Pronunciamento de Ney Suassuna em 11/03/1998
Discurso no Senado Federal
PREOCUPAÇÃO COM A SECA QUE VEM ATINGINDO O NORDESTE BRASILEIRO, EM ESPECIAL O ESTADO DA PARAIBA.
- Autor
- Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: Ney Robinson Suassuna
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
CALAMIDADE PUBLICA.:
- PREOCUPAÇÃO COM A SECA QUE VEM ATINGINDO O NORDESTE BRASILEIRO, EM ESPECIAL O ESTADO DA PARAIBA.
- Aparteantes
- Jefferson Peres, Nabor Júnior.
- Publicação
- Publicação no DSF de 12/03/1998 - Página 3916
- Assunto
- Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
- Indexação
-
- APREENSÃO, SITUAÇÃO, PRECARIEDADE, ABASTECIMENTO DE AGUA, SECA, FOME, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DA PARAIBA (PB).
- CRITICA, FALTA, ATENÇÃO, AUTORIDADE FEDERAL, PROBLEMA, SECA, REGIÃO NORDESTE.
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, volto à tribuna do Senado Federal para, mais uma vez, pedir providências, ações de emergência no meu Estado, a Paraíba. Acredito mesmo, Sr. Presidente, que o Estado de V. Exª deve estar sofrendo igual inclemência, como também os Estados de Pernambuco, Ceará e vários outros Estados do Nordeste.
Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, entre as muitas definições de nação, há uma síntese de Ernest Renan, em conferência que pronunciou na Sorbone, em 11 de março de 1882:
“A nação é o resultado de um longo passado de esforços, de sacrifícios e de devotamentos. O culto dos ancestrais é, de todos, o mais legítimo; os ancestrais nos fizeram o que somos. Um passado heróico, grandes homens, a glória (a verdadeira), eis o capital social sobre o qual se assenta uma idéia nacional. Ter glórias comuns no passado, uma vontade comum no presente; haver feito grandes coisas em comum, querer continuar a fazê-las, essas são as condições essenciais para ser um povo”.
Essa é a definição, Sr. Presidente, de Ernest Renan, na conferência que pronunciou na Sorbonne em 11 de março de 1982.
Em seguida, Renan é mais preciso: a nação é solidariedade.
“Uma nação é, portanto, uma grande solidariedade, constituída pelo sentimento dos sacrifícios daqueles que o fizeram e dos sacrifícios daqueles que ainda estão dispostos a fazê-los. Ela supõe um passado; ela se resume, no entanto, no presente por um fato tangível: o consentimento, o desejo, claramente expresso, de continuar a vida em comum. A existência de uma nação é um plebiscito de todos os dias, como a existência do indivíduo é uma afirmação perpétua da vida”.
Após essa definição de Renan sobre o conceito de nação, sobre a solidariedade que ela deve ter entre seus membros, pretendo abordar esta questão inclemente, a seca, do Nordeste brasileiro, especialmente na Paraíba. O meu Estado é pequeno, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, possui três milhões e duzentos mil habitantes. Temos regiões bem diferenciadas: o sertão, o curimataú, o cariri, o brejo, o vale do Sabugi, o vale do rio Piancó.
Por incrível que pareça, Sr. Presidente, os efeitos do El Niño estão atingindo até o brejo, região que, como o próprio nome diz, é molhada. Pela primeira vez, tomo conhecimento de que o brejo está seco. A região de Bananeiras, por exemplo, está sem água para beber. No cariri há cidades que estão há noves meses sem um pingo d’água, razão pela qual a estão transportando de lugares distantes até 85 quilômetros.
Ontem, na Paraíba, houve invasões em sete cidades. Espera-se, para este final de semana, mais quarenta. Populações famintas avançam contra as escolas, levando a merenda escolar, quando não o fazem sobre o mercado público, levando o que podem. Os prefeitos, desesperados, decretaram calamidade pública em quase toda a região.
Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é duro alguém ver o gado, seja de ovinos, bovinos e até mesmo de caprinos, morrendo de sede. Isso já acontece em Serra Lavrada e em Barra de São Miguel.
O Sr. Nabor Júnior (PMDB-AC) - V. Exª me permite um aparte?
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Com muita satisfação, Senador Nabor Júnior.
O Sr. Nabor Júnior (PMDB-AC) - Embora não sendo originário do Nordeste - sou acreano -, conheço bem essa situação, porque morei no Ceará muitos anos. Estive em Fortaleza durante dez dias, no período de carnaval, e pude tomar conhecimento do drama que está vivendo o nordestino com a falta de chuva. Eles têm a esperança de que até o dia 19 de março, dia consagrado a São José, venha a chover na região. Caso contrário, haverá, segundo acreditam, mais um ano de seca. Por essa razão, acredito que a proposta de fazer a transposição das águas do rio São Francisco para o rio Jaguaribe resolverá, se não definitivamente, pelo menos parcialmente, os problemas decorrentes da seca que periodicamente se abate sobre o Nordeste. Empresto todo o apoio às palavras de V. Exª. Ouvi, há poucos dias, o Presidente da República dizer que a transposição das águas do rio São Francisco para o Jaguaribe está dentro dos planos do Governo. É preciso que os estudos técnicos sejam mais aprofundados, a fim de que o projeto seja executado. Sabemos que alguns Estados são contrários ao projeto. Provavelmente a Bahia não o vê com bons olhos. No entanto, acredito que se trata da única solução para resolver o problema da seca dos Estados nordestinos. As centenas de açudes que foram construídas na região desde o tempo de D. Pedro II não resolveram a inclemência da seca. Os Estados do Nordeste não se desenvolvem mais por falta de água. Quando houver água para irrigar aquelas terras férteis e abundantes, teremos resolvido o problema de miséria no Nordeste.
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Muito obrigado, Senador Nabor Júnior. V. Exª aborda com precisão a nossa dificuldade, que não é de hoje, não é momentânea. Estamos vivendo dias de amargura. Carros-pipa transportam água de 85Km, água de péssima qualidade, distribuindo doenças. Sabe-se que a água é poluída, mas é a única que se tem. É preciso que se tome uma decisão. A transposição das águas do São Francisco está programada. Presidi a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização e pude constatar que há verbas para o planejamento. Só que quando os recursos chegarem, já terá morrido metade da população. O gado já começou a morrer. As crianças, as primeiras vítimas, e os mais velhos, as segundas, já estão começando a periclitar. Agradeço a V. Exª pelo aparte.
O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Ouço o aparte do meu companheiro Jefferson Péres.
O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Senador Ney Suassuna, longe de mim a idéia de fazer uma intromissão num assunto que diz respeito a Estados nordestinos. Eu nem me sentiria em condições de fazê-lo, porque sou de um Estado onde há excesso de água. Portanto, em vez de opinar, eu gostaria de merecer um esclarecimento de V. Exª, para satisfazer a minha curiosidade. Parece-me tratar-se de um projeto racional e benéfico a muitos Estados. Assim, pergunto: qual a razão pela qual alguns setores nordestinos se opõem à transposição? Quais são os argumentos apresentados para essa discordância?
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB.) - Nobre Senador Jefferson Péres, em relação a essa transposição, a Bahia manifestou-se de maneira contrária anteriormente, já tendo modificado seu ponto de vista, porque queria que houvesse uma recomposição das cabeceiras do rio São Francisco, que estão desmatadas e assoreadas. Ela queria ligar um assunto a outro, porque achava que esta seria a forma de se dar uma solução à revitalização das cabeceiras do rio São Francisco.
O Estado de Pernambuco, que também apresentava discordância quanto a esse assunto, queria que o projeto no território pernambucano fosse mais completo.
Essa transposição irá atravessar os Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, atingindo cerca de seis milhões de pessoas. E é necessária. Dos quatro Estados atendidos, três querem água primeiramente para a regularização, mas principalmente para a irrigação. O Estado da Paraíba é o menos dotado de recursos hídricos e quer água para o consumo humano e animal.
Sou sertanejo da região mais interna, e sei que existe uma quantidade de água estocada nessa região. Assim, é preciso que ocorram vários anos de seca para que tenhamos o problema da falta de água para bebermos. Na Região do curimataú e do cariri, onde o solo é cristalino, a água se esvai com muita rapidez, e o subsolo é extremamente salgado. Na Paraíba, temos cerca de seis mil poços perfurados, dando vazão a essa quantidade de água. Desses seis mil, cerca de três mil se esvaziaram completamente pela falta d´água, principalmente nessa região de solo cristalino e mais raso, que é o caso do cariri e do curimataú. A grande quantidade de sal é um agravante. Então, é preciso que se resolva a situação dessas regiões.
No caso do brejo, nunca havia faltado água. Portanto, não tínhamos a menor preocupação com poços ou com reservatórios grandiosos. Agora, na seca, estamos pagando um preço altíssimo, porque estamos inteiramente desprevenidos.
A verdade é que a Sudene sempre nos socorreu nas estiagens menores, mas de tanto se falar em seca, Sr. Presidente, Senador Jefferson Péres, Senador Nabor Júnior, Srªs. Senadoras, isso virou rotina, deixando de sensibilizar as autoridades competentes. Por isso, estava lendo a declaração de Ernest Renan, na Sorbonne, sobre nação para dizer que o que une uma nação é a solidariedade, e ela não está existindo para com o Nordeste neste momento. O assunto virou rotina, e estamos desesperados, a ponto de não sabermos o que fazer, uma vez que a Sudene não dispõe de recursos para dar os carros-pipa, como nos governos anteriores, o que minorava a situação.
Estive ontem na Secretaria Especial de Política Regional, do Ministro Fernando Catão, que, além de ter todos os problemas políticos que temos, também não dispõe de recursos. Para o Governo do Estado, os recursos são insuficientes, e não sabemos a quem apelar.
Solicitei, Sr. Presidente, Srs. Senadores, uma audiência com o Presidente da República. Estou aguardando a resposta, mas ela deverá ser marcada amanhã ou terça-feira. Já pensei em outras alternativas para chamar a atenção e lembrar que há neste País alguns milhões de brasileiros que não têm água para tomar banho ou lavar roupa há meses e que, para beber, têm apenas uma água poluída, suja, imprópria para o consumo, transportada de uma distância de até 85 quilômetros. Imaginei, Sr. Presidente, fazer um monumento à lembrança, se a solução para o problema não aparecer na próxima semana. Estou mandando comprar dezenas de latas vazias de querosene, onde pintarei os nomes das cidades que estão sem água, e farei com elas um monumento na Praça dos Três Poderes, empilhando-as umas sobre as outras. Alguma coisa tem que ser feita, porque sei que discursos feitos desta tribuna, visita a ministérios e solicitação a órgãos públicos não têm eco neste Brasil, cujo poder está aqui em Brasília, no Sul e no Sudeste.
Problema de seca cheira muito à indústria da seca, e essa insensibilidade espalhou-se. Este País está deixando de ser uma nação. Por isso, lembrei a definição dada por Ernest Renan sobre o que é uma nação. Uma nação são elementos ligados por solidariedade, e está faltando solidariedade, neste momento, para com o povo do Nordeste e o povo da Paraíba!
Dói e dá vergonha de ser brasileiro chegar no cariri e ver o povo clamando por água, com filas quilométricas diante de um mísero carro pipa que despeja água suja nos baldes, usada para beber e cozinhar e para nenhum outro fim. Isso não existe. Dói e dá vergonha de ser brasileiro!
Por isso, Sr. Presidente, assumo a tribuna hoje para, mais uma vez, clamar por justiça e dizer que não sei o que fazer para chamar a atenção das autoridades sobre esse fenômeno, que já é cíclico no Nordeste, mas que este ano está chegando de forma avassaladora.
É preciso tomar providências para que irmãos nossos não morram de sede num País com tanta fartura d´água!
Muito obrigado.