Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DA MULHER.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DA MULHER.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/1998 - Página 3684
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MULHER, REGISTRO, LUTA, IGUALDADE, DIREITOS, BRASIL, MUNDO.

A SRª. BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, como mulher, negra e oriunda das classes mais humildes, tenho um compromisso, que procuro reafirmar cotidianamente no exercício do meu mandato, de luta contra as imposições das classes dominantes, de incessante oposição a toda e qualquer forma de discriminação social.

           Felizmente, pudemos verificar, no transcurso do Dia Internacional da Mulher, um forte engajamento na luta pela igualdade dos direitos e das oportunidades entre os sexos. Infelizmente, pudemos concluir que, se muito conquistamos até o presente momento, muito mais temos a conquistar até que a igualdade que reivindicamos se torne uma realidade efetiva.

           No Brasil, e em todo o mundo, houve numerosas manifestações em favor da mulher, alternando homenagens e protestos contra sua discriminação. Aqui, na Capital da República, o Dia Internacional da Mulher foi festejado com uma passeata iniciada no Parque Infantil Ana Lídia - nome que homenageia a garota brutalmente assassinada 30 anos atrás, num crime ainda impune que comoveu a cidade - e encerrada na Torre de TV.

           No Estado do Rio de Janeiro, que tenho a honra de representar neste colendo Plenário, houve, entre outras comemorações, uma caminhada de quatro quilômetros pelas praias do Leme e de Copacabana, com as presenças do Ministro da Saúde, Cesar Albuquerque, e de Rosiska Darcy de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Manifestações dessa natureza deram demonstração inequívoca de que a sociedade brasileira, hoje, está consciente e engajada na luta pelo estabelecimento de um novo modelo de relações sociais, mais democrático e igualitário.

           No plano internacional, o destaque foram as manifestações em favor das mulheres afegãs, submetidas a um regime que, por suposta obediência a dogmas religiosos, as oprime de forma contundente. A repressão às mulheres no regime de Cabul é tão forte que os protestos aconteceram em Paris, em Madri, em Roma e em praticamente todas as capitais ou cidades importantes da Europa, fazendo eco no Vaticano, onde o Papa João Paulo II defendeu “as mulheres que têm seus direitos fundamentais negados pelos regimes políticos de seus países”.

           O Dia Internacional da Mulher foi instituído não apenas para homenagear as mulheres, mas, principalmente, para marcar a luta em favor do reconhecimento dos seus direitos. A humanidade conscientizou-se dessa necessidade sobretudo após a morte de 129 tecelãs americanas, incendiadas criminosamente na fábrica em que trabalhavam por reivindicarem jornada diária de 10 horas de trabalho.

           Desde então, a luta daquelas mulheres tomou nova proporção, com o engajamento dos setores mais avançados da sociedade no movimento para eliminar os preconceitos e promover a igualdade entre os sexos. A instituição do Dia Internacional da Mulher viria a universalizar essa luta, que, longe ainda de acabar, tem registrado resultados animadores.

           Nas últimas décadas, as mulheres abandonaram sua posição de espectadoras dos acontecimentos para assumir o papel de participantes da história, seja na política, nas artes, na economia, ou no papel anônimo de operárias, mães, chefes de família. A mulher cansou-se das promessas do mundo masculino, de que sua vez estava para chegar. Assim, arregaçou as mangas e foi à luta, nas fábricas, nos escritórios, nas escolas, nas repartições públicas.

           Entre suas conquistas mais importantes, pode-se citar o direito ao voto. Era pouco para seu potencial, para sua capacidade de trabalho e seu talento. Assim, aos poucos, foi alçando vôos maiores, até assumir cargos da maior importância, como as chefias de governo. Num relance, poderíamos citar, entre as mulheres que chegaram à instância máxima do poder, Isabel Perón, Indira Gandhi, Golda Meir, Benazir Bhuto, Violeta Chamorro, Margaret Thatcher.

           Nos Estados Unidos, a nação mais poderosa do planeta, a política externa está entregue à Secretária de Estado Madeleine Albright. Também naquele país, uma brasileira, Jacqueline Lira, faz parte de um seleto grupo que opera o laboratório de propulsão a jato da NASA. Seria cansativo citar exemplos de mulheres que ocupam funções de importância basilar nos negócios, na política e em todos os segmentos da sociedade.

           De qualquer forma, seria desnecessário, porque comprovar a competência e o talento da mulher não nos basta. O que nos interessa, efetivamente, é democratizar essas oportunidades, uma vez que as mulheres, na vida cotidiana, são vítimas de odiosa discriminação que se revela no mercado de trabalho, nas escolas, nos lares.

           Nesse aspecto, a sociedade brasileira ainda tem que aprimorar-se muito. Há uma nítida apartação da mulher no que tange às oportunidades de trabalho, e, ainda quando empregada, a mulher recebe salários bem inferiores aos dos homens para a execução de tarefas idênticas.

           Na antevéspera do terceiro milênio, vivemos uma verdadeira revolução financeira e industrial. Suas conseqüências se expressam na linguagem, no mundo do trabalho, mudando radicalmente o modo de viver do povo brasileiro.

           A palavra “globalização” tem se revelado presença constante no repertório não só dos políticos, empresários e intelectuais, mas também na esfera popular, através da mídia em geral. Sabemos que o processo de globalização está em marcha no Brasil. Neste sentido, há que se pensar e compreender melhor as perspectivas dos próximos anos, bem como suas implicações sociais, tendo em vista a doutrina adotada por nossos governantes trazer risco e implicações diretas nas políticas sociais que refletem as condições de vida das mulheres:

           - Aumento de mulheres no mercado de trabalho;

           - Aumento da taxa de desemprego das mulheres;

           - Aumento da taxa de mulheres como chefes de famílias.

           Dentro do quadro alarmante da atualidade, se nós mulheres não tomarmos medidas rápidas e drásticas, continuaremos fora dos níveis de decisão sobre a reorganização do mundo em que vivemos, com graves reflexos nas questões de base como o desemprego, baixo nível educacional, caos na saúde e o aumento da violência, bem como tantos outros exemplos.

           A globalização é o paradigma da atualidade que vem demarcar pontualmente as diversas estruturas em nosso País e que gera a exclusão social como fenômeno marcante deste fim de século. Seja ela de gênero, de classe social, racial, étnica e religiosa.

           O Brasil é reconhecido como País de regime democrático. Para além de outras definições e princípio, democracia significa que todas as pessoas que são afetadas por decisões devem poder participar e intervir nos processos que as definem. Nesse sentido, a democracia de fato é um valor e um ideal dinâmico ainda em construção, por isso um ideal a ser perseguido em nossa realidade.

           Em todo o mundo, as constituições democráticas modernas colocam como princípio a igualdade entre homens e mulheres. Isso, porém, não tem tido reflexo direto na participação efetiva das mulheres nas instâncias de poder decisório em nível idêntico ao dos homens. Assim como não se considera democrático um regime que não aceita o sufrágio universal ou a separação dos poderes, não é possível continuarmos a aceitar como normal e pacífico, numa redutora visão dos direitos humanos, como democrático, um país onde há exclusão da metade do povo de suas decisões.

           Para que entendamos melhor a precariedade de nossa democracia, é bom atentarmos para as considerações acerca desse déficit democrático acumulado e chamarmos a atenção para o fato de que em grande parte de nossas instâncias de poder político a quota de participação masculina chega a 100%.

           No Brasil, com raríssimas exceções, como no caso da Assembléia Legislativa de São Paulo, a quota masculina chega a 89%, ficando 11% para as mulheres. Para além do déficit quantitativo, há o déficit qualitativo, refletido em uma organização social e política tradicional que dispensa a contribuição feminina para a gestão da sociedade. Isso significa uma péssima gestão de recursos e potenciais humanos.

           Daí apontarmos para a contradição da política liberal, que aponta para o ideal de igualdade, quando o que assistimos é a eliminação das diferenças nas práticas governamentais.

           Nós, mulheres, somos diferentes dos homens por natureza e história. Nesse sentido, podemos contribuir de modo diferente para o bem comum, com o mesmo direito de acesso aos bens, recursos e gestão da sociedade.

           Nossa experiência histórica, gestão do cotidiano, experiência diversificada, mobilidade e práticas apontam para o papel social que devemos assumir: o de elementos portadores de uma visão e de uma sensibilidade que poderão melhorar nossa sociedade no que concerne à organização e à definição de propriedade e objetivos.

           Bom seria se houvesse a preocupação com a inconstitucionalidade dessa disparidade nos centros de poder e ela fosse tratada como jurídica e socialmente injusta e incorreta, exigindo-se mecanismos específicos para superá-la.

           Há, portanto, de se desenvolver um novo ideário para a democracia, construído a partir da consciência renovada dos direitos das mulheres e do reconhecimento da própria dualidade do gênero humano. Até agora a teoria democrática não tem dado importância à questão de gênero, matriz da alteridade do ser humano.

           No entanto, essa exclusão sistemática e histórica das mulheres persiste e é tolerada apesar das mudanças que se operaram com a criação e viabilização das quotas.

           O que queremos é a igualdade entre os sexos nas esferas de decisão como elemento central da democracia. Cabe ainda lembrar a preocupação de não generalizarmos a mera formalidade da “igualdade” e a distorção percebida quando se confunde “igualdade” com a anulação de diferenças.

           Assim o importante é não anular as diferenças em nome da igualdade, tendo como parâmetro universal um só modelo. Ao contrário, as diferenças tanto sexuais, como de gênero e tantas outras devem ser reconhecidas e integradas, o que significa refazer tudo o que se fez até aqui, recriar um novo paradigma e uma nova concepção de democracia paritária, o que acreditamos trará repercussões positivas em todas as instâncias governamentais, com reflexo na vida cotidiana. Isso quer dizer que devemos afirmar a diferença ao invés de excluí-la.

           Assim, é preciso, sem mais delongas e etapas, que os movimentos sociais de mulheres, os partidos, as lideranças políticas e cada um de nós reconheça a paridade como valor a perseguir e desenvolver incorporando-a como um dos objetivos de nossa atuação, para mudar a base democrática neste País, através de ações afirmativas destinadas a estabelecer a igualdade de oportunidades, por meio de medidas que compensem ou corrijam as discriminações, para atender a necessidade de novos caminhos para a instalação de uma verdadeira democracia no Brasil.

           Nós, mulheres, representamos, hoje, mais de 50% da população mundial e fazemos a outra metade. Neste sentido cabe alertar para que não haja o cancelamento da possibilidade de haver futuro para a humanidade.

           Não reivindicamos um tratamento privilegiado. Exigimos apenas igualdade de oportunidades e de direitos e pleno reconhecimento de nossa capacidade, o que há séculos nos vem sendo negado.

           Em artigo publicado no Jornal do Brasil, no dia 13 do mês passado, a Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio de Janeiro, Anna Maria Rattes, salientou:

           De todas as bandeiras que a mulher carregou neste final de século, a busca da identidade permanece como uma das mais importantes. Para se ter uma idéia, dentro do pressuposto da sociedade antiga, a mulher feliz era a que fazia felizes seu marido e seus filhos, esquecendo-se de si mesma. O feminismo foi capaz de perceber quão pouco idealizado era o conceito de felicidade e quão pouco, na maioria das vezes, a mulher que tinha alcançado o ideal de casar e ter filhos podia-se dizer totalmente realizada.

           O homem brasileiro, talvez um tanto assustado com a postura assumida pelas mulheres nestas últimas décadas, procurou distorcer o ideal e as feministas. O movimento foi enormemente prejudicado, dada a falsa noção de que as mulheres pretendiam ser iguais aos homens. Na verdade, nós pleiteamos apenas respeito, direitos iguais, oportunidades idênticas e reconhecimento de nossas potencialidades.

           No transcurso do Dia Internacional da Mulher, Srªs. e Srs. Senadores, é importante que a sociedade brasileira se conscientize de que as mulheres não se querem defrontar com os homens e nem com eles competir. Querem, pelo contrário, participar de forma ativa, juntamente com eles, da reformulação do modelo de relações sociais, não com interesses corporativos, mas com a convicção de que esse pacto resultará em benefícios gerais para toda a sociedade.

           Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/1998 - Página 3684