Pronunciamento de Carlos Patrocínio em 04/03/1998
Discurso no Senado Federal
HOMENAGEM POSTUMA AO SENADOR DARCY RIBEIRO, NO TRANSCURSO DO PRIMEIRO ANO DE SUA MORTE.
- Autor
- Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
- Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- HOMENAGEM POSTUMA AO SENADOR DARCY RIBEIRO, NO TRANSCURSO DO PRIMEIRO ANO DE SUA MORTE.
- Publicação
- Publicação no DSF de 05/03/1998 - Página 3329
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, DARCY RIBEIRO, EX SENADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, há um ano, na condição de representante desta Casa, compareci às exéquias do Senador Darcy Ribeiro. Pude, então, constatar que tanto o velório quanto o sepultamento foram um testemunho eloqüente da sua vida.
No Salão Nobre do Congresso Nacional e na Academia Brasileira de Letras, onde seu corpo foi velado, a presença de índios, negros e brancos, mineiros, cariocas e brasileiros de todo os quadrantes, estudantes, escritores e professores, políticos de todos os partidos, servidores públicos e do Presidente da República marcou a brasilidade global desse homem, cujo pensamento e ação foram devotados ao povo brasileiro.
Mas as coroas de flores enviadas por Chefes de Estado da América Latina - Eduardo Frei, do Chile, e Fidel Castro, de Cuba -, por embaixadores da mesma região, mostraram, ainda, a dimensão universal de Darcy: cidadão latino-americano e homem do mundo.
Nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, em 1922, das famílias Ribeiro e Silveira. Sua mãe, Josefina Augusta da Silveira Ribeiro, era prima da minha avó, Felicidade Silveira. Muito me orgulho do tronco comum. Sua inquietude e vigor intelectual levaram-no a sair, jovem, da sua terra natal e a se projetar no cenário nacional e internacional como etnólogo, antropólogo, administrador, educador, escritor, político, polemista e, sobretudo, fecundo criador.
Viveu entre os índios da Amazônia e do Mato Grosso do Sul, por cerca de dez anos, e humanizou-se com eles, segundo ele próprio afirmava. Suas mais belas páginas, entre os mais de trinta livros que escreveu, são inspiradas nos primitivos habitantes do Brasil. Em “O Povo Brasileiro”, está a prova cabal de que foram os ventres das índias que geraram uma nova raça, a raça brasileira. Da miscigenação entre negros africanos, brancos europeus e índios surgiu uma nova civilização, a civilização brasileira, cujo povo alegre, sensual e otimista está fadado a ter um destino glorioso.
Nos últimos dias de sua vida, Darcy idealizou e apresentou no Senado o Projeto Caboclo, que visa a “reunir a experiência histórica dos povos da floresta amazônica e as novas e imensas possibilidades que a biotecnologia abre para a região”. Não para destruir o conhecimento adquirido pelos índios e pelos caboclos através dos tempos, mas para vivificar, enriquecer e humanizar. A fé, a esperança e o amor de Darcy eram tão grandes que, mesmo debilitado fisicamente pelo câncer, seu espírito não se abatia e só pensava em encontrar soluções para os problemas brasileiros.
No dia 17 de fevereiro de 1997, instalou-se em Brasília o primeiro simpósio destinado à implantação do Projeto Caboclo. Deveria o evento contar com a presidência do nosso saudoso companheiro. Talvez a proximidade de concretização desse sonho tenha afetado ainda mais a saúde já muito combalida de Darcy. O simpósio transcorreu sem ele e encerrou-se às 18h30min; às 18h45min, o idealizador do Projeto Caboclo se foi.
Sem ele, os contatos verbais com uma ONG holandesa foram interrompidos. Em conseqüência, a Fundação Darcy Ribeiro não pôde ainda operacionalizar o projeto, por falta de financiamento.
Sr. Presidente, tenho aqui o Jornal do Senado, edição de 24 de fevereiro de 1997, registrando o momento em que Darcy Ribeiro apresentava para nós, seus companheiros Senadores, o Projeto Caboclo para comunidades autônomas. V. Exª, naquela oportunidade, se manifestou no sentido de que esse projeto teria todo o apoio e beneplácito do Congresso Nacional. Aqui está a figura de Darcy, o retrato de V. Exª e de vários outros Srs. Senadores.
Sua outra grande luta, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, felizmente foi aprovada, graças à sua pertinácia e obstinação.
O poeta-mor do Brasil, Carlos Drummond de Andrade, sintetizou esplendidamente sua personalidade: “Darcy é um monstro de entusiasmo que nenhum golpe feroz arrefece. Darcy é caudal de vida”. Como médico, só posso afirmar que conseguiu o impossível: operado de câncer no pulmão, em 1974, sobreviveu laboriosamente até 1995, quando, novamente internado com câncer na próstata, foge da UTI para saborear a vida, concluir duas grandes obras e agarrar-se, avidamente, às suas utopias e ideais.
Após ter fundado e regido a Universidade de Brasília, ter sido Ministro da Educação no Governo parlamentarista, passou a ser o Ministro-Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República e braço direito do Presidente João Goulart.
O exílio forçado, extremamente doloroso para um homem que amava profundamente sua nação e seu povo, foi fértil em trabalho e realizações em vários países do continente latino-americano. Contribuiu decisivamente na reforma das universidades da República, do Uruguai, e Nacional, da Venezuela. Convidado por Salvador Allende para assessorá-lo na chefia do Governo socialista, Darcy Ribeiro transfere-se para o Chile. Após o golpe militar nesse país, vai para o Peru, também a convite do seu Presidente Juan Velasco Alvarado, e planeja um sistema de universidade global para esse país. Elaborou estudos para as universidades do México, da Costa Rica e também da Argélia.
De volta ao Brasil, em 1978, é anistiado em 1979, no bojo da redemocratização, lançando-se, mais uma vez, de corpo e alma, às atividades culturais e políticas. Funda com Brizola o Partido Democrático Trabalhista - PDT (1980) e é eleito vice-governador do Rio de Janeiro (1983-86). Assume a Secretaria Extraordinária de Ciência e Cultura e cria, na sua gestão, o Sambódromo e os CIEPs.
Os CIEPs - hoje, CAICs - são disseminados, em seguida, para todo o Brasil, pois a educação pública em tempo integral passa a ser entendida como a melhor solução pedagógica e social para a educação das crianças, em especial as carentes.
O Sambódromo, a princípio tão criticado como elefante branco, é hoje reconhecido como o templo do samba brasileiro; os desfiles das escolas de samba ali realizados constituem-se no ponto culminante da vida cultural brasileira. Em 1987, assume a Secretaria Extraordinária do Desenvolvimento Social de Minas Gerais; elege-se Senador pelo Rio de Janeiro em 1990, e membro da Academia Brasileira de Letras em 1992.
Estou certo de que a obra de Darcy se projetará para o próximo século. Sua lembrança não se apagará da memória da Pátria, à qual serviu como poucos. Ele tornou-se uma das glórias da Nação e um de seus filhos mais queridos.
Era o que eu tinha a dizer.
Muito obrigado.