Discurso no Senado Federal

ANALISE DAS CONSEQUENCIAS DA CRISE NAS BOLSAS DE VALORES DO PAISES ASIATICOS. EXEMPLOS A SEREM SEGUIDOS PELOS PAISES LATINOS AMERICANOS, PARTICULARMENTE O BRASIL, DAS EXPERIENCIAS ADQUIRIDAS PELOS PAISES ASIATICOS PARA ESTABILIZAÇÃO DE SUAS ECONOMIAS.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ANALISE DAS CONSEQUENCIAS DA CRISE NAS BOLSAS DE VALORES DO PAISES ASIATICOS. EXEMPLOS A SEREM SEGUIDOS PELOS PAISES LATINOS AMERICANOS, PARTICULARMENTE O BRASIL, DAS EXPERIENCIAS ADQUIRIDAS PELOS PAISES ASIATICOS PARA ESTABILIZAÇÃO DE SUAS ECONOMIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 12/03/1998 - Página 3918
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, FORMA, ADMINISTRAÇÃO, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, ASIA, COMPARAÇÃO, MODELO ECONOMICO, AMERICA LATINA, ESPECIFICAÇÃO, BRASIL, RESULTADO, NECESSIDADE, ADOÇÃO, PAIS, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, ESTABILIZAÇÃO, MOEDA, SIMILARIDADE, COREIA DO SUL, INDONESIA, TAILANDIA, FORMOSA (GO).

           O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a crise das bolsas que, no último ano, se alastrou pela Tailândia, Malásia, Hong Kong e Coréia do Sul, repercutindo com a rapidez dos impulsos eletrônicos nos mercados de capitais do Ocidente (de Nova York a São Paulo), e chegou a ameaçar a própria economia do Japão, começa a perder intensidade e já permite uma análise preliminar de suas causas, natureza e possíveis conseqüências.

           Sr. Presidente, o elevado grau de interdependência das economias do Extremo Oriente no pós-guerra evidencia-se no fato de os países emergentes reproduzirem não apenas o modelo exportador, mas também as estruturas financeiras do big brother japonês. Assim, por exemplo, a Coréia do Sul, o mais importante dos Tigres Asiáticos, tem sua economia bascada nos chaebol, gigantescos conglomerados familiares que produzem de roupas íntimas a satélites de telecomunicações, passando por virtualmente todos os setores e ramos industriais. Moldados nos keirctsu japoneses, os chaebol coreanos costumam ostentar longos braços bancários destinados a financiar as operações produtivas das respectivas holdings, bem como seus empreendimentos de exportação e investimentos diretos no Exterior. Também lá, em uma recapitulação dolorosa da “teoria da bicicleta”, quando o ritmo de crescimento sofre a menor desaceleração, tudo mais desaba. Provavelmente em razão das relações intimas entre as diferentes áreas de um mesmo conglomerado, com seus executivos acumulando postos nos boards de várias empresas, boa parte dos empréstimos concedidos em período recente revelaram-se imprudentes ou até temerários.

           Resultado: os bancos da Coréia hoje têm mais de 300% de seu capital literalmente enterrados em créditos de difícil ou dificílimo recebimento. Para que o país refinancie sua divida externa de curto prazo, os analistas internacionais estimam que será necessário um volume de recursos superior aos US$ 20 bilhões em empréstimos de emergência do FMI inicialmente anunciados.

           Quando se fala em crise asiática, o primeiro cuidado consiste em evitar generalizações apressadas acerca do impacto da recessão, que já se desenha nitidamente no horizonte do próximo ano, sobre cada uma das economias da região. Por trás do rótulo genérico de tigres asiáticos, ocultam-se relevantes diferenças quanto ao modelo de desenvolvimento econômico e de política industrial adotado. Desse modo, a referida Coréia do Sul é, como já vimos, a que mais se aproxima do perfil japonês, caracterizado por megagrupos de capital nacional. Já Taiwan desenvolveu-se a partir de uma aliança entre reduzido número de grandes companhias estatais e uma rede de micro, pequenas e médias empresas movimentadas pelas conexões pessoais e familiares (guanxi) dos chineses da ilha, do continente oficialmente proibido e da vasta diáspora chinesa ao redor do planeta - de Bangcoc a São Francisco, de Jakarta a Vancouver, e assim por diante.

           Cingapura, uma diminuta cidade-Estado que antes parecia sem futuro, encontrou seu caminho para a prosperidade transformando-se em plataforma de exportações movida a investimentos multinacionais dentro da moldura institucional de um governo autoritário inspirado nos valores milenares do paternalismo confuciano.

           Finalmente, Hong Kong que há pouco reverteu ao controle da República Popular da China, depois de um século e meio de domínio britânico, é quase a materialização da utopia liberal de Adam Smith: supremacia da lógica de mercado, com o governo restrito a pouquíssimas funções clássicas - segurança, justiça e exercício da autoridade monetária mediante um currency board escrupulosamente profissional e apolítico.

           Seja como for, algumas identidades básicas merecem ser destacadas de vez que, certamente, contribuíram para a espetacular decolagem conjunta desses países e sua escalada na estratificação econômica internacional nos anos 70 e 80 - mesmo período em que as maiores economias latino-americanas dentre as gerais e o Brasil mergulhavam em um longo processo estagflacionário. Os tigres asiáticos tiveram como pressupostos comuns ao seu take-off algumas condições prévias também ao milagre japonês de uma ou duas décadas antes: investimentos públicos maciços em capital humano (com universalização do ensino básico e forte apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico); criação de uma próspera classe média rural com o processo de reforma agrária supervissionado ainda pelo exército de ocupação norte-americano; altas taxas de poupança interna (na faixa de 30% do PIB ou mais; austeridade monetária e fiscal; burocracias estatais monolíticas, bem treinadas e patrioticamente motivadas, capazes de idealizar e implementar políticas macro e microeconômicas que levaram seus respectivos países a beneficiar-se das oportunidades de crescimento proporcionadas pelo mercado internacional, e não entrar em rota de colisão com suas tendências; e acima de tudo, uma clara e inabalável orientação exportadora.

           Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, nessa mesma época, enveredava o Brasil por um caminho inteiramente oposto, que se convencionou chamar de “processo substitutivo de importações”. Em plena década de 70, quando a economia internacional, já abalada pela decisão unilateral do tesouro dos Estados Unidos que pôs um ponto final no regime monetário de Bretton Woods, assentado na paridade dólar/ouro, e logo a seguir sacudida pelos choques dos preços do petróleo de 1973/74 e 1979/80, exatamente àquela altura o governo Geisel buscava prolongar e aprofundar o processo substitutivo de importações lançando o ambicioso II PND. Às vésperas da década de 80, “perdida” para nós, latino-americanos, e “gloriosa” para os tigres asiáticos, as curvas descritas por nossas respectivas trajetórias de crescimento econômico e desenvolvimento social, dissociaram-se dramaticamente.

           Com os anos 90, abriram-se novas perspectivas à retomada de nossas taxas históricas de crescimento. Sob o impacto da débâcle comunista e diante dos insuportáveis custos políticos e sociais acumulados ao longo de uma década de crescimento nulo ou negativo sob inflação de 3 dígitos, finalmente as elites e a opinião pública no Brasil e demais países de nuestra America amadureceram para a inevitabilidade de uma agenda de reformas estruturais destinadas a liberalizar a economia e reduzir o tamanho do Estado, desregulamentando, desburocratizando e privatizando.

           Em vista do tamanho e da complexidade de sua economia, o Brasil foi reinserido com todas as honras no roteiro dos investimentos internacionais, depois de marginalizado durante todo um decênio de dívida externa, agravado pelo “passivo de imagem” decorrente da “moratória soberana de 1987. O dinheiro que passou a fluir para cá não mais resultava de empréstimos das grandes casas bancárias dos Estados Unidos, da Europa e do Japão, encarregadas da reciclagem dos petrodólares do Oriente Médio; ao contrário, era canalizado através de uma miríade de investidores institucionais (fundos de pensão, corretoras de valores) atraídos, sem dúvida, pelas perspectivas de reformas liberalizantes e de privatização de gigantes estatais em áreas lucrativas como eletricidade, telecomunicações e petróleo, mas, em um primeiro momento, sobretudo, pelas elevadíssimas taxas de juros com que a equipe econômica dos governos Itamar e Fernando Henrique procurou lastrear o Plano Real em um inédito volume de reservas internacionais - a chamada âncora cambial, garantidora até o momento do perene sucesso da política de estabilização monetária.

           Neste instante, o Brasil e a Ásia do Pacífico defrontam-se com uma crise cuja dimensão, profundidade e duração ainda são, em grande medida, uma incógnita, ou, na melhor das hipóteses, objeto de disputa entre os analistas do mundo inteiro. Por ora, a única certeza é de que já começou um big crunch - uma grande contração dos créditos privados em escala planetária. Seu tamanho exato, porém, ninguém ainda foi capaz de prever ao certo. De acordo com o professor Dionísio Dias Carneiro, do prestigioso Departamento de Economia da PUC carioca, a disponibilidade de recursos para os países em desenvolvimento dobrou no biênio 1990/92, de US$ 44 bilhões para US$ 90 bilhões, quase triplicando nos quatro anos seguintes, para US$ 243 bilhões em 1996. Com isso , a divida mundial foi catapultada, em dez anos, para o astronômico patamar de US$ 1 trilhão, de onde nada menos que US$ 300 bilhões fluíram para a Ásia, especialmente China, Indonésia, Malásia e Tailândia. Não se sabe quanto desse subtotal - e por quanto tempo - ficará encalhado na vala dos créditos podres. O que se vê desde já é o governo dos Estados Unidos mobilizando sua enorme capacidade de persuasão de maior potência mundial para pressionar o Japão e os tigres asiáticos da primeira e da segunda gerações (Coréia do Sul, Taiwan, Tailândia, Malásia e Indonésia) no sentido de uma reforma drástica de seus sistemas financeiros hoje à deriva.

           Sob este aspecto específico, cumpre louvar a previdente diligência com que nossas autoridades econômicas se anteciparam a um efeito-dominó de desastrosas conseqüências no setor brasileiro, implementando o Proer a despeito das críticas clamorosas da oposição, quase sempre fundadas em uma insuficiente compreensão dos mecanismos e das realidades do sistema financeiro. Graças ao Proer e ao seu timing oportuno, evitou-se uma crise de confiança nas instituições que fatalmente conduziria ao pânico de uma corrida aos bancos e daí à redução a pó dos ativos financeiros das empresas e das poupanças das pessoas físicas. Se o governo, até agora, perdeu a batalha da comunicação por sua incapacidade de traduzir os benefícios do Proer em linguagem acessível ao grande público, bem que poderia tentar recuperar o tempo perdido induzindo os cidadãos a uma reflexão sobre o significado da atual crise asiática, em contraste com a tranqüilidade vigente no mercado financeiro brasileiro.

           Apesar disso, as economias asiáticas levam uma significativa vantagem sobre nós em pelo menos um importantíssimo aspecto: sua taxa de poupança interna é o dobro da latino-americana e brasileira. O complexo desafio de reduzir o déficit das contas externas permanece comum a ambas as regiões, mas, mesmo ai, o handcap negativo do Brasil se evidencia através dos constrangimentos cambiais, tributários e de natureza tecnológico-industrial ao rápido incremento das exportações de um lado, e do agravante representado pelo rombo das contas públicas - 4,3% do PIB, quase do mesmo tamanho do déficit do balanço de pagamentos -, de outro.

           Há motivos para supor que o pior da crise asiática já passou. E tanto dessa fase adversa, como de toda a experiência desenvolvimentista daqueles países, fica para os latino-americanos, em particular para nós, brasileiros, um vasto repertório de acertos a serem imitados e de erros a serem evitados.

           Entre os primeiros, devemos incluir (1) um modelo extrovertido, com forte ênfase nas exportações (2) elevada taxa de poupança interna (3) política monetária austera, que jamais tolerou surtos prolongados de inflação, e (4) maciços investimentos públicos no ensino fundamental e na formação de mão-de-obra.

           Quanto aos erros, que melhor chamaríamos de vícios estruturais, comuns a todos os Tigres Asiáticos, resumem-se basicamente a dois: (a) sistemas financeiros débeis, sem regulamentação nem controle, que abusaram de políticos de crédito irresponsáveis, e (b) um dirigismo estatal, gerador de relações promíscuas entre os setores público e privado, que degenerou em corrupção generalizada e em políticas de investimento temerárias.

           Felizmente, o Brasil, graças ao Proer, - tão criticado pela miopia de uns e pela demagogia de outros - procedeu ao saneamento do sistema financeiro, a tempo, antes que sobreviesse o pior. E do intervencionismo estatal excessivo também o nosso país começa a se livrar.

           Resta fazermos aquilo que os tigres asiáticos fizeram de certo e que foi objeto de nossa incúria durante décadas, principalmente a implantação de um eficiente sistema público que universalize o ensino básico de boa qualidade. Creio que será essa a missão histórica do PSDB, se, como tudo indica, vencermos a eleição presidencial do corrente ano.

           Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/03/1998 - Página 3918