Discurso no Senado Federal

VIOLENCIA DURANTE A CONVENÇÃO NACIONAL DO PMDB, ONTEM, EM BRASILIA, QUANDO FOI DECIDIDO O APOIO A REELEIÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. COMENTARIOS A INSTITUIÇÃO DA REELEIÇÃO NO BRASIL SEM DESINCOMPATIBILIZAÇÃO, NA EPOCA DE CRISE SOCIAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. ELEIÇÕES. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • VIOLENCIA DURANTE A CONVENÇÃO NACIONAL DO PMDB, ONTEM, EM BRASILIA, QUANDO FOI DECIDIDO O APOIO A REELEIÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. COMENTARIOS A INSTITUIÇÃO DA REELEIÇÃO NO BRASIL SEM DESINCOMPATIBILIZAÇÃO, NA EPOCA DE CRISE SOCIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 10/03/1998 - Página 3619
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. ELEIÇÕES. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • REPUDIO, VIOLENCIA, FORMA, DECISÃO, APOIO, REELEIÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONVENÇÃO NACIONAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), COMPROMETIMENTO, ATUAÇÃO, CLASSE POLITICA, BRASIL.
  • CRITICA, CRIAÇÃO, REELEIÇÃO, BRASIL, AUSENCIA, NECESSIDADE, DESINCOMPATIBILIZAÇÃO, ANTERIORIDADE, REALIZAÇÃO, ELEIÇÕES, PREJUIZO, DEMOCRACIA.
  • ANALISE, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, AUTORIZAÇÃO, AUMENTO, INFLAÇÃO, ANTERIORIDADE, IMPLANTAÇÃO, PLANO, REAL, REDUÇÃO, NIVEL, SALARIO, EXCESSO, PROTEÇÃO, BANCOS, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), CRESCIMENTO, IMPORTAÇÃO, PREJUIZO, AGRICULTURA, INDUSTRIA NACIONAL.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, venho a esta tribuna por preocupar-me com a conjugação de várias forças adversas que incidem sobre a sociedade brasileira, e que já começam a se manifestar também entre outros setores da atividade política. Não quero entrar nos liames, na internalidade do Partido que ontem escolheu seu candidato à Presidência da República, o PMDB, mas lamentar a agressividade, a violência e a presença de pessoas pagas para realizar uma atividade política desqualificada ou para desqualificar a atividade política.

Os discursos e as relações políticas estão assumindo um baixo nível no Brasil, e receio que na próxima eleição esse nível seja ainda mais baixo. Temo que a presença do dinheiro corruptor nessa concorrência política, no mercado da consciência - compra e venda de consciências, “é dando que se recebe”, troca de favores de toda espécie - vá fazer com que tudo isso se alie a uma falta de perspectiva e a uma homogeneização dos discursos, que deveriam apresentar alternativas para a sociedade brasileira, mas não o farão. Haverá uma geléia discursiva na próxima eleição. A linguagem dos Partidos de Oposição, dos antigos Partidos Socialistas será abafada não apenas por uma pretensa ultrapassagem da experiência do socialismo no Leste Europeu - a queda do Muro de Berlim -, mas também por uma falta de perspectiva, dada a crise aprofundada do capitalismo mundial, crise essa transferida para o Brasil num momento em que o Real também se encontra em uma situação de extrema fragilidade. A conjugação desses elementos com a crise econômica e social, com a crise do Real, dos partidos políticos e do discurso político pode ser altamente explosiva e perniciosa para a coletividade brasileira.

Um desses elementos tentamos evitar, aqui desta tribuna, por meio de cinco ou seis discursos em que procurávamos alertar a respeito do perigo de se recorrer à instituição que aí está - uma experiência inédita - , a reeleição sem desincompatibilização. Mas, como todas as posições que assumem a consciência da Oposição no Legislativo, fomos “tratorados” pela ditadura da maioria.

Gostaria de ler alguns trechos de um livro de extrema atualidade, escrito por um observador dos mais argutos que a humanidade conheceu. De cada cem milhões de turistas, se houvesse um que trouxesse colaborações para a análise das instituições, das relações jurídicas e políticas de um país estrangeiro como o fez Alexis de Tocqueville, em seu livro A Democracia na América, creio que se deveria estimular essas viagens, esse intercâmbio de pessoas capazes de nos trazer essas pérolas do entendimento. Diz ele:

“Entretanto, pode-se ainda considerar o momento da eleição do presidente ... como época de crise nacional”. Tocqueville refere-se à reeleição do presidente, como época de crise nacional.

“Muito antes do momento fixado, a eleição torna-se o maior e, por assim dizer, o único evento que preocupa os espíritos. As facções redobram de ardor; todas as paixões factícias que a imaginação pode criar, em país feliz e tranqüilo, agitam-se, nesse momento, em praça pública.

Por seu lado, o presidente encontra-se absorvido na tarefa de defender-se. Não governa mais no interesse do Estado, mas no de sua própria reeleição: prosterna-se diante da maioria e, freqüentemente, em lugar de resistir-lhe às paixões, como o dever o obrigaria, antecipa-se a seus caprichos.

A intriga e a corrupção são os vícios naturais dos governos eleitos. Mas quando o chefe de Estado pode ser reeleito, esses vícios estendem-se indefinidamente e comprometem a própria existência do País. Quando um simples candidato quer vencer pela intriga, suas manobras só podem exerce-se em espaço restrito. Quando, ao contrário, o chefe de Estado entra também na disputa, usa em seu proveito a força do governo.

É impossível considerar-se a conduta ordinária dos negócios nos Estados Unidos sem perceber que o desejo de ser reeleito domina o pensamento do presidente; que toda a política de sua administração tende para isso; que suas mínimas providências são subordinadas a esse objetivo; que, à medida que se aproxima o momento da crise, isto é, da eleição, o interesse individual substitui, em seu espírito, o interesse geral.

O princípio da reeleição torna, portanto, a influência corruptora dos governos eleitos mais extensa e perigosa. Tende a degradar a moral política do povo e substituir o patriotismo pela habilidade”.

É o que estamos vendo, sem dúvida alguma, repetir-se no Brasil por meio deste início, deste caráter ainda incipiente da nossa primeira experiência no campo minado da reeleição presidencial.

Logo, não é de se estranhar que a legislação eleitoral sentir-se-á inerme, desarmada, pouco municiada, pouco preparada, não tendo os fiscais suficientemente aptos em número e em qualidade para fazer cumprir a legislação e pôr cobro a esses desmandos presidenciais que ocorrem em época de reeleição. Sequer temos essa experiência para que as precauções devidas possam ser tomadas. Portanto, já vimos, neste primeiro episódio, mais uma vitória da reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

É triste verificar que essa vitória se faz em detrimento da democracia e que ela significa, como diz Alexis de Tocqueville, época de crise nacional.

Percebemos que o Presidente Fernando Henrique Cardoso é, indiscutivelmente, o filho do Real, aquele que, quando Ministro do Presidente Itamar Franco, deixou que a inflação se elevasse de cerca de 26% para 54% ao mês, deixou que a inflação se elevasse a fim de que os preços alcançassem o teto, o máximo possível.

Nessa ocasião, disse Rubem Ricupero: “os preços devem subir tanto que os industriais e comerciantes passarão a perceber que se elevarem ainda mais os preços, aumentarem ainda mais a inflação, as compras se retrairão e eles irão à falência”.

Uma das estratégias, uma das âncoras do Plano Real foi uma inflação disparada, galopante, que antecipou e colocou os preços lá em cima. Os preços não podiam subir mais. Se subissem, haveria uma quebradeira, uma onda de falências em virtude da retração da demanda, uma contenção de salários e vencimentos, para tornar essas mercadorias inacessíveis.

Naquela ocasião, criou-se o princípio medieval de que o consumo era um perigo. Dizia o Governo: “O Dia dos Pais poderá ocasionar tantas compras, um aquecimento tão grande da economia, que o Real estará em perigo. Não comprem, não consumam. O consumo é um pecado e poderá atingir o Real.”

Portanto, a fome dos brasileiros foi, desde o princípio, a grande âncora desse plano. Preços de Primeiro Mundo. O custo de vida no Brasil, como em Buenos Aires, igualou-se ao de Tóquio. O Big Mac, vitorioso sanduíche universal que o capitalismo produziu, demonstrando também que a arte culinária e o bom gosto não podem sobreviver nesta nossa sociedade, passou a custar no Brasil cerca de R$3,00 e nos Estados Unidos U$0,53. Enquanto isso, o brasileiro recebe seis vezes menos que o americano. Recebemos seis vezes menos, e pagamos seis vezes mais. Daí o grande fluxo de turistas para Nova York, para o mundo inteiro, para os brasileiros poderem comer e comprar coisas baratas no mercado de Nova York; onde os preços são muito mais baixos que os nossos. Nossos preços, embora tidos como de Primeiro Mundo, talvez sejam até mais elevados, contudo, nossos salários são de Terceiro Mundo.

Enquanto na França, o salário mínimo é de US$1.400, este Governo festeja um salário mínimo mísero de R$120,00. A propósito, o Sr. Collor de Melo prometeu, por ocasião de sua campanha, que deixaria o Governo com um salário mínimo de US$300 , mentira confirmada por mais mentira.

Assim, fez-se a âncora cambial, que assustadoramente igualou a nossa moeda definhada, a nossa moeda paupérrima ao fantástico e poderoso dólar. O Sr. Gustavo Franco queria que uma moeda fraca, que um Real valesse dois dólares, a fim de que importássemos barato as porcelanas, os tapetes, os sapatos, os tecidos, os carros, tudo o que sobrava no Primeiro Mundo, destruindo - como foi destruída - a nossa produção interna. Setores inteiros foram arruinados. A produção da nossa porcelana do Sul foi solapada pela invasão daquela proveniente da China. Os nossos sapatos, no Vale dos Sinos, deixaram de ser exportados. Bateram os sinos de finados para os sapatos do Sul do Brasil. E vimos a onda de falências e de concordatas que atingiu pequenas, médias e grandes empresas. Mas, ao atingir inexoravelmente os bancos, como conseqüência da redução da demanda, da contração do consumo, do achatamento dos salários e vencimentos, do conseqüente aumento das inadimplências, estes acabaram entrando em falência. Para eles, entretanto, houve o Proer, houve uma proteção exagerada. E para os outros? A agricultura brasileira teve de reduzir 400 mil empregos durante esse exitoso governo do real.

Pois bem, parece que não pode haver dúvida. Se o Governo estava certo ao montar essas estacas vampirescas do real no peito do trabalhador brasileiro, dizendo que assim iria exorcizar o vampiro da inflação, na realidade, ou estava mentindo lá ou está mentindo agora, porque, no dia 19 de junho do ano passado, o Presidente da República, às páginas 9, 10 e 11 da Gazeta Mercantil, disse o seguinte: “na realidade, houve um exagero na valorização do real frente ao dólar, mas este exagero não fui eu que cometi, foi o Collor”. No entanto, apesar de haver tido três anos para corrigir o exagero, ele o aumentou.

Pois bem. E o que diz Sua Excelência neste momento em que aproximam as eleições? “Realmente houve prejuízo para a indústria nacional, mas pretendo criar mecanismos para proteger a indústria nacional”.

Excelência, mas isso não é protecionismo? - perguntou-lhe o repórter.

“Ah, mas isso a Alemanha e os Estados Unidos também fazem.”

Desse modo, agora, a abertura ao mundo não é mais um postulado da modernidade. “Era preciso aumentar as alíquotas de importação para proteger três setores” - disse ele. Três setores? Mas o Ministério da Indústria e do Comércio afirma, em documento, que são dezessete os setores sucateados e atingidos por esta insana taxa de câmbio. Como o Presidente é dada a modéstias, disse então que eram apenas três os setores que deveriam ser protegidos, diante da avalanche do capital internacional.

Em nome do subconsumo, em nome do perigo do consumismo, os preços subiram, os salários e vencimentos ficaram congelados por três anos, numa defasagem de no mínimo 40%, com uma dívida social não paga. Devido principalmente ao alto custo dos juros, que provocou um déficit orçamentário, Sua Excelência afirma que é preciso enxugar e demitir funcionários públicos ineficientes.

Para terminar, Alan Greenspan, o Presidente do Banco Central dos Estados Unidos, adverte que novamente a crise asiática pode atingir Japão, Estados Unidos e outros países. Muitos afirmam que o Brasil talvez seja a bola da vez. Agora o Japão se encontra em situação realmente mais perigosa talvez do que o Brasil.

De modo que penso ser pura dinamite uma reeleição feita desta maneira - aquela a que Alexis de Tocqueville já se referiu -, com toda a sua prepotência, com todo o seu autoritarismo, com toda a sua voracidade. Suharto, na Indonésia, já está na sétima reeleição; muita estabilidade e muita destruição. A Argentina já caminha com Carlos Menem para a terceira reeleição em nome da estabilidade e, no Peru, Alberto Fujimori - El Chino - vai também para a terceira reeleição. Chamam a isso de democracia com estabilização.

Parece-me que todas essas forças se entrelaçam, se conjugam, se aliam para tornar a conjuntura nacional altamente perigosa. Se não houver cobro, se não houver limite, se as ambições continuarem eriçadas como estão, se os recursos dos Estados falidos - e só nos Estados R$17,8 bilhões serão aplicados na política e retirados dos investimentos das empresas estatais, que não serviam, não davam lucro. Esses recursos serão aplicados no mercado eleitoral, que deve proporcionar muito mais lucro e retorno do que nas empresas estatais.

Sr. Presidente, agradeço a V. Exª pela paciência com que me ouviu e por permitir-me falar além do prazo regimental que me foi concedido.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/03/1998 - Página 3619