. Nesse sentido, a experiência do Mercosul, embora recente, já fornece preciosos indicadores. A corrente brasileira de comércio (exportações mais importações) cresceu em 185% entre 1991 e 1995 para o Mercosul. A Argentina, que era o sexto mercado de destino das exportações brasileiras em 1991, passou para o segundo lugar durante esse período.

           As diversas análises sobre o balanço Mercosul de 1995, realizadas após um ano de vigência da união aduaneira, não apresentam divergências relevantes, sendo destacados alguns pontos, apresentados a seguir. Entre 1991 e 1994, as negociações se concentraram na área comercial, implementando uma “união aduaneira imperfeita”, em conseqüência das listas de exceções à tarifa externa comum; o ano de 1995 foi marcado por problemas suscitados pela crise mexicana e pelo próprio rumo dos planos de estabilização, em especial nas economias argentina e brasileira; novos itens foram introduzidos nas listas de exceções e pensou-se na possibilidade de implementar cotas em relação às exportações argentinas de automóveis para o Brasil.

           Portanto, o que se observa é que o marco disciplinador do Mercosul tende a ser superado em momentos de fragilidade dos planos de estabilização. É consensual, ainda, que o avanço das negociações visando a um mercado comum exige um certo nível de harmonização das políticas macroeconômicas, o que pressupõe um cenário de estabilidade. Existe, também, uma enorme agenda pendente de temas menos suscetíveis à conjuntura macroeconômica, que podem ser negociados e sinalizariam a vontade política de integração. Esses termos variam desde a harmonização das aduanas, de normas técnicas e fitossanitárias a políticas de transporte e infra-estrutura energética, por exemplo. Essa parece ser, no momento, a estratégia dos países do Mercosul.

           Esses pontos, sumariamente abordados, servem-nos como uma verdadeira amostragem da complexidade de fatores que envolvem a implementação dos acordos de integração. Assim sendo, e levando em conta que a agenda brasileira na América Latina, conforme já ressaltamos, compreende outros acordos, consideramos razoável que o Mercosul, na condição de iniciativa de integração mais consolidada na América Latina, não tenha sua atuação reduzida em função da implantação de outros projetos, uma vez que a ordem natural das coisas aponta, ao contrário, para uma provável liderança do Mercosul na integração latino-americana.

           Nesse sentido, as propostas para a formação da Área de Livre Comércio das Américas - Alca, apresentadas em Recife pelo Embaixador Luiz Felipe Lampreia, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, durante a 2ª Reunião de Vice-Ministros Responsáveis pelo Comércio das Américas, revelam a preocupação em conduzir os entendimentos com a necessária cautela, adotando como estratégia a negociação via bloco dos países que integram o Mercosul. Os parâmetros considerados fundamentais evidenciam a intenção de preservação do modelo já adotado: a condução das negociações deverá ser objeto de consenso hemisférico e voltada para o livre comércio; a Alca deve se fundamentar nos esquemas mais profundos de integração existentes no hemisfério, a exemplo do Mercosul e de outros agrupamentos regionais; a discussão resultante de negociações deve ter ritmo compatível com a consolidação e o aperfeiçoamento das várias iniciativas em curso no continente; a Alca deve ser construída sobre compromissos equilibrados, eqüitativos e vantajosos para cada uma das partes; deve ser contemplada a possibilidade de que os países definam produtos e/ou setores econômicos aos quais possa ser aplicado tratamento especial, dadas as suas peculiaridades; deve ser promovida a mais ampla participação dos diversos setores da sociedade civil dos países, em especial os empresários, os trabalhadores e os consumidores.

           Quanto ao cronograma de negociações, propõe-se que essas ocorram em três etapas sucessivas: os acordos firmados na primeira fase (1998 e 1999) poderiam entrar em vigor no ano 2.000, por se tratar de medidas que favoreceriam o comércio em geral, sem exigir alterações nas normas em vigor. A segunda fase (2000 e 2002) daria a forma jurídica necessária para um acordo de comércio ter validade e na terceira (2003 e 2005), finalmente, seriam estabelecidos os prazos em que os países membros fixariam as tarifas reduzidas e as demais normas de acesso a um livre mercado.

           O modelo defendido evita o açodamento de antecipação do cronograma, conforme defendem os EUA, e permite um tipo de abertura mais de acordo com os diversos projetos nacionais. Assim, evita-se o atropelamento entre os diversos acordos, permitindo que o Mercosul continue a atuar como fator de impulso ao crescimento econômico dos países latino-americanos.

           As preocupações aqui apresentadas podem parecer excessivas àqueles que, no afã de promover a abertura da economia nacional e sua integração no mercado global, defendem uma estratégia afoita e irrefletida de busca de acordos comerciais a qualquer custo. Nós, por outro lado, embora reconheçamos que o fortalecimento das relações com os países do continente, por meio do comércio e dos fluxos de investimentos diretos, sejam etapas indispensáveis do processo de plena inserção do Brasil na economia internacional, defendemos que esse avanço se faça de forma segura, responsável e irreversível.

           Em outras palavras, consideramos que não é razoável esperar que o Brasil se disponha a avançar rapidamente em um novo esforço de ampla liberação comercial, como é o caso da Alca, quando sabemos que essa abertura envolve relações com parceiros que dispõem de economias bem mais desenvolvidas, sofisticadas e competitivas. A nosso ver, não é razoável, ainda, que esse esforço se faça às custas do esvaziamento de outras iniciativas em andamento, cujo exemplo mais significativo é o caso do Mercosul.

           Por outro lado, embora estejamos obviamente conscientes de que o período de protecionismo absoluto não é mais viável, defendemos a proteção de setores sensíveis, como automóveis e informática, e a reformulação da política de promoção comercial, para adequá-la a uma nova realidade. Não podemos esquecer que, no caso brasileiro, o processo de industrialização foi gerado sob proteção, o que permitiu o florescimento de uma indústria forte e diversificada, tanto de bens duráveis como até de computadores. Entretanto, no final da década de 80, a vantagem comparativa desse modelo já se tinha esgotado e era preciso submeter a indústria a um processo de renovação e de oxigenação, expondo-a à competição. Isso tem tido impactos desiguais nos diferentes setores. Mas não podemos expor nossos setores sensíveis a novos impactos. O setor de automóveis é o caso mais notório. Todos nós nos lembramos do ocorrido em 1994, quando uma redução tarifária provocou uma tendência galopante de importar carros novos, gerando uma distorção que nenhum grande mercado poderia suportar.

           É a prudência, portanto, que motiva essa nossa intervenção. Não podemos ficar indiferentes a um processo crucial para o desenvolvimento de nosso País. Temos a missão constitucional da aprovação definitiva de acordos internacionais negociados pelo Governo brasileiro. Cumpre-nos, em conseqüência, zelar para que tais acordos se estabeleçam acima dos interesses efêmeros e momentâneos da mutante conjuntura do fluxo comercial, e sejam presididos pelo entendimento de que as alternativas de integração econômica são, na verdade, instrumentos de impulso ao crescimento econômico dos países latino-americanos.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/03/1998 - Página 3267