Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DA MULHER.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DA MULHER.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/1998 - Página 3772
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MULHER.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, na sessão de hoje, dedicada ao Dia Internacional da Mulher, evidente que merecem de todos nós, no mínimo, a nossa atenção criteriosa, o nosso respeito sincero, mas, sobretudo, algumas reflexões.

Neste século, houve três grandes revoluções importantes realizadas pelo ser humano na face da Terra. Uma delas foi uma mudança profunda nas relações do ser humano com a natureza, com o cosmos, com os planetas, com a sua área de vida, com o seu habitat. Mudanças também ocorreram no plano do conhecimento, no desenvolvimento das ciências -- tecnologia, cibernética, informática --, mudanças profundas que revolucionaram o homem e as mulheres em si mesmos.

A segunda grande revolução deste século é aquela que, segundo o historiador inglês Erick Hobsbawn, ocorreu a partir de outubro de 1917, na Rússia, criando a União Soviética, e encerrou-se no ano de 1989, com a queda do Muro de Berlim, a Revolução Socialista a que o Erick Hobsbawn chamou de “o breve século XX”. Essa foi uma revolução do ser humano no seu relacionamento com outros seres humanos. Portanto, neste século, o homem mudou, primeiro, as suas relações com a natureza; segundo, as suas relações consigo mesmo. Mas a terceira e mais importante revolução que o ser humano realizou foi aquela que ele estabeleceu entre os gêneros masculino e feminino.

Entre os saldos, débitos e créditos do século XX, não há nenhuma dúvida de que a revolução mais importante e mais profunda do ponto de vista de sua dimensão humana foi a das mulheres. Primeiramente porque foi uma profunda revolução conceitual, que conseguiu abstrair a questão das diferenças de sexo para entender, isto sim, as igualdades entre os gêneros. E essa revolução generista é, sem dúvida, a mais importante do século XX. É a maior de todas elas e é possivelmente aquela que deixará uma herança de crescimento, de evolução da humanidade daqui para o futuro com muito mais força, com muito mais energia.

Quando se faz hoje um levantamento a respeito do papel da mulher na sociedade moderna, ainda se registra muita discriminação, um número considerável de práticas restritivas à mulher. Ainda é profundamente injusta a sociedade humana, do ponto de vista da mulher como gênero, isto é inegável, mas também, como disse o Senador Pedro Simon, dos espaços e nos espaços que a mulher conquistou, ela conseguiu demonstrar, fazer valer a afirmação da sua presença, da sua qualificação, da sua capacidade, principalmente da sua igualdade como gênero. E é uma lição importante esta, uma lição de humanidade que a mulher dá quando demonstra a capacidade que tem, a luta que empreende, a guerra que é capaz de travar para garantir o seu espaço e o seu direito. É uma lição de humanidade porque, nesta revolução da mulher no mundo, não há intento de supremacia, não há objetivos hegemônicos. Os objetivos são profundamente humanizadores, para estabelecer plenamente a igualdade entre os gêneros masculino e feminino.

Talvez seja possível que, depois desta revolução empreendida pelas mulheres, haja uma outra grande revolução, subproduto desta, que se dá na cabeça e na consciência dos homens: as mulheres livres estão produzindo homens livres. Em outras palavras, o fato de as mulheres terem-se emancipado e conquistado espaço transformou cérebros mesquinhos, autoritários, apequenados por uma visão despótica das relações humanas em homens que sabem respeitar, que sabem reconhecer direitos da sua parceira, da sua companheira, e que sabem tratá-la como igual, como absoluta e inequivocamente igual. É por isso que digo: a consciência libertária das mulheres está produzindo também homens com consciência libertária. Homens foram capazes de evoluir e, porque evoluíram, tornaram-se mais completos e mais felizes. E essa talvez seja a primeira e mais importante conseqüência da revolução das mulheres no século XX.

No entanto, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, neste dia em que as palavras são de homenagem, de exaltação e sobretudo de justiça às mulheres do Brasil e de todo o mundo, considero importante também fazer uma reflexão, que não é nenhuma tentativa pedagógica de indicar caminhos, mas é possivelmente uma busca socializada de pensamento comum, uma tentativa de socializar problemas, reflexões e dificuldades. Creio que o papel mais importante que as mulheres podem cumprir nesta etapa de avanço dos gêneros masculino e feminino é o de ocuparem um papel dirigente na sociedade. E aqui não consigo livrar-me do jargão marxista e dizer que é muito importante que algumas mulheres coloquem-se no lugar de defensoras das classes sociais das quais emanam. Há mulheres emancipadas que se vêem como defensoras da classe dominada, e, como tal, são mulheres reivindicantes; esse é um papel extraordinário, feito também por alguns homens, mas que as mulheres têm desempenhado com notável talento e energia. Há outras mulheres que, igualmente inseridas numa classe dominante, são exemplos de atuação, de liderança, de competência e de capacidade emancipatória dos seus atos e gestos no âmbito da classe dominante em que se inserem. Mas essas não são, para mim, as mulheres mais surpreendentes, aquelas que se vêem como representantes dos dominados ou aquelas que se vêem como líderes inseridas no contexto dos dominantes. Na minha opinião, a mulher mais revolucionária deste final de século é aquela que impõe para si um papel gramsciano. Perdoem-me o jargão, que não é marxista, mas é gramsciano no sentido de que Gramsci queria que os trabalhadores fossem capazes de se emancipar da sua condição e da sua visão de classe dominada, e que não fizessem uma opção por classe dominante, mas que escolhessem o terceiro caminho como classe dirigente, porque classe dirigente é aquela capaz de estabelecer um consenso democrático entre diversos interesses em jogo, capaz de produzir equilíbrio do conflito, capaz de produzir resultados do impasse, capaz de avançar em pontos em que há atraso.

           O homem ou mulher dirigente atuam no cenário político como representantes de um determinado setor, de uma determinada classe, mas, quando atuam no plano do poder, sabem que têm responsabilidades globais, responsabilidades abrangentes, que não se restringem a uma visão precária, corporativa ou discriminatória. Eu diria que o homem ou a mulher que se vê como dirigente quando atua no cenário político é capaz de tomar decisões em favor do conjunto, em defesa dos que mais precisam, mas sem a visão estreita do corporativismo, sem as limitações da mera postura reivindicante, ou seja, o dirigente se responsabiliza pelos resultados e assume, como na ética de Max Weber, a ética das conseqüências, não ficando apenas na ética dos princípios. Penso que este é o passo mais definitivo, mais extraordinário que algumas mulheres no mundo e no Brasil têm sido capazes de dar: o de abandonarem as limitações da sua condição de classe dominada ou de classe dominante, para assumirem seu papel e sua função dirigente numa sociedade democrática. Acredito que esta seja a plenitude da emancipação. E tenho visto e registrado belos e notáveis exemplos dessa forma superior de praticar a política, a arte das relações intersociais, intergrupais, enfim, a arte das relações humanas.

Não tenho nenhuma dúvida de que a prática da discriminação positiva é o caminho mais rápido e eficiente para esse processo de emancipação. Vi esses exemplos em outros países e hoje estou convencido de que essa prática, embora pareça em um primeiro momento uma anomalia, uma forma forçada e artificial de construção social, é um instrumento muito eficaz para a formação de uma classe dirigente composta por homens e mulheres.

É por isso que votamos a lei que estabeleceu a necessidade de os partidos políticos abrirem um espaço obrigatório em suas nominatas para Deputado Estadual e Federal, porque entendemos que a formação dessa consciência dirigente representa o passo mais sólido, sem dúvida alguma, a fórmula maiúscula de fazer com que o gênero feminino seja, neste final de século, aquele que se responsabiliza pela mais extraordinária mudança comportamental vivida pela humanidade. Não tenho nenhuma dúvida disso.

É claro que a luta das mulheres não é só essa luta macrofísica da busca do seu espaço e de sua consciência como classe dirigente. Estou falando aqui apenas de uma parcela, de um prisma, talvez de uma nuance do processo, porque a luta de libertação das mulheres é também microfísica, ela se dá no universo da família, no universo restrito do lar, na defesa até de sua integridade física contra a violência, na igualdade de direitos civis, na igualdade que ela tem nas relações estáveis que hoje substituem o casamento civil.

Não tenho nenhuma dúvida de que nessa fauna imensa que é a humanidade, nós, os homens, estamos sendo empurrados para uma consciência libertária pela revolução libertária que as mulheres empreenderam neste século.

Posso, com a tranqüilidade de quem vem de um Estado de base agrária e, portanto, de longas tradições culturais machistas, dizer que a revolução das mulheres está produzindo homens melhores, homens mais felizes e mais completos, homens mais íntegros.

A nossa transformação e o nosso destino são comuns. É um destino comum de gêneros, não há nenhuma dúvida. Mas, nesta etapa da história, a nós homens mais do que respeitar, mais do que apenas permitir, cabe engajarmo-nos neste processo de conquista, de lutas e de afirmação que o gênero feminino vem fazendo. Assim, apoiar as discriminações positivas significa, de alguma forma, engajarmo-nos neste processo dentro daquilo que nos cabe fazer e do que nos é possível fazer, além da vivência do dia-a-dia, além das questões menores vividas no microuniverso de cada família, de cada relação interpessoal.

É por isso, Sr. Presidente, que faço um registro e uma homenagem neste Dia Internacional da Mulher.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/1998 - Página 3772