Discurso no Senado Federal

CRITICAS AOS ASPECTOS CULTURAIS DA POLITICA NACIONAL, ONDE O EPISODIO ENVOLVENDO O DEPUTADO SERGIO NAYA E MAIS UM ESCANDALO PARA O CONGRESSO.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • CRITICAS AOS ASPECTOS CULTURAIS DA POLITICA NACIONAL, ONDE O EPISODIO ENVOLVENDO O DEPUTADO SERGIO NAYA E MAIS UM ESCANDALO PARA O CONGRESSO.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/1998 - Página 3526
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, POSSIBILIDADE, CASSAÇÃO, MANDATO PARLAMENTAR, IMPEDIMENTO, CONTINUAÇÃO, OCORRENCIA, CORRUPÇÃO, CONGRESSISTA, AMBITO, LEGISLATIVO, PREVALENCIA, TRAFICO DE INFLUENCIA, SOCIEDADE, BRASIL, PREJUIZO, MAIORIA, POPULAÇÃO.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, faço referência ao episódio amplamente noticiado pela imprensa nacional: os males causados pela ação do Deputado e empreiteiro Sérgio Naya a si próprio, a sua família, a seus amigos e a centenas de brasileiros que viram seus sonhos e a vida de alguns dos seus serem soterrados numa obra de má-fé e de desrespeito para com a sociedade brasileira.

Esse episódio, inicialmente apresentado como externo ao Congresso, em função das imagens apresentadas pela Rede Globo passou a ser considerado interno, uma evidência de falta de decoro parlamentar. Para mim, desde o início, o Parlamentar já estava ferindo o decoro, porque, quando se assume função pública, não se pode causar prejuízo a outros, muito menos impunemente. Isso não poderia ser considerado uma ação extraclasse, extracongresso.

As coisas, agora, estão seguindo seu curso, mas o Congresso tem ação limitada em relação a esse tipo de cassação. Foi assim no episódio dos “anões”, no caso dos parlamentares envolvidos em acusações de narcotráfico, no caso dos Deputados cassados por compra e venda de votos. E acontecerá o mesmo com o Deputado “construtor”. Digo ação limitada, porque se trata da cassação das conseqüências, dos efeitos, daqueles tumores que não ficam escondidos e que, em alguns momentos, supuram, dando visibilidade à sociedade e ao próprio Congresso das suas entranhas, quando estão com problemas graves.

A cassação das causas seria feita pela sociedade. Lamentavelmente é a sociedade brasileira, a cultura brasileira que elege essas pessoas para representá-la. A cassação das conseqüências é pouca, mas a das causas teremos oportunidade de fazer daqui a alguns meses.

E espero que todos esses episódios sirvam não para levantarmos o bastião, como se fôssemos os donos da verdade.

O mal, repito, que essas pessoas fizeram aos seus filhos, aos seus amigos, aos parentes e às pessoas que se relacionam com elas é incomensuravelmente maior.

A sociedade brasileira tem a responsabilidade de fazer um exame de consciência em relação a esses fatos na hora de escolher os seus representantes. Parece uma frase batida, esta: “Fazer uma análise de consciência para votar melhor”. Mas não se pode atribuir apenas ao Congresso Nacional a culpa dessas mazelas, dessas desgraças, dessa vergonha que fere a instituição, que fere o Parlamento brasileiro. Lamentavelmente, ela é fruto de algo maior, de uma sociedade que, por vários motivos, não tem acesso à informação correta, não tem acesso à educação, o que contribui para a roda-viva da política perversa e para a falta de condições que um povo tem para fazer a sua escolha.

Espero que todos esses fatos nos sirvam de lição, sirvam-nos de instrumento para uma escolha mais acertada, a fim de que não sejamos obrigados a ver as pessoas de bem serem confundidas com as que agem de má-fé.

Sr. Presidente, quero fazer um comentário, rapidamente, pois sei que disponho de apenas mais cinco minutos. Infelizmente, as pessoas admiram o Parlamentar que diz: “Falei ao Presidente que só votaria a favor da reforma da Previdência se ele atendesse às minhas exigências”! O povo entende que é assim que os Parlamentares devem agir. Acreditam que aqueles que não agem dessa forma são bobos e estão errados. Essa lógica perversa é que tem que acabar na cultura brasileira, a bravata daquele que diz que falsifica documentos, como se isso fosse um ato de grandeza - perdoem-me a linguagem chula -: “Sou macho, vou lá, falsifico, pego um material de segunda categoria e vendo como se fosse de primeira”! E houve uma voz ao fundo, pôde-se perceber quando a Globo noticiou o fato, que disse: “Excelente, excelente!” O Deputado dizia as coisas mais torpes, e uma voz, como um coro, dizia “excelente”! As pessoas, às vezes, admiram esse estilo “arrojado” de se fazer política. É isso que tem de mudar.

Sr. Presidente, fazendo um paralelo, para concluir, pergunto: como é que alguém que está inadimplente com o INSS, que está respondendo a uma série de processos, consegue um financiamento de R$13 milhões no Banco do Brasil? Acompanho produtores rurais que tiram o seu chapeuzinho, põem-no debaixo do braço e chegam até o gerente tremendo, com suas mãos calejadas. O gerente, por sua vez, pede a eles o CPF, a Carteira de Identidade, o título dominial, a cadeia dominial para conceder um empréstimo de R$700 mil ou R$300 mil. O coitado, humilhado, volta e pega todos os documentos. Mas é ainda preciso que ele apresente um programa técnico bem feito, com assistência técnica, para que o seu projetinho seja aprovado, para que ele possa comprar uma vaquinha, fazer um roçado, uma pequena lavoura para sustentar, com dignidade, a sua família. Concordo que ele pode se tornar inadimplente e, por isso, o banco tem que ter toda a segurança. Mas o mesmo rigor usado com esse “pequeno barnabé” não é utilizado com o Deputado, que, além de ser inadimplente, responde a processos, vai ao Banco e consegue não R$300 mil, mas R$13 milhões! O Deputado não pode ser julgado sozinho. Com ele devem ser julgadas a sociedade brasileira, as instituições brasileiras, que não são capazes de reagir diante do tráfico de influência. Deve ser cassada, de uma vez por todas, a prática política que admite o ingresso dessas pessoas no Parlamento brasileiro. Não podemos nos dar por satisfeitos com a cassação. Não podemos fazer a cirurgia, tirar o Deputado, mas deixar, nas entranhas da nossa cultura e das nossas instituições, espaço aberto para que novos “Nayas”, novos “Ronivons, novos “anões” apareçam - os gigantes do soterramento da dignidade e da cultura de um povo.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/1998 - Página 3526