Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO AGRARIA NO PAIS.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO AGRARIA NO PAIS.
Aparteantes
Ernandes Amorim.
Publicação
Publicação no DSF de 13/03/1998 - Página 4056
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, EXECUÇÃO, PAIS, REFORMA AGRARIA, CRESCIMENTO, ATIVIDADE, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, LUTA, REALIZAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, PROPRIEDADE IMPRODUTIVA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, FINANCIAMENTO, ESTABELECIMENTO, COLONO, PROPRIEDADE RURAL, FORNECIMENTO, EQUIPAMENTOS, FACILITAÇÃO, VIABILIDADE, ATIVIDADE AGRICOLA.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em mais de uma oportunidade ocupei esta tribuna para analisar problemas relacionadas à questão rural brasileira, especialmente os relativos ao problema fundiário ou da reforma agrária.

É um assunto que particularmente me interessa, embora a ele não seja afeto diretamente, nem como produtor rural nem como agricultor, ocupações que nunca tive. Não são, assim, os aspectos puramente econômicos da matéria que me chamam tanto a atenção, mas, em especial, suas repercussões sociais, notadamente o comportamento dos protagonistas da luta política por mudanças no quadro fundiário brasileiro.

À exceção do latifúndio improdutivo, hoje enfraquecido politicamente, seja pela desvalorização de suas terras, conseqüência da atual política econômica inibidora da especulação com esse tipo de ativo, seja pelas sanções fiscais à sua inércia produtiva, os outros personagens do teatro de operações da reforma agrária, Governo e trabalhadores sem terra, cada um a seu modo, têm tido participação de grande interesse e utilidade pública no encaminhamento de soluções adequadas e modernas aos conflitos existentes.

Apesar de todas as acusações de radicalismo a ele dirigidas, o Movimento dos Sem-Terra (MST) tem dado provas de singular maturidade política, tendo-se presente que sua base social é representada por pessoas vitimadas por todo o tipo de carências as mais profundas, situando-se no limiar da sobrevivência física e, aparentemente, sem condições para a prática de uma política civilizada, de “punhos de renda”, com a elegância e as moderações esperadas talvez pelos seus adversários e detratores.

No entanto, é altamente gratificante para os que acreditam nos mecanismos propiciados pelo sistema democrático de composição de disputas, verificar a capacidade desse Movimento de acumular forças e prestígio na opinião pública, pela sua criatividade tática de combinar desde demonstrações públicas pacíficas e massivas como a “Marcha sobre Brasília”, ano passado, a pacientes negociações e pressões junto a setores governamentais, indo até invasões de terra, em situações-limite.

Nesse processo, o MST vem conquistando a simpatia popular, além de contabilizar aliados importantes, como organismos internacionais oficiais, ONGs e o próprio Vaticano, que, em recente documento emitido pelo Pontifício Conselho de Justiça e paz, intitulado “O Desafio da Reforma Agrária”, reconhece que a “ocupação de terras é um sinal urgente para se efetuar uma reforma agrária eficaz” e que “o retardamento e adiamento da reformar agrária tira a credibilidade das ações de repressão às ocupações de terra”.

Interpretando, com vistas ao Brasil, este documento da Santa Sé, o Presidente da CNBB, Dom Lucas Moreira Neves, no mês passado, avaliou que a reforma agrária só será efetiva se, além dos assentamentos de sem-terra, for providenciado também o fornecimento de máquinas apropriadas para o plantio e a colheita, a distribuição de adubos e sementes e a concessão de crédito.

Portanto, na perspectiva da Igreja Católica, não são as invasões a origem do problema a ser combatido, mas sim o atraso da implantação da reforma agrária, compreendida não como simples distribuição de lotes, mas como a criação de meios para os novos assentados poderem ser incluídos no mercado como produtores e consumidores, primeiro passo para seu acesso à cidadania plena.

Este, ao nosso ver, é o principal calcanhar-de-aquiles do atual projeto de reforma agrária executado pelo Governo Fernando Henrique: um certo descompasso entre uma política de assentamentos quantitativamente bastante razoável, em que 185.000 famílias já foram beneficiadas, e uma política de desenvolvimento desses lotes, por meio de infra-estrutura sanitária e educativa, créditos e assistência técnica ainda precários.

Esta fragilidade na condução do processo de reforma agrária pode, se não equacionada a tempo, levar ao fracasso e ao descrédito uma das mais notáveis iniciativas do Governo na área social, que tem a seu favor, nesse campo, importantes realizações, como a adoção do rito sumário na imissão das terras desapropriadas, o aumento seletivo do ITR, a criação do Banco da Terra e da Cédula da Terra, o controle e a diminuição do custo das terras desapropriadas e tantas outras medidas inovadoras.

O problema, porém, é de tal magnitude que tudo o que se faz parece insuficiente.

De tal modo complexa, a questão fundiária subverte até mesmo o velho aforisma crítico do paternalismo estatal, segundo o qual “melhor que dar o peixe ao faminto é ensiná-lo a pescar”.

No caso da reforma agrária, é preciso, ao mesmo tempo, dar o peixe e ensinar a pescar, ou seja, disponibilizar a terra e proporcionar a infra-estrutura creditícia e social, bem como a assistência técnica necessária à produção.

Do contrário, os novos proprietários, sem condições de absorção nas regras competitivas de mercado, venderão suas terras a preço vil, engrossando o lexército de desempregados que ameaça a segurança das grandes cidades brasileiras. Há pouco, o eminente Senador Eduardo Suplicy tratou da questão do desemprego.

O próprio Governo reconhece os entraves burocráticos cuja inércia tem que vencer, Sr. Presidente.

Em declaração de 19/01/98, Milton Seligman, Presidente do INCRA, afirma que “o trabalho de parcelamento é hoje o principal problema para a concessão de créditos aos assentados”.

Ratificando tal assertiva, a direção do MST no Distrito Federal acrescenta haver áreas no entorno do DF “desapropriadas há mais de um ano e até agora não parceladas”.

A esse propósito, o MST oferece ao Governo alguns critérios para que uma família seja considerada assentada: “a família tem de morar no lote e ter recebido, pelo menos, os créditos de alimentação, fomento e habitação”.

Em números oficiais, das 81.944 famílias assentadas em 1997, apenas cerca de 50.000 receberam o crédito de fomento, empréstimo de R$600 reais para comprar as primeiras ferramentas e sementes. Isso significa que 40% do total dos assentados no corrente ano não puderam comprar sequer uma enxada para dar início ao trabalho.

O Sr. Ernandes Amorim (PPB-RO) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Concedo o aparte a V. Exª.

           O Sr. Ernandes Amorim (PPB-RO) - Nobre Senador, aproveito a oportunidade para lhe pedir este aparte no momento em que V. Exª trata da questão da reforma agrária. Venho do meu gabinete justamente para falar sobre a presença do Governo Federal no Estado de Rondônia, onde estão sendo feitos assentamentos. Com isso, o Governo está tentando acabar com as dificuldades e resolver o problema dos trabalhadores sem terra. Mas, por outro lado, há o sério problema dos financiamentos concedidos aos pequenos agricultores, cujos juros são muito altos. A partir de agora, estão sendo tomadas as terras daqueles pequenos agricultores, fazendo com que eles se tornem sem-terra. Diante desse problema, na cidade de Ji-Paraná, situada no centro do Estado de Rondônia, pequenos produtores reuniram-se e fecharam a BR-364, reivindicando um melhor tratamento do Governo Federal, principalmente no que diz respeito à cobrança desses juros altos. Se o Governo Federal não atentar para o problema dos pequenos produtores, aumentará o número dos sem-terra e daqueles comprometidos com empréstimos financeiros, já que eles não conseguirão pagar os seus pequenos financiamentos. Vamos supor que um pequeno produtor tenha pegado dinheiro emprestado para comprar um vaca por US$600; hoje, esta vaca não vale US$200, e a dívida do produtor é superior a R$1 mil. Com estas palavras, queremos levar este problema ao conhecimento dos representantes desse setor, para que tomem providências, porque mais de cinco mil produtores rurais estão na rodovia esperando uma resposta do Governo Federal e dos órgãos financeiros. Por outro lado, no meu Estado, algumas terras foram desapropriadas há mais de seis anos, os TDAs estão depositados no banco e o INCRA ainda não fez o assentamento das pessoas. Ainda há pouco, os proprietários de terra entraram com uma ação para despejar essas famílias. O INCRA ainda não conseguiu resolver esse problema burocrático. A terra está desapropriada há seis anos, os TDAs estão depositados no banco e as pessoas estão hoje produzindo na área, mas ainda não sabem se são donas delas ou não. Há necessidade de o Presidente do INCRA e os órgãos competentes realizarem um rápido trabalho. Sabemos que eles estão trabalhando, mas é preciso agir com mais rapidez, para que os trabalhadores sem-terra possam trabalhar e produzir no nosso País.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Agradeço o aparte de V. Exª, nobre Senador Ernandes Amorim.

De uma qualificação mais rigorosa dos assentamentos feitos depende muito a credibilidade do projeto como um todo, sem o que o mesmo se reduz a mera guerra publicitária entre Governo e MST sobre os números da reforma agrária.

A bem da verdade, deve-se reconhecer o esforço do Governo também nessa questão da transparência no tratamento do assunto, tendo, inclusive, entregue a elaboração do seu último Censo e Amostra Socioeconômica no Campo a 29 universidades brasileiras, coordenadas pela UnB, numa demonstração de boa-fé bastante animadora no diagnóstico da situação.

Todavia, isso não basta. É preciso, além de aumentar o ritmo das desapropriações em correspondência com as demandas sociais respectivas, encarar a reforma agrária não somente do seu ângulo de política social stricto sensu, como medida de distribuição de renda, mas, sobretudo, do ponto de vista econômico, como meio de gerar empregos, renda e consumo, sem o que os novos assentamentos não se sustentarão.

Isso porque a economia de mercado é uma só e, em face dela, não há meios termos: ou se opta pela integração ou se é eliminado, não se admite integração pela metade, periférica, provisória; aqui não há “jeitinho” possível.

É claro que isso envolve pesados recursos financeiros, mas dinheiro há. No próprio setor oficial, o BNDES pode inverter algumas de suas prioridades, abrindo seus cofres à agricultura. Basta suspender algumas de suas operações, feitas a juros de pai para filho: empréstimos para a construção de shopping centers (só 6% ao ano, mais TJLP), empréstimos a compradores de empresas estatais, e outros do gênero. Por que não aos agricultores deste País?

O importante é não tornar a reforma agrária uma política isolada, um gueto social, um meio de exercer a caridade pública e distribuir terras aos desvalidos, produzindo estatísticas oficiais de impacto.

Todos os setores governamentais devem envolver-se na questão, erigida em prioridade absoluta pela própria opinião pública do País, para o fim de se equiparem os assentamentos de condições de habitação, saúde, educação, energia, saneamento, crédito e assistência técnica e realizar a independência do homem do campo, transformado não em objeto de política, mas em sujeito de sua história, apto a exercer sua criatividade e liderança em seu trabalho.

Assim, a nosso juízo, a reforma agrária só terá solução quando enfrentada em todos os seus matizes: o social, como distribuição de renda; o econômico, como fonte de empregos e renda e, sobretudo, o político, como prioridade nacional capaz de reunir recursos financeiros e humanos não só dos diferentes setores do Governo mas também da própria sociedade, através das universidades, igrejas, entidades sindicais, ONGs e outros.

A semente desse mutirão está lançada, presentes seus pressupostos sociais, através da opinião pública maciçamente favorável, e políticos, pelos sinais de sensibilidade oficial às demandas.

É preciso, entretanto, não arrefecer os esforços já empreendidos e debater sempre mais profundamente a questão da terra para consolidar na comunidade a noção de que os destinos dos sem-terra e dos habitantes das cidades estão interligados e, desta forma, atingir-se o objetivo final de orientar e apressar as iniciativas governamentais na matéria.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é o momento de acelerarmos. A organização da sociedade civil em movimentos como o MST tem significado pressão sobre o Governo, que tem respondido com iniciativas concretas, com soluções rápidas e com agilidade. Para resolver o problema crônico da reforma agrária, no mínimo precisaremos de mais 15 anos de grandes lutas, de embates e de iniciativas.

Gostaria de agradecer a atenção dos nobres Pares e a presença aqui de dois brilhantes Parlamentares do meu Estado, os Deputados Antonio Feijão e Valdenor Guedes. Desejo a V. Exª , Sr. Presidente, e a todos os colegas muitas felicidades e que tenham sempre a paciência que têm tido com os eleitores, que nos cobram diuturnamente soluções rápidas e imediatas. Que Deus nos proteja, nos abençoe e ilumine o Senador Ernandes Amorim, que sempre tem sido um grande lutador e que, apesar de ter sido acusado pela revista Veja de fazer a política do “me dá um dinheiro aí”, é um homem sério e atuante.

Senador Ney Suassuna, obrigado a V. Exª, que não desviou a atenção do pronunciamento deste seu Colega.

O Sr. Ernandes Amorim (PPB-RO) - Senador Gilvam Borges, permite-me V. Exª um outro aparte?

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Ouço V. Exª.

O Sr. Ernandes Amorim (PPB-RO) - Foi uma publicação da revista Istoé. Isto aconteceu porque o Governador do meu Estado usou dinheiro do povo e pagou à referida revista. Ele tenta impedir que eu fiscalize as obras e a utilização de recursos federais no Estado de Rondônia. Na tarde de ontem, aprovamos a criação de uma comissão, composta de sete Senadores, que vai a Rondônia desvendar todas essas falcatruas. Assim, a revista Istoé voltará a publicar as razões pelas quais o Governador tem tanto interesse em denegrir a minha imagem perante a opinião pública nacional.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-RO) - O que a revista Istoé disse?

O Sr. Ernandes Amorim (PPB-RO) - Ela disse que eu seria autor de um projeto que regulamenta o lobby, que não é meu, mas do vice-Presidente da República, aprovado nesta Casa. E usou a palavra lobby como se essa atividade não existisse neste País e fosse crime, sendo que é legal nos Estados Unidos. Na verdade, todo mundo faz lobby: um partido faz lobby para conseguir um Ministério, um cidadão faz o mesmo, aqui no Congresso, para aprovar os projetos de seu interesse. A função do lobista deve ser legalizada pela Câmara dos Deputados, como foi pelo Senado. O projeto deve ser votado, para que tudo fique às claras neste País: a atividade do lobby deve ser devidamente registrada, para que se saiba, para que o Fisco saiba quanto ganha um lobista. A revista Istoé quis me atingir, mas não conseguiu fazê-lo; ganhou simplesmente dinheiro do povo sofrido do meu Estado, dinheiro esse que está sendo desviado por aquele Governo, por uma quadrilha que lá existe. Tenho denunciado isso nesta Casa, como V. Exª tem visto, e os nossos colegas, Senadores de Rondônia, não têm feito o que fez o colega da região Norte, o Senador Ademir Andrade, que contradisse V. Exª. O que tenho falado no Senado é tão verdadeiro que não houve nenhuma contradita. Como V. Exª faz parte da Comissão de Fiscalização e Controle, convido-o para ir a Rondônia, para ver as arbitrariedades praticadas pelo Governo do Estado e acobertadas pela revista Istoé. Essa revista não publica os desmandos do Governo de Rondônia, mas tenta atingir-me. V. Exª sabe que fui julgado por este Plenário e fui absolvido por 68 votos contra 6, como um cidadão digno de exercer a função de Senador da República e de representar bem o meu Estado de Rondônia. Muito obrigado.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - V. Exª é um homem de muita sorte e também um homem muito abençoado, apesar da matéria publicada pela revista Istoé - inclusive fui solidário a V. Exª. Não se faz isso com um Senador da República como V. Exª. Coloco-me à sua disposição para ir a Rondônia, integrando a comissão.

Portanto, Sr. Presidente, agradeço a V. Exª e encerro meu pronunciamento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/03/1998 - Página 4056