Discurso no Senado Federal

REPUDIO CONTRA A AMEAÇA DA CAIXA ECONOMICA FEDERAL EM ENCAMINHAR OS NOMES DOS SEUS MUTUARIOS INADIMPLENTES AO SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CREDITO - SPC.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • REPUDIO CONTRA A AMEAÇA DA CAIXA ECONOMICA FEDERAL EM ENCAMINHAR OS NOMES DOS SEUS MUTUARIOS INADIMPLENTES AO SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CREDITO - SPC.
Publicação
Publicação no DSF de 13/03/1998 - Página 4069
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • REPUDIO, AMEAÇA, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), ENCAMINHAMENTO, NOME, MUTUARIO, SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH), SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CREDITO, RESULTADO, INADIMPLENCIA.
  • REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, ENCAMINHAMENTO, SERGIO CUTOLO, PRESIDENTE, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO, MUTUARIO, INADIMPLENCIA, CRITERIOS, ESTABELECIMENTO, REAJUSTAMENTO, PRESTAÇÕES, CASA PROPRIA, VALOR, DIVIDA, EMPRESA, INICIATIVA PRIVADA, ATRASO, PAGAMENTO, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS).
  • CRITICA, DISPARIDADE, TRATAMENTO, GOVERNO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), INADIMPLENCIA, MUTUARIO, COMPARAÇÃO, FALTA, REPASSE, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), EMPRESA, INICIATIVA PRIVADA.

A SRª JÚNIA MARISE (Bloco/PDT-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, estamos recebendo mais uma notícia de grande impacto e repercussão para aqueles que sonharam, um dia, com a sua casa própria e que buscaram, por meio de um financiamento da Caixa Econômica Federal, a realização desse sonho: a instituição está ameaçando seus mutuários inadimplentes de colocar seus nomes na lista negra do Serviço de Proteção ao Crédito.

Ora, Sr. Presidente, todos sabemos que os 400 mil mutuários do Sistema Financeiro Habitacional estão passando por grandes dificuldades de ordem financeira e econômica. Agora, contudo, existe uma situação que considero inédita no nosso País, uma contradição muito séria na postura do Governo em relação ao programa de construção da casa própria - o déficit habitacional já chega a cerca de 17 milhões, principalmente entre as populações mais carentes. O Governo está investindo exatamente contra esses mutuários, fazendo com que fiquem em atraso com o pagamento de suas prestações na Caixa Econômica Federal.

Se fizermos um levantamento entre esses 400 mil mutuários do Sistema Financeiro da Habitação, seguramente vamos verificar que 10% a 15% deles perderam os seus empregos nos últimos meses, em razão da política recessiva implementada pela equipe econômica do Governo, que está criando esse verdadeiro fantasma, expressão já utilizada pelo Senador Leomar Quintanilha. O IBGE exibiu números acima de 7%, mas não constatou, por exemplo, que os trabalhadores desempregados estão, hoje, na informalidade.

Certamente, Sr. Presidente, é uma situação ímpar, que não pode ser examinada sob a lente da aritmética do Sistema Financeiro. Em vez de ameaçar os seus mutuários, a Caixa Econômica Federal deveria é rever os aumentos que lhes está impondo.

Há uma entrevista, no jornal O Globo, com a Coordenação Nacional dos Mutuários e vários depoimentos de mutuários do Sistema Financeiro Habitacional, como o de um taxista do Rio de Janeiro que adquiriu, por meio da Caixa Econômica, em 1994, um apartamento no bairro Olaria. Nesse mesmo ano, a Caixa aumentou em 84,70% a prestação do seu apartamento, que passou de R$250 para R$500.

No mês de fevereiro último, o reajuste geral das prestações dos mutuários que adquiriram casa própria foi de 13%, segundo os cálculos fornecidos pela Caixa Econômica. Ora, Sr. Presidente, o Governo não pode dizer que aumentou os salários dos servidores na mesma proporção. Há mais de três anos que os servidores públicos federais, estaduais e municipais não recebem um centavo sequer de aumento real. Os servidores públicos do Estado de Minas Gerais, por exemplo, estão com os seus salários atrasados ou com o seu pagamento parcelado. No entanto, quando não pagam na hora a conta de água ou de luz, recebem multas. É uma situação inédita: se o servidor público não paga em dia as suas prestações, sejam quais forem, certamente lhes serão cobrados juros. Já o Estado pode atrasar o pagamento dos salários dos servidores e até mesmo parcelá-los.

Nessa mesma matéria do jornal, há um registro que considero importante: o de que “a casa própria é um patrimônio de proteção da família, e não um artigo de luxo”. Realmente, não se trata de um automóvel ou de um barco; não é um artigo supérfluo, Sr. Presidente: a casa própria é o patrimônio da família. O Governo, em vez de procurar o mutuário em atraso com suas prestações para renegociar e discutir a melhor forma de cobrar as mensalidades atrasadas, resolveu ameaçá-lo, criando um constrangimento muito grande para milhares e milhares de mutuários inadimplentes, que talvez o estejam porque perderam o seu emprego recentemente ou até mesmo porque estão com os seus salários atrasados. Sim, porque existe um conjunto de situações que certamente estão levando esses mutuários à inadimplência. A primeira delas é esse percentual de reajuste, que está totalmente irreal em relação aos salários. O Presidente da República, no ano passado, aumentou o salário mínimo de R$108 para R$120; agora, o Presidente da República disse que os salários vão aumentar apenas R$8. A Caixa Econômica, portanto, não pode estabelecer um critério completamente diferenciado daquele que o Governo adota em relação ao pagamento dos salários dos seus servidores ou dos proventos de seus aposentados. Que disparidade é essa?!

Sr. Presidente, em face desse constrangimento que a Caixa Econômica Federal está impondo aos mutuários do Sistema Financeiro da Habitação, creio que eles deveriam mover uma ação judicial junto ao serviço de proteção ao consumidor. Esses mutuários podem perfeitamente bater às portas da Justiça para pedir que ela impeça essa violência que estão cometendo contra eles, principalmente com os da Caixa Econômica Federal.

Sr. Presidente, lerei mais um trecho dessa matéria, pois me chamou a atenção a forma arrogante e violenta com que a Caixa Econômica está tratando a questão, causando constrangimento a milhares de mutuários do nosso País. Diz a matéria:

     “Na hora de fixar a nova prestação, a CEF tem seguido uma regra única: ela considera a variação da taxa referencial (TR) e adiciona mais 3% a título de produtividade. Em fevereiro, por exemplo, o reajuste geral foi de 13%. (...)

     Mas a Caixa está mesmo decidida a apertar o cerco e pressionar os mutuários para que eles mantenham em dia as prestações. A partir do terceiro dia de atraso, o mutuário receberá uma carta da Caixa lembrando o atraso. Após o 30º dia, será enviada uma outra notificação dando um prazo de 20 dias para que a dívida seja quitada, antes que o nome seja enviado ao SPC. Com 60 dias de atraso, o mutuário receberá outro aviso, desta vez informando que o nome irá para a lista negra se a dívida não for atualizada. Depois de 90 dias de atraso, a Caixa acionará o mutuário judicialmente.”

Essa situação tem alcançado mutuários de todo o País. Temos depoimentos de mutuários da Bahia, de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Certamente essa lista vai aumentar, porque essa situação criará uma grande dificuldade para todos os mutuários do Sistema Financeiro de Habitação.

Por isso, Sr. Presidente, fazendo coro a essas manifestações, diante da perplexidade de 400 mil mutuários do nosso País, das ameaças que estão sendo lançadas contra esses mutuários, queremos encaminhar um pedido de informações ao Presidente da Caixa Econômica Federal.

O nosso requerimento está embasado nos seguintes termos:

“Com fundamento no art. 50 § 2º, da Constituição Federal e no art. 216 do Regimento Interno, solicito seja encaminhado ao Sr. Presidente da Caixa Econômica Federal, Sérgio Cutolo, o seguinte pedido de informações:

1) Quantos são os que estão com as prestações em atraso com mais de trinta dias? Qual a distribuição desses mutuários inadimplentes por Estado e Município?

2) Qual a diferença entre os reajustes salariais que os mutuários inadimplentes recebem nos últimos trinta e seis meses e as taxas de reajuste das prestações da casa própria?

3) Quais os critérios adotados pela CEF para estabelecer os reajustes das prestações da casa própria?

4) Quais as medidas que a CEF está tomando para receber os pagamentos das parcelas atrasadas do FGTS de empresas que estão inadimplentes junto ao sistema? Qual o valor total da dívida dessas empresas e quais são as cem maiores devedoras por Estado?”

Sr. Presidente, todos sabem que as empresas, principalmente as grandes, vêm sonegando, ou seja, vêm deixando de fazer os repasses do FGTS para a Caixa Econômica Federal. Não estamos vendo qualquer atitude por parte do Governo equiparada a essa que está sendo tomada com relação a esses mutuários. Nós não estamos vendo a mesma atitude. Será que o tratamento para com as grandes empresas deste País é um e o tratamento para com os mutuários, que adquiriram o bem como um patrimônio da sua família, como uma moradia, um teto para a sua família e que não é nenhum artigo de luxo, é exatamente a prática do constrangimento, da ameaça de colocá-los no Serviço de Proteção ao Crédito e, após noventa dias, acioná-los judicialmente? Isso significará que eles poderão perder esse seu bem valioso, que é a sua casa, o seu apartamento modesto, a sua moradia, e que poderão, a partir de noventa dias, estar no meio da rua se não atenderem às pressões estabelecidas agora pela Caixa Econômica Federal.

Concluindo este registro, penso que é o momento de invocarmos aqui o princípio ético na administração deste País. O Brasil tem assistido durante os últimos meses, durante os últimos dias, a situações atípicas com relação aos procedimentos éticos da vida pública de nosso País, principalmente as práticas advindas do próprio Governo.

O tratamento diferenciado está claro neste País. O sistema financeiro, que fraudou, que desviou, teve um tratamento benevolente por parte do Governo. Mas muito benevolente e muito generoso. Imediatamente foi socorrido pelo Proer e mais de R$20 bilhões foram-lhe concedidos imediatamente. O Governo dizia que não podia deixar o sistema financeiro do Brasil quebrar e por isso era preciso socorrer os banqueiros, que fraudaram, que roubaram, que desviaram dos bancos particulares. E agora, Sr. Presidente, verificamos esse tratamento que está sendo dado hoje aos pobres mutuários do sistema financeiro do nosso País. E certamente porque sempre foram bons pagadores. O pobre paga bem e paga em dia; o trabalhador paga as suas dívidas e paga em dia. O rico é que não gosta de pagar em dia, é quem rola suas dívidas, é quem busca os caminhos da renegociação de suas dívidas.

Só por isso, Sr. Presidente, o Governo lança agora essa ameaça que entendemos ser uma violência que se pratica contra os mutuários do Sistema Financeiro da Habitação. É o momento de refletirmos.

Se o Presidente Fernando Henrique Cardoso tiver conhecimento do pronunciamento que faço aqui, hoje, refletindo sobre essa questão, gostaria que Sua Excelência convocasse o Presidente da Caixa Econômica e determinasse, imediatamente, o recuo dessa decisão. Que a Caixa Econômica convocasse os mutuários em atraso e negociasse com eles, que lhes desse uma chance, mas que não colosse esses mutuários na parede, da forma como está fazendo, com essa ameaça pública, explícita, de incluí-los na lista negra do SPC e ajuizá-los em noventa dias, o que significará a perda do seu patrimônio.

Mais do que isso, Sr. Presidente, comprar um imóvel pela Caixa Econômica, pelo Sistema Financeiro da Habitação, não é o melhor negócio. Temos aqui o depoimento de um mutuário, que já vem pagando há muitos e muitos anos o seu imóvel, e que verificou junto à Caixa Econômica que o seu débito é, hoje, de R$100 mil, quando o seu apartamento, numa vila, não vale R$28 mil, a preço de mercado. Ou seja, ele ainda está devendo R$100 mil, já deve ter pago quase isso, e o imóvel não vale R$28 mil!

Essa é a grande constatação, e sabemos que isso ocorre, porque a Caixa Econômica fica 25, 30 anos recebendo as prestações dos mutuários, que em cinco, seis ou dez anos pagam com as suas prestações o imóvel que adquiriram, ficando o restante como lucro para aquela instituição financeira. E é ela que agora, neste momento, investe contra esses mutuários, ameaçando-os de ação judicial por um atraso de 30, 60 ou 90 dias e de colocá-los na lista negra do Serviço de Proteção ao Crédito.

Isto não nos parece, com toda certeza, uma decisão acertada por parte do Governo nem da Presidência da Caixa Econômica Federal. É um ato de violência, no momento em que estamos vendo o desemprego crescer, cada vez mais, no nosso País, a situação de dificuldades sociais por que passa a nossa população, a falta de condições de sobrevivência digna da maioria da nossa população e a questão da moradia. Não se pode tirar da nossa população e, principalmente, desses mutuários, devido a um atraso nas prestações, este que é praticamente o seu bem mais precioso, o patrimônio da sua família: a sua casa própria. Certamente, os nossos mutuários devem procurar o Serviço de Defesa do Consumidor, que, por sua vez, deve bater às portas da Justiça para impedir que a Caixa Econômica Federal tome medidas como estas e continue ameaçando e constrangendo os 400 mil mutuários do nosso País, que sonharam ter a sua casa própria e pagar esse patrimônio com seu salário, seu trabalho e seu suor. Mas, nem por isso, a Caixa Econômica Federal poderá exorbitar nas suas atitudes e nas suas práticas, elevando os reajustes acima dos aumentos salariais, que, aliás, não existem, e reajustando as prestações em patamares que não se enquadram na realidade atual do nosso País.

           Encaminho, portanto, à Mesa o pedido de informações à Caixa Econômica Federal.

           Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

           Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/03/1998 - Página 4069