Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DA MULHER.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. FEMINISMO.:
  • HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DA MULHER.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/1998 - Página 3774
Assunto
Outros > HOMENAGEM. FEMINISMO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MULHER.
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, HISTORIA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, MERCADO DE TRABALHO, LUTA, IGUALDADE, DIREITOS, HOMEM.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, imaginem o dilema de um orador, ao fim de uma homenagem que o Senado da República presta à mulher, por ocasião do dia 8 de março, hoje comemorado em sessão permanente, digamos assim, do Senado Federal, já que interrompemos as homenagens, exclusivamente, para a votação das matérias da Ordem do Dia.

Imaginem o drama de um orador depois de tantas e tão judiciosas palavras, tantos e tão profundos conceitos emitidos a esse respeito, como, por exemplo, agora, na fala do Senador José Fogaça, que abordou o problema da mulher na contemporaneidade através de uma ótica política, relativa ao seu engajamento nas lutas da sociedade.

Ao assistir ao Senador, ao ouvir o discurso antes do Senador Pedro Simon, em que pudemos constatar a presença do Pedro Simon poeta, e não apenas do guerreiro, ao ouvir o discurso belo da Senadora Marina Silva, com a sua doçura encantadora, que jamais a impede de ocultar as suas verdades profundas, eu me imaginava na dificuldade de ser um dos últimos oradores neste dia, já que praticamente o assunto foi abordado de modo amplo, generoso e fraternal.

Fico a pensar nos desafios da mulher contemporânea, tanto o da mulher trabalhadora - tão bem aludidos pelo Senador José Fogaça - como o da mulher de qualquer outra categoria social, até porque ambas vivem dilemas e dificuldades semelhantes.

Fico a pensar no conjunto de funções que a sociedade contemporânea engendra para a figura da mulher, e como é heróica a forma pela qual a mulher vem enfrentando esse conjunto de injunções! É a mulher do trabalho, é a mulher da libertação de suas peculiaridades existenciais e é a mulher portadora do princípio feminino. Ora, como é difícil conciliar, no mundo contemporâneo, esse aspecto tripartite!

A mulher do trabalho, evidentemente, possui idênticas condições ao homem, que até então dominava a sociedade, pelo menos até a metade deste século. Ela possui inteligência da mesma natureza, energia da mesma forma, as mesmas condições. O que existia era um abafamento, por parte do poder dominante, no qual o homem era o protagonista, dessas qualidades intrínsecas da mulher. E exatamente as sociedades patriarcais abafavam na mulher as suas peculiaridades. Como compensação desse abafamento, erigiam a mulher musa, a mulher intocável e até - por que não dizer - a mulher assexuada, como as formas mais elevadas e respeitáveis do princípio feminino, porque essa era uma maneira de abafar a potencialidade feminina mediante uma exaltação compensatória.

A mulher da segunda metade do século XX , portanto, rompe essa estrutura, responsável por comportamentos cristalizados do homem, por opressão dentro e fora do lar e na sociedade. Ela rompe com uma coragem de que só as mulheres são capazes.

O outro aspecto é o existencial-comportamental. A mulher assume a partir da década de 50 também alguns aspectos até então nela reprimidos, como a plenitude do seu corpo, da sua sensualidade e também a coragem de publicamente enfrentar todas as barreiras a ela impostas para impedir essa assunção.

A mulher sensual, por exemplo, sempre foi anatematizada na sociedade. A sensualidade feminina sempre pareceu às gerações antigas como um risco, até porque a sensualidade feminina - poderosa como é - quantas vezes ameaça a tola idéia masculina de superioridade na sensualidade. A mulher precisa, então, ao lado de já haver buscado a luta pelo trabalho, pela afirmação profissional, buscar essa libertação. Ah, quanto sofrimento para tal! Quantas dores, quantas lutas, quantas dificuldades!

Há uma lenda, na mitologia, segundo a qual uma mulher é transformada em serpente. E essa transformação só desaparecerá no dia em que ela puder efetivamente se realizar na plenitude amorosa. Seria longo entrar na história dessa lenda. Mas, ela engloba na simbologia exatamente esse tema que, milênios depois, veio a ser compreendido pela sociedade, quando a mulher assume a plenitude de seu corpo e de sua sensualidade. Isso aparece, de um modo simbólico, até quando ela traz o seu corpo ao primeiro plano por intermédio da roupa. Pelo biquíni, na década de 50, o corpo da mulher passa a ser o seu motivo de afirmação e não apenas um motivo de desejo velado ou a busca de despertá-lo A mulher assume o seu corpo e a sua sensualidade.

Entra na sociedade, nesse momento, um dado tecnológico decisivo: a pílula anticoncepcional. A pílula, pela primeira vez na história da humanidade, trouxe para a mulher a possibilidade do relacionamento sensual sem o risco da maternidade - digo risco no sentido da maternidade como acidente, porque maternidade não é risco, é privilégio. A partir da pílula, fica estabelecida para a mulher uma adjuntiva dramática: ela dá o seu corpo e só ela oferece o risco para a sua saúde no sentido de impedir uma procriação e proclamar a possibilidade de uma relação sexual fora da idéia cristã predominante, a da relação sexual para a procriação.

Nesse momento, ela assume uma sensualidade própria, e a assume no seu corpo. Não foi no corpo do homem que se fizeram as experiências iniciais nessa matéria, foi no corpo da mulher. As experiências no corpo do homem vêm depois, com a vasectomia em alguns casos e, posteriormente, na era da AIDS, com outros preservativos, por razões diversas, porque até então, até para se libertar, era o corpo da mulher o objeto do experimento. E ela enfrenta a possibilidade da sua emancipação como ser, ainda que com o risco da própria saúde e com a oferta do próprio corpo, nesse sentido simbólico de que é no corpo da mulher que se estabelecem os primeiros elementos da possibilidade da relação sexual sem os riscos da maternidade não desejada.

Portanto, no terreno existencial, a trajetória da mulher no século XX é de uma natureza funda e de uma coragem exemplares. Quantos e quantos tabus foram quebrados, ainda hoje e nos últimos cinqüenta anos, a partir desse ato corajoso da mulher? E como conciliar essa emersão na vida profissional e na questão existencial? Como conciliar esses dois planos com aquele outro, que também é inegável na mulher, embora, por momentos, ele seja oculto em certas causas feministas, o do princípio feminino ou o do eterno feminino?

Para se falar do princípio feminino, há que se sair... 

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Com prazer, Senador.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Penso que há certos pronunciamentos de V. Exª, como esse, já que a TV Senado está gravando, que a direção da Casa deveria enviar a todas as escolas brasileiras, porque é uma aula fantástica de competência, de gabarito, de cultura e de altruísmo. Estou emocionado com o pronunciamento de V. Exª.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Muito obrigado, Senador. Isso não só me honra, como me perturba, porque sei a sinceridade de V. Exª e eu estava certo de estar fazendo um conjunto até não muito organizado de idéias. Mas, enfim, às vezes, quando cessamos o cuidado com as coisas, elas aparecem de modo melhor. Agradeço a V. Exª.

O princípio feminino foi definido muito bem por alguns psicólogos, como Carl Gustav Jung. Jung descobre existir na humanidade, como uma espécie de arquétipo do inconsciente coletivo da humanidade, dois grandes vetores que ele chamou de animus e de anima. O animus seria o princípio masculino e a anima, o princípio feminino - interessante que a palavra anima quer dizer também alma; animar vem de anima.

O princípio feminino seria, por natureza, doador, lunar, procriador, terra, compreensão, nutrição, doação de vida. O princípio masculino seria, por natureza, solar, não-terra, porém semente, vigor, aventura, busca, inconseqüência. Esses dois princípios, verifica Jung, estão presentes em todas as lendas, em todas as mitologias, ao longo dos tempos. Eles aparecem em todos os povos, independentemente de cultura, de desenvolvimento, como uma marca, por isso ele chamou de arquétipo, isto é, modelos ancestrais, modelos primeiros, dentro dos quais a humanidade pensa. E é notável a descoberta do psicólogo sobre a presença desses arquétipos aos quais ele chamou de arquétipos do inconsciente coletivo; aquelas marcas da humanidade, ao longo do seu desenvolvimento, criaram como que uma espécie de memória ancestral da humanidade. Essa memória são os arquétipos. Ele notou, na sua análise científica, que praticamente todas as civilizações, independentemente de tempo, de cultura e de tudo o mais, repetiam esses arquétipos. Esse foi o motivo de ele usar a expressão arquétipo, que significa fôrma, modelo, molde; arquétipos do inconsciente coletivo. Seja o inconsciente de uma tribo viking, de um tribo na África, seja no mundo moderno, esses arquétipos estão presentes.

Ali estavam o animus e a anima. A anima é o princípio feminino. E era justamente da junção dos dois princípios que se formaria a plenitude de uma personalidade. Jung chegava a dizer que jamais a personalidade de um ser humano do sexo masculino seria completa se ele não assumisse a sua anima, isto é, o seu princípio feminino; e vice-versa: uma mulher chegaria ao máximo da sua maturidade ao assumir o seu princípio masculino juntamente com a dominante de seu princípio feminino.

Ora, é fácil imaginar como foi pouco entendido e distorcido o fato de o homem assumir o seu princípio feminino. Atualmente, essa linguagem é comum na sociedade, mas levou muito tempo e foi necessária muita repressão para que ela pudesse vir à tona com a facilidade com que hoje é tratada. Hoje, os homens falam no seu princípio feminino sem nenhuma dúvida de que se lhes vá confundir a masculinidade. Ao contrário, certos homens com princípio feminino ativo, sem perda da sua masculinidade, são até extremamente atraentes na sociedade contemporânea. Isso se pode ver com perfeição ao se verificar como mudaram as visões do próprio herói na mitologia do cinema contemporâneo. Enquanto o herói antigo era justamente aquele de sentimentos brutos, digamos, para sintetizar, um John Wayne, o herói da contemporaneidade pode ser perfeitamente um Dustin Hoffman. Não é necessária a beleza, não é necessário ser indômito. O princípio masculino dominante, com a presença da capacidade de incorporação do princípio feminino, isto é, das capacidades nutrientes, compreensivas, lunares, harmônicas.

Isso também foi pouco compreendido até pelos movimentos feministas em certo momento, porque poderia ser usado pelo machismo como forma de compelir a mulher a uma posição de subalternidade. Ora, se ela é compreensiva, se é nutriz, ela tem que assumir o papel em plenitude na sociedade. Em nome dessa lógica, o machismo ocultava e reprimia um dos aspectos mais bonitos do princípio feminino, impedindo-o que viesse a tona. E a mulher enfrenta, neste final de século XX, esta luta pela realização das tarefas como trabalhadora, profissional; como mulher que enfrenta essas lutas tendo que trazer o princípio feminino como um dos elementos de sua natureza. Não mais o princípio feminino como único, mas o princípio feminino que, dosado aos aspectos do princípio masculino no trabalho, na constância, na competição, geram a possibilidade de um novo ser.

Por isso acredito que estejamos na aurora desse tempo dos novos seres; seja pela visão esotérica, já estamos na Era de Aquário e um novo tipo de visão da vida e do mundo vai surgir, seja porque se isso não for verdade a sociedade já é hoje um lugar onde o homem e a mulher trocam, às vezes de modo incompreensível, incompreendido e até doloroso, experiências.

Como disse muito bem o Senador José Fogaça, a mulher parece muito mais bem preparada para essa tarefa do que o homem. É evidente que não vamos generalizar, mas o homem hoje se comporta por reação, enquanto a mulher se comporta por ação, e quem age é livre, quem reage é condicionado. Na medida em que o homem - ainda no tema do Senador José Fogaça - for capaz de compreender em profundidade essa ascensão, ele será um companheiro dessa ascensão e se beneficiará não mais como opressor, porém como companheiro. E ser companheiro significa aprofundar o entendimento da vida, saber-se relativo, entender-se como não onipotente, conhecer-se na humildade. Talvez seja esta a grande lição que a contemporaneidade traz a nós homens: conhecermo-nos na humildade. Oxalá sejamos capazes de nos reconhecermos como tal.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srs. Senadores, pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/1998 - Página 3774