Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DA MULHER.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DA MULHER.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/1998 - Página 3676
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MULHER, ANALISE, LUTA, FEMINISMO, IGUALDADE, DIREITOS, REGISTRO, ESTATISTICA, DISCRIMINAÇÃO, TRABALHO.

A SRª JÚNIA MARISE (Bloco/PDT-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, inicialmente, saúdo minhas colegas Senadoras e, por que não, nossos colegas Senadores, lembrando a expressão do Senador Ramez Tebet, “que também ornamentam o plenário nesta sessão especialmente dedicada à comemoração do Dia Internacional da Mulher”.

O Dia Internacional da Mulher, que hoje estamos celebrando e que transcorreu no último domingo, não é apenas uma homenagem que se presta a essa parcela da humanidade. É, principalmente, uma data evocativa da luta milenarmente travada pela companheira do homem para desfrutar da igualdade de condições e de direitos.

Ainda hoje, no limiar do terceiro milênio, quando a humanidade alcança progressos nunca vistos, em espantosa velocidade, a mulher é relegada a um plano inferior na convivência cotidiana com o homem, como se ambos não se completassem e não pertencessem à mesma espécie.

Essa discriminação se revela claramente no campo profissional, onde as tarefas mais importantes ainda são reservadas aos homens, assim como a melhor remuneração, ainda que as mulheres executem as mesmas tarefas; na representação política, bastando lembrar que o direito ao voto lhes foi sistematicamente escamoteado por séculos a fio e que sua participação nos parlamentos, em suas diversas instâncias, é muito reduzida; nos centros decisórios, em geral, da Administração Pública do nosso País, constatamos hoje a presença ainda tímida da mulher nos escalões superiores. E é lamentável que neste Governo, do Presidente Fernando Henrique Cardoso, não haja uma mulher ocupando o cargo de Ministra. E até mesmo no lar, onde fica confinada, entregue aos trabalhos domésticos e à responsabilidade de educar os filhos, e onde, freqüentemente, é vítima de maus tratos, de violência física e de coação moral.

Essa situação tem mudado ao longo do tempo, ninguém poderá negar. É verdade que a mulher, hoje, e especialmente no mundo ocidental, goza de direitos que seriam absolutamente inimagináveis, não digo milênios ou séculos, mas, quem sabe, algumas décadas atrás. No entanto, esse é o cerne da reflexão que ora fazemos.

O Dia Internacional da Mulher, portanto, instituído há 97 anos, por ocasião da II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, reveste-se de especial importância, não por eventuais festejos e homenagens, mas pelo significado que tem, de compromisso, de engajamento numa luta cujas conquistas apenas começam a configurar uma realidade.

A instituição dessa data teve seus antecedentes, destacando-se o Women’s Day, que marcava a morte de 129 operárias de Nova Iorque, criminosamente queimadas no interior da fábrica de tecelagem em que trabalhavam, por realizarem uma greve com o objetivo de reduzir a jornada diária.

No Brasil, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso I, estabelece que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Essa equiparação resulta de um passado de refregas para derrubar antigos preconceitos e costumes, sendo conveniente lembrar, para atiçar a memória dos mais vividos e dar conhecimento do fato aos mais jovens, que só em 1932 as mulheres brasileiras exerceram, pela primeira vez, seu direito de votar.

Representando nada menos que 52% da população mundial, a mulher, ainda assim, enquadra-se no conceito de minoria - no caso, minoria ideológica, como os negros, os deficientes, os analfabetos e outros tantos excluídos de uma sociedade cuja classe dominante insiste em perpetuar um modelo espúrio de relações de poder. E, conquanto os ordenamentos jurídicos das nações em geral consagrem a igualdade entre os sexos, as mulheres continuam sendo discriminadas por uma sociedade que não aceita dividir os poderes.

Aqui mesmo, na Capital da República, onde a população é mais politizada e convive mais de perto com o poder constituído, a mulher sofre forte discriminação no mercado de trabalho. Pesquisa de emprego realizada pela Codeplan, entre dezembro de 1996 e setembro do ano passado, revelou que as mulheres de Brasília ganham 31,8% a menos do que os homens que exercem a mesma função.

A mesma pesquisa demonstrou que a participação da mulher é maior quando o assunto é desemprego: dos 156 mil e 600 desempregados de Brasília, 84 mil e 600 eram mulheres, contra 72 mil homens. E mais: que 19,9% - praticamente 20% - dos chefes de família eram mulheres e que, entre os chefes de família desempregados, 27% eram homens e 73% mulheres.

No serviço público, as mulheres são igualmente vítimas do preconceito e da discriminação, o que explica sua rara presença nos escalões mais altos, nos meios decisórios.

Na administração direta do Governo Federal, embora as mulheres sejam maioria, os cargos de direção e assessoramento superior, os famosos DAS, são reservados preferencialmente aos servidores do sexo masculino. Prova disso é a distribuição dos DAS: no nível mais baixo, contemplam 45% das mulheres servidoras; no nível mais elevado, apenas 14%.

As estatísticas nacionais apontam, por outro lado, duas contradições. As mulheres vão assumindo, aos poucos, funções mais qualificadas no mercado de trabalho, atuando como empresárias, pequenas e microempresárias e também gerenciadoras de médias e grandes empresas. Ao mesmo tempo, constata-se ainda que não somos iguais no contracheque: as mulheres ganham 46% menos que os homens, exercendo as mesmas funções.

Esse é um dado importante, porque o modelo de lar, no Brasil e no mundo, tem-se transformado significativamente. Embora discriminadas, as mulheres assumem hoje as responsabilidades que até há pouco eram exclusivas dos homens. Isso ficou demonstrado, por exemplo, no programa Globo Repórter, da Rede Globo de Televisão, levado ao ar na sexta-feira 13 do mês passado.

No programa foram apresentadas diversas reportagens que documentaram o papel da mulher como provedora do lar. Sucessivamente, foram apresentados os casos de uma avó que utiliza sua minguada pensão para custear os estudos do neto; de mulheres que trabalham arduamente na quebra de coco, no Mato Grosso, para ganhar alguns míseros reais, com o que sustentam numerosa prole, de cinco ou mais filhos; e, ainda, de mulheres que se desdobram para dividir seu tempo entre o trabalho fora de casa e a educação dos filhos.

A luta pela igualdade de direitos intensificou-se nas últimas três décadas. As mulheres passaram a ocupar um espaço que, na verdade, já lhes cabia e, em muitos casos, passaram a disputar cargos no sistema produtivo com os homens. Seu campo de atuação, portanto, ampliou-se.

Das linhas de montagem, onde mostravam maior paciência e destreza, passaram para as áreas de gerenciamento e direção. Isso aconteceu, em muitos casos, porque os homens, dadas as dificuldades impostas pela crise econômica, não conseguiam mais, sozinhos, sustentar o lar com os seus salários. Aos poucos, as mulheres foram compatibilizando o trabalho no lar e no mercado de trabalho.

Em recente artigo, no jornal Folha de S. Paulo, a socióloga e professora Eva Blay, que foi, inclusive, nossa colega no Senado da República, pontificou:

“O feminismo desmascarou a falsa ideologia de que a condição biológica do sexo feminino impunha a domesticidade. Mostrou que a condição de gênero é construída pela própria sociedade, que determina os papéis que homens e mulheres devem desempenhar.”

A reação aos movimentos feministas tem provocado um amplo debate e muitas controvérsias. Não se pode negar, contudo, a existência de tentativas várias de descaracterizar suas justas propostas e de desqualificá-las. Na verdade, as mulheres brasileiras, ao longo dos anos, vêm buscando aumentar sua participação na sociedade no desejo de transcender seus lares e contribuir para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.

O feminismo, hoje, está sendo revisto. Não tanto em suas propostas, mas, principalmente, em sua estratégia, que busca valorizar as diferenças e evidenciar o fato de que as qualidades e características de homens e mulheres, antes de se chocarem, integram-se e complementam-se.

A luta pela igualdade, hoje, tem o reconhecimento de sua diferença sem hierarquias.

Nas universidades as mulheres representam 51% dos universitários - esses são dados extremamente importantes. São jovens que se preparam para o futuro e certamente não vão aceitar desigualdades salariais nos seus postos de trabalho pelo fato de serem mulheres.

No Brasil - situado no penúltimo lugar entre os países de contingente populacional mais pobre do mundo -, constata-se que 70% da população pobre são constituídos de mulheres.

O Governo não pode fechar os olhos a essa realidade. Faz-se necessário implantar planos de moradia que possam atender principalmente as mulheres chefes de família e também cursos de qualificação profissional.

Ao registrar o Dia Internacional da Mulher, transcorrido no domingo, e que comemoramos por toda esta semana, quero deixar uma mensagem de esperança e de luta para as mulheres do Brasil e de todo o mundo, propondo a união de todos no engajamento desta luta. Luta que, longe de contrapor homens e mulheres, alicerça-se em um novo modelo de convivência, no qual as mulheres, beneficiadas com o reconhecimento de seus direitos e de sua capacidade, hão de dar maior contribuição à construção de uma sociedade pluralista, fraterna, afetiva e democrática.

Concluo, Srª. Presidente, Srs. Senadores, dizendo que nesse momento e principalmente desde domingo, quando as mulheres brasileiras foram às ruas comemorar o Dia Internacional da Mulher, acirra-se o debate sobre os direitos inalienáveis de cidadania do nosso povo e das mulheres brasileiras.

No meu Estado, Minas Gerais, tive a oportunidade de participar de caminhadas, debates e sobretudo da reflexão que deu origem à constatação que fazemos hoje no nosso País: não existem políticas públicas voltadas para a população, sobretudo a mais pobre, do nosso País; não se tem dado prioridade às políticas públicas sociais que venham ao encontro das aspirações, do desejo e da vontade das mulheres brasileiras.

Enquanto não se estabelecer prioridade ao atendimento à saúde integral da mulher, à ampliação do número de creches para seus filhos - milhares e milhares ainda não têm um banco de escola para estudar -, certamente ainda continuaremos nas praças públicas, nos auditórios, nos parlamentos, exigindo, cobrando e pedindo que se faça justiça para com 52% da população deste País, representados pelas mulheres brasileiras do campo e da cidade, estudantes, jovens que se preparam para o futuro.

Muito obrigada, Srª. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/1998 - Página 3676