Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AS INOCUAS AÇÕES GOVERNAMENTAIS VISANDO ABRANDAR O DESEMPREGO. NECESSIDADE DE REVISÃO DA POLITICA DE TAXA DE JUROS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESEMPREGO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • COMENTARIOS AS INOCUAS AÇÕES GOVERNAMENTAIS VISANDO ABRANDAR O DESEMPREGO. NECESSIDADE DE REVISÃO DA POLITICA DE TAXA DE JUROS.
Aparteantes
Gilvam Borges, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 13/03/1998 - Página 4033
Assunto
Outros > DESEMPREGO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FALTA, EMPENHO, IMPLANTAÇÃO, BRASIL, MEDIDAS ADMINISTRATIVAS, INCENTIVO, REDUÇÃO, DESEMPREGO.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, LEGISLAÇÃO, APROVAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, RUSSIA, GARANTIA, RENDA MINIMA, POPULAÇÃO, RESULTADO, CRISE, BOLSA DE VALORES, ASIA.
  • ENCAMINHAMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DOCUMENTO, LEGISLAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, RUSSIA.
  • REGISTRO, OFICIO, ENCAMINHAMENTO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, SITUAÇÃO, EMPRESA, BRASIL, VITIMA, DUMPING, EMPRESA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CARTA, AUTORIA, JORGE BORGES SA, DIRETOR PRESIDENTE, EMPRESA NACIONAL, REFERENCIA, OMISSÃO, CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONOMICA (CADE), EXECUÇÃO, DUMPING, EMPRESA ESTRANGEIRA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Ronaldo Cunha Lima, vou continuar a análise do tema aqui colocado pelo Senador Pedro Simon e que obviamente é a preocupação de toda a Nação.

É interessante até como o Presidente da República acabou mudando de atitude da semana passada para cá, porque, ainda na quinta-feira passada, eu havia comentado as declarações do Presidente, segundo as quais “a sensação do desemprego é maior do que o próprio desemprego”. O Presidente da República estava querendo dizer que, no Brasil, as taxas de desemprego, na verdade, significavam pleno emprego. Aquilo assustou a muitas pessoas, inclusive ao economista Paulo Nogueira Batista Júnior, que hoje escreve um brilhante artigo: “Reverendo FHC e o Desemprego”, lembrando aquele interessante conto de Machado de Assis, no qual ele embaralhou as notícias sobre a prédica de um reverendo e a investida de um touro, nos seguintes termos:

       “O reverendo Simpson falou piedosamente dos deveres de um cristão e das boas práticas a que está sujeito o pai de família; o auditório ouvia comovido as palavras do reverendo Simpson, o qual, investindo de repente contra todos, varreu a rua, derrubou mulheres e crianças, lançou enfim o terror em todo o bairro, até ser fortemente agarrado e reconduzido ao matadouro”.

O Presidente, num espaço de tempo tão pequeno, já que na semana passada afirmou que o Brasil tinha o pleno emprego, anteontem, em seu programa de rádio, resolveu anunciar que o Governo Federal vai proclamar a guerra ao desemprego.

No dia seguinte à sua fala de que o Brasil tinha o pleno emprego, o IBGE mostrou que a taxa de desemprego de dezembro para janeiro havia passado de 4,8% para 7,25% da população economicamente ativa nas seis grandes regiões metropolitanas; e aí não houve jeito: o Presidente precisou reconhecer que o desemprego é extremamente grave. Conclamou os seus ministros a pensarem no que fazer, já que os seus programas não são realmente adequados para conseguir maior emprego. Interessante foi assistir ao fogo-cruzado, domingo último, entre a Deputada Sandra Starling, do PT, e o Ministro do Trabalho, sobre se havia ou não política de emprego em nosso País. O Ministro Paulo Paiva procurou dizer que o Governo estava realizando ações para conseguir o pleno emprego. Então, o jornalista Paulo Henrique Amorim perguntou aos telespectadores se estava o Governo Fernando Henrique realizando ações suficientes para conseguir o emprego para a população brasileira. Noventa e oito por cento afirmaram que o Governo não estava realizando ações para conseguir o pleno emprego, e apenas 2% estiveram de acordo com as afirmações do Ministro, que procurou mostrar que as ações governamentais eram as adequadas para se conseguir o pleno emprego.

O que falta, Presidente Ronaldo Cunha Lima, para que o Governo se sensibilize, estude mais e saiba o que fazer para se conseguir o pleno emprego? De um lado, enquanto não conseguirmos fazer a economia crescer à altura de nossa potencialidade a taxas tais como de 7% ao ano pelo menos, e, de outro, enquanto continuar a armadilha cambial, a sobrevalorização da moeda, que leva o Governo a colocar em prática taxas de juros tão altas, dificilmente vamos conseguir aumentar as taxas de emprego a níveis razoáveis.

Mas o Governo se preocupa com os problemas decorrentes do que houve com a Ásia, sobretudo a partir da crise detonada em outubro último. Que países foram tão ameaçados pela tempestade asiática, pelo El Niño, que veio da Ásia, da Malásia, da Indonésia, de Cingapura, da Coréia? Que grandes economias em estágios similares de desenvolvimento, com renda per capita parecida, estiveram tão preocupadas com os efeitos do vendaval asiático?

Vou citar duas grandes economias: o Brasil e a Rússia. E por que cito a Rússia? Porque se poderia imaginar: será que a Rússia teria, em meio ao vendaval proporcionado pela crise asiática, pensado em instituir um programa que, efetivamente, pudesse assegurar um mínimo de sobrevivência aos cidadãos? Será que o Brasil seria capaz de fazer isso? Nós conhecemos a história no Brasil. O Governo Fernando Henrique preferiu orientar a sua bancada para que instituísse um programa extremamente restrito, a fim de que, inicialmente, os municípios mais pobres começassem um programa de renda mínima associado à educação, mas tão restrito e limitado e, até hoje, não regulamentado, que não teve nenhum efeito prático, nem mesmo está sendo cogitado como uma das medidas contra o desemprego nas reuniões de Ministério.

Mas, Senador Lauro Campos, recebi esta semana, da Embaixadora do Brasil na Rússia, Thereza Maria Machado Quintela, a cópia da lei instituída na Federação Russa, adotada pela Duma do Estado em 10 de outubro de 1997, aprovada pelo Conselho da Federação em 15 de outubro do mesmo ano e sancionada pelo Presidente da Federação Russa, Boris Yeltsin, aos 24 dias do mês de outubro de 1997, em Moscou, Kremlin.

Em meio ao furacão que vinha lá, da Ásia, Senador Lauro Campos, Boris Yeltsin esteve à frente de Fernando Henrique Cardoso! Será ele um progressista? Eis que até ele passa à frente, Senador Gilvam Borges, do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que aqui ouviu comentários de que, no Brasil, não se poderia instituir uma renda de cidadania para os brasileiros e, se se quisesse, deveria ser instituída de forma tão restrita quanto acabou orientando aqui os seus correligionários.

Tenho em minhas mãos a Lei Federal do Mínimo Suficiente para a Vida, que estou encaminhando, hoje, ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, pedindo que seja transcrita na íntegra nos Anais desta Casa. Interessante que a lei fala em princípios relativamente a como o mínimo suficiente para a vida per capita dos principais grupos sociodemográficos da Federação Russa e das unidades que a compõem será calculado, com diversos dados de cesta básica, dados de comitês estatísticos da Federação Russa sobre o preço de alimentos e assim por diante.

Encaminharei aos Senadores interessados a cópia da lei que, no meu entender, não é a ideal, mas é adaptada para a Federação Russa. Mas, em que pese todas as dificuldades da Rússia, que, em 1995, tinha um renda per capita, segundo relatório do Banco Mundial, de US$2.240, quando o Brasil já estava com US$3.640, com dificuldades de reorganização da economia, de combate à inflação e de endividamento externo semelhantes às do Brasil, e em meio a todo o furacão asiático, instituiu essa lei, que pode não ser perfeita, mas que ali ganhou aceitação.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Ouço V. Exª, nobre Senador Lauro Campos, com muito prazer.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Senador Eduardo Suplicy, parabenizo V. Exª por ter trazido a debate, no Senado Federal, essas matérias tão relevantes. V. Exª começou manifestando a preocupação com o desemprego no Brasil e com a elevação dos índices de desemprego. Vemos que as estatísticas, neste País, há muito tempo e principalmente nos últimos três anos, têm se tornado uma matéria política que visa criar uma imagem falsa da realidade e das preocupações do Governo com o social e com o problema do desemprego. Em primeiro lugar, gostaria de lembrar que um dos motivos pelos quais acabei deixando a minha formação acadêmica tradicional para tornar-me um marxista, um socialista, foi por esses engodos, enganos que a ortodoxia tenta nos impingir, e eu não ia passar a minha vida inteira mentindo e repetindo mentiras para os meus alunos. Por isso, assumi uma posição crítica diante de problemas como esses. Os ortodoxos pecam, por exemplo, pelo que deduzi das leituras que fiz de Keynes, quando afirmam que salário zero ou negativo assegura o pleno emprego continuamente. De modo que aquilo que de melhor o capitalismo nos apresenta, o pleno emprego, a ele corresponde um salário cadente. Todos os neoliberais concordam e afirmam que, se há rendimentos decrescentes, então para empregar mais trabalhadores é preciso reduzir o salário dos trabalhadores que pretendem ser empregados. Além desse motivo, existe um outro que deve ser levado em conta. Na França, o Presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o desemprego no Brasil era de 5% naquela ocasião e que chegaria, no ano seguinte, a 6%. Isso é uma modéstia - coisa muito rara em Sua Excelência. Primeiro, porque, como a França estava com 12,5% de desemprego, parecia uma vitória do Brasil sobre o problema do desemprego. Mas, na realidade, o salário mínimo na França é de US$1.400, e o nosso é de R$120,00. Então, quem é que está mantendo um emprego relativamente alto no Brasil? É o próprio trabalhador. Como o trabalhador brasileiro recebe R$120,00 e o trabalhador francês custa 12 vezes mais, doze brasileiros poderiam ser empregados com o salário que se paga a um trabalhador francês. Nessas condições, se se pagasse zero ao trabalhador brasileiro, todos estariam empregados. Haveria, realmente, o pleno emprego a que o Presidente Fernando Henrique Cardoso se referiu. Gostaria, também, de lembrar que Makoto Itoh disse-nos, em um dos seus livros, que o desemprego estatístico no Japão é a metade do desemprego real. Rifkin, em seu livro chamado o Fim dos Empregos, afirma que essa diferença não é apenas de 100%, como diz o Makoto Itoh, mas de 200%. Se no Japão, que é um país sério, com estatísticas sérias, entre o desemprego real e o desemprego estatístico, existe uma diferença de 200%, imagine qual a taxa real de desemprego no Brasil, onde não há carteira assinada, onde o trabalho informal atinge aproximadamente 60% da população, onde até trabalho escravo existe. De modo que compararmos nossas estatísticas deturpadas com as estatísticas mundiais realmente leva a uma situação de completa perplexidade, a se referiu Perry Anderson a respeito das estatísticas da crise, que são estatísticas produzidas em épocas de crise para mascarar a realidade. Parabenizo V. Exª principalmente pela oportunidade que teve em trazer de novo a sua proposta de renda mínima com essa nova argumentação.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Agradeço a V. Exª, Senador Lauro Campos.

Com respeito à estatística, precisamos também estar sempre olhando o que se passa ao nosso redor. Qualquer cidadão brasileiro que tenha a oportunidade de percorrer as cidades brasileiras hoje, seja a minha Cidade de São Paulo, seja o Distrito Federal, sejam as cidades do Amapá ou de Mato Grosso, perceberá o número extraordinário de pessoas que estão vivendo em dificuldade, que estão procurando emprego. É um número muito superior ao apresentado anos atrás. Quem quiser confirmar a situação grave que as estatísticas revelam, basta andar um pouco para além dos muros do Palácio.

O Sr. Gilvam Borges (PMDB-AP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Ouço V. Exª, Senador Gilvam Borges.

O Sr. Gilvam Borges (PMDB-AP) - Senador Eduardo Suplicy, reconheço em V. Exª, realmente, um parlamentar que tem externado suas preocupações desta tribuna e por meio de suas ações políticas. Agora, gostaria de questionar alguns posicionamentos de V. Exª, que eu mesmo compreendo são fruto de suas convicções ideológicas. Mas não podemos, de maneira nenhuma, atribuir ao Presidente Fernando Henrique Cardoso esses grandes problemas que afligem a nossa sociedade e que ocorrem a partir de um fenômeno mundial. Atribuir-se a culpa do desemprego ao Presidente Fernando Henrique não é justo. Se há prostituição, se há delinqüência, se há violência, isso é um problema geral da sociedade. Já temos comprovado que a livre iniciativa é o grande caminho. O comunismo e o socialismo estão numa fase bastante utópica. Todos sonhamos em, um dia, ver uma sociedade justa, fraterna, equilibrada, sem esses males que nos afligem. Acredito que os homens estão ainda numa posição muito ortodoxa e não crescem no seu senso crítico. O comunismo e o socialismo são uma utopia, e o homem deve ser valorizado pelo seu conhecimento, pelo seu trabalho. A passagem da iniciativa privada para a sociedade civil organizada é responsabilidade de todos nós. Realmente, reconheço a preocupação de V. Exª, mas o Presidente Fernando Henrique tem sido um grande estadista. V. Exª há de reconhecer que, nesses quatro anos de governo, Sua Excelência implementou reformas importantíssimas, como a reforma administrativa; estamos iniciando a reforma tributária e é necessária a reforma política. O País certamente precisa se adequar a essa nova realidade mundial, e o fenômeno desemprego atinge o mundo todo. Acredito que V. Exª concorda que há boa intenção e um esforço muito grande, por parte do Governo, sob a liderança do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em viabilizar seus projetos. O Plano Econômico, a estabilização econômica tem um preço. Há recessão? Sim. Há desemprego? Sim. É o preço que estamos pagando, mas estamos pensando no futuro, estamos nos organizando para o futuro. Sem dúvida, acreditamos no nosso País. Reconheço que V. Exª é um grande Parlamentar, sempre preocupado. Mas eu gostaria de deixar claro que não concordo com alguns pontos abordados por V. Exª, que se firma no entendimento de que não pode abrir mão das suas posições - é como estar na estrada e ter que seguir em frente. Portanto, eu gostaria de fazer este registro e parabenizá-lo pela sua brilhante atuação. V. Exª sempre está na tribuna desta Casa e nas Comissões trabalhando e defendendo o seu ponto de vista. Quanto ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, tenha certeza absoluta de que temos um grande estadista, preocupado realmente com o desenvolvimento do nosso País. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/03/1998 - Página 4033