Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE DEFINIÇÃO DE UMA POLITICA DE CIENCIA E TECNOLOGIA PARA O PAIS. ANALISE DO PAPEL DO ESTADO, INCLUINDO A PARTICIPAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL E DA UNIVERSIDADE NO CONTEXTO DA RENOVAÇÃO DA BASE PRODUTIVA E AMPLIAÇÃO DA CAPACIDADE TECNOLOGICA.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • NECESSIDADE DE DEFINIÇÃO DE UMA POLITICA DE CIENCIA E TECNOLOGIA PARA O PAIS. ANALISE DO PAPEL DO ESTADO, INCLUINDO A PARTICIPAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL E DA UNIVERSIDADE NO CONTEXTO DA RENOVAÇÃO DA BASE PRODUTIVA E AMPLIAÇÃO DA CAPACIDADE TECNOLOGICA.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/1998 - Página 3786
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • DEFESA, URGENCIA, DEFINIÇÃO, POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, BRASIL, OBJETIVO, RENOVAÇÃO, SISTEMA, PRODUÇÃO, MODERNIZAÇÃO, INDUSTRIA, MELHORIA, QUALIDADE, PRODUTIVIDADE, INDUSTRIA NACIONAL, FOMENTO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, PAIS.

           O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o novo cenário mundial e o atual processo de globalização da economia são marcados por uma acirrada competição centrada no conhecimento científico e tecnológico. Vai longe o tempo em que se distinguiam países desenvolvidos dos subdesenvolvidos levando em conta, tão-somente, a renda per capita dos seus habitantes. No limiar do terceiro milênio, as necessidades cotidianas do homem adquiriram tal complexidade que se torna impensável, hoje, o desenvolvimento sem a utilização crescente da tecnologia. Por outro lado, todo o aparato tecnológico que o mundo moderno nos oferece não deve ser visto como um fim em si mesmo, mas como um meio para melhorar a qualidade de vida.

           As circunstâncias em que ocorreu o progresso científico e tecnológico, no Brasil, ensejaram a existência, no mesmo espaço geográfico, de processos produtivos com utilização de alta tecnologia lado a lado com práticas rudimentares em que o uso de instrumentos precários impede o melhor rendimento do trabalho. Pode-se, mesmo, afirmar que convivem no mesmo espaço diferentes eras da evolução científica e tecnológica. Quanto ao panorama mundial, não só produzimos pouco, mas proporcionalmente representamos cada vez menos. Apesar do grande potencial da nossa Nação, das enormes riquezas naturais e da extensão de território, como país de importância científica e tecnológica, infelizmente, significamos cada vez menos, no âmbito internacional. Toda a nossa produção de pesquisa representa 0,5% da ciência no mundo.

           Num quadro caracterizado, até pouco tempo atrás, pelo descontrole inflacionário e pela desordem econômica, nós, os políticos, premidos pelas circunstâncias, temos manifestado preocupações, na grande maioria, imediatistas. Poucos, muito poucos, dentre nós, têm apresentado soluções que, apesar de mais demoradas, são, na realidade, fundamentais para alavancar o País e tirá-lo do atraso crônico, permitindo-nos almejar uma posição mais favorável no contexto mundial e um acesso mais equânime aos benefícios que a ciência e a tecnologia trouxeram ao mundo contemporâneo.

           Em que pesem os avanços representados pelo processo constituinte, com destaque para o capítulo da Carta Magna, que determina o tratamento prioritário à Ciência e Tecnologia, é necessário reconhecer que os resultados da ação política foram limitados.

           Alguns aspectos da questão sobre o progresso técnico-científico se poderiam beneficiar diretamente da participação do Legislativo: a indicação de prioridades entre as grandes áreas de pesquisa que merecem financiamento do Poder Público; a maior conscientização da nossa população e, em especial, da juventude, quanto à valorização da pesquisa como fator de melhoria da qualidade de vida; o maior envolvimento de empresas de portes médio e pequeno na incorporação de tecnologias modernas. a maior colaboração internacional na busca de novos caminhos para o enriquecimento coletivo e para a ampliação da oferta de empregos bem remunerados; a dinamização da economia local como compensação para eventuais perdas de postos de trabalho em conseqüência de inovações tecnológicas.

           Para que a ação do Legislativo pudesse tornar-se mais sistemática, seria necessária uma contrapartida de esforço idêntico por parte do Executivo. Mesmo diante da prioridade governamental dispensada ao plano econômico, mesmo sem maiores recursos imediatos, há necessidade urgente de discutir e planificar uma política de ciência e tecnologia a curto e a longo prazos, para que as disponibilidades existentes ou que venham a surgir possam ser adequadamente aplicadas. É inadiável o momento de iniciar uma análise (no sentido macro) da situação do fomento à pesquisa na área de ciência e tecnologia no Brasil!

           O fator primordial que reforça a necessidade de ser repensada uma política de pesquisas em Ciência e Tecnologia no País é o notório esgotamento das políticas industriais setoriais, orientadas para a substituição de importações e tendo a presença do Estado, nas atividades produtivas diretas, como ponto de apoio. Por outro lado, as políticas de Ciência e Tecnologia não são mais definidas exclusivamente pelos governos com a participação da comunidade científica, mas a sociedade exige, cada vez mais, o direito de participar diretamente da definição das grandes opções científicas e das soluções técnicas dadas aos problemas sociais.

           Novas políticas devem ser definidas para renovação da base produtiva e ampliação da capacidade tecnológica. A modernização industrial depende de um sistema produtivo com capacidade de introduzir, nas suas atividades, mudanças de natureza técnico-científica e organizacional. É preciso definir políticas que criem condições para um processo de acumulação e de incorporação de recursos tecnológicos e que dêem apoio à formulação de estratégias de inovação por parte das empresas. As pressões para a inevitável abertura da economia brasileira à concorrência internacional e as exigências de competitividade colocadas pelo processo de globalização dos mercados e pela intensificação dos fluxos internacionais de tecnologia deverão ser incorporadas como fatores fundamentais de determinação de uma nova política tecnológica.

           As reflexões teóricas mais recentes a respeito da formulação de políticas de Ciência e Tecnologia colocam, de maneira quase consensual, pontos particularmente problemáticos que caracterizam essas políticas: a definição de objetivos; a necessidade crescente de avaliação das atividades de pesquisa pela sociedade (legitimidade); a capacidade de apropriação pela sociedade dos conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos; novas soluções de financiamento; e reflexão ética sobre os benefícios e os custos sociais dos avanços científicos. A análise desses pontos nos leva a constatação de que pesquisa científica e mudança tecnológica são processos diferentes, que não são submetidos aos mesmos critérios de eficiência nem à mesma dinâmica socioeconômica, embora estejam fundamentalmente inter-relacionados. Numa política de ciência, são elementos essenciais: a autonomia dos pesquisadores e dos cientistas, o acesso livre ao saber produzido, o caráter público dos conhecimentos, a formação de recursos humanos de alta competência, a não-exigência de um retorno imediato dos investimentos. A política tecnológica, por outro lado, tem por finalidade a difusão do progresso técnico, a modernização industrial e o apoio à inovação.

           Levando em conta a inadequação do presente pronunciamento para a análise exaustiva dos aspectos teóricos e técnicos concernentes à formulação de uma política de Ciência e Tecnologia, quero apenas destacar mais dois pontos que considero fundamentais para o equacionamento da questão: o papel do Estado e da Universidade.

           A primeira e mais importante questão da relação entre ciência, tecnologia e Estado diz respeito à dimensão pública e social do conhecimento científico e tecnológico, tanto em relação às políticas e condições fundamentais de sua produção, quanto às suas interações com as demandas e necessidades da sociedade. Nas sociedades modernas capitalistas, a intervenção do Estado tem assumido um papel fundamental no campo da Ciência e Tecnologia, como mostram as experiências bem sucedidas dos modelos alemão, italiano, japonês, dos tigres asiáticos e dos EUA. Em decorrência desses pressupostos, faz-se necessário que o Estado assuma de fato o compromisso de garantir as condições para fomento, promoção e aproveitamento da Ciência e Tecnologia, visando à realização do bem coletivo. Sobretudo no campo social, tornam-se prioritárias suas contribuições para a solução de problemas emergenciais e relevantes que afetam a grande massa da população. Nesse sentido, pleiteia-se um sistema que fortaleça a ação fomentadora do Estado, a articulação horizontal e sua compatibilização com as demais políticas e objetivos do Governo. Um sistema que supere as duplicações e superposições de funções. Sobretudo, um sistema em que as dimensões pública, social e democrática do desenvolvimento científico e tecnológico sejam reconhecidas e preponderantes.

           Pelo componente fundamental que envolve essas decisões, o Congresso Nacional constitui o locus privilegiado para análise e definição da política de Ciência e Tecnologia. Isso requer capacitação e instrumentação do Poder Legislativo para avaliar os impactos dessa política na sociedade, bem como o estabelecimento de uma nova relação entre o Parlamento e o planejamento governamental.

           Quanto ao papel que cabe à Universidade desempenhar, sabemos que, mesmo nos países mais industrializados, as universidades são centros, por excelência, de investigação inovadora. Esse papel cresce de importância em países como o Brasil, que não dispõem, ainda, de poderosas empresas que invistam imensos recursos no setor da pesquisa. A questão que se levanta é a seguinte: nossas universidades possuem capacidade própria para produzir competitividade, conhecimento científico e inovação tecnológica? Universidades dessa natureza, necessariamente, precisam dispor de uma ampla infra-estrutura: laboratórios, instalações e equipamentos de acordo com o estado da arte, bibliotecas ricas e atualizadas, redes informatizadas e computadores de alto desempenho, oficinas de serviço e desenvolvimento instrumental, serviços técnico-administrativos de padrão profissional, carteira de projetos organizados para captação de recursos extra-orçamentários. O grosso dessas instituições, mesmo que potenciais, está ligado à universidade pública que, a despeito de suas fragilidades, começa a discutir seus problemas: corporativismo, falta de incentivos aos mais produtivos, aposentadoria precoce e ausência de retorno de benefícios à sociedade. Um aproveitamento melhor das verbas destinadas às universidades necessita de um planejamento que tenha em vista aquilo que precisa ser pesquisado, em determinado momento, tendo em vista os interesses do País.

           Por fim, Sr. Presidente, nesta minha exposição, necessariamente sucinta e lacunosa, sobre a necessidade de definição de uma política de Ciência e Tecnologia para o País, seja-me permitido abordar, ainda, um último aspecto. Embora incompleto e frágil, o sistema nacional de pesquisa é o resultado de importantes investimentos acumulados nos últimos vinte anos. No âmbito operacional, dispomos de uma grande diversidade de institutos e órgãos de pesquisa, com 142 instituições federais de ensino superior, além de uma estrutura de formação de recursos humanos em nível de pós-graduação que já supera um total de 1651 cursos de mestrado e doutorado. Verifica-se a existência de cerca de 5.000 grupos de pesquisa, reunindo mais de 20 mil pesquisadores nas várias áreas do conhecimento. Ainda que esta capacidade técnico-científica esteja aquém daquela disponível nos países desenvolvidos, é significativa em termos regionais e comparativos com a América Latina. Além da institucionalização da pós-graduação, contamos com um processo razoavelmente competente de distribuição de recursos pelas agências de fomento, baseado na avaliação de mérito. Não é muito, mas é suficiente, se tivermos uma nova perspectiva política, comprometida com a transformação socioeconômico-cultural que caracterizará o Brasil como país desenvolvido.

           Mas não se resume, Sr. Presidente, ao domínio do saber a conceituação aqui atribuída a país “desenvolvido”. Desenvolvido é, também, e principalmente, aquele país cujas classes dirigentes, como reflexo da própria cultura nacional, são capazes de criar e operar um sistema de produção de conhecimento e de bens que atenda à comunidade em termos de qualidade de vida e ao cidadão nas suas aspirações por uma plena utilização das possibilidades históricas do seu tempo.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/1998 - Página 3786