Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS ACERCA DO MODELO INOVADOR DE ASSENTAMENTO RURAL SUSTENTAVEL, QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO, NA SUA CONCEPÇÃO E EXECUÇÃO, O DESENVOLVIMENTO DE TECNICAS DE UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS DAS FLORESTAS, ADEQUADAS AS PECULIARIDADES LOCAIS, EMPREENDIDO POR TECNICOS DA EMBRAPA - ACRE, DO INCRA E DA FUNDAÇÃO DE TECNOLOGIA DO ACRE.

Autor
Flaviano Melo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Flaviano Flávio Baptista de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • COMENTARIOS ACERCA DO MODELO INOVADOR DE ASSENTAMENTO RURAL SUSTENTAVEL, QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO, NA SUA CONCEPÇÃO E EXECUÇÃO, O DESENVOLVIMENTO DE TECNICAS DE UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS DAS FLORESTAS, ADEQUADAS AS PECULIARIDADES LOCAIS, EMPREENDIDO POR TECNICOS DA EMBRAPA - ACRE, DO INCRA E DA FUNDAÇÃO DE TECNOLOGIA DO ACRE.
Publicação
Publicação no DSF de 13/03/1998 - Página 4080
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, MODELO, EXPERIENCIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, ESTADO DO ACRE (AC), EXTRATIVISMO, PRESERVAÇÃO, FLORESTA AMAZONICA, MANEJO ECOLOGICO, ORIENTAÇÃO, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), FUNDAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA).
  • DETALHAMENTO, PROJETO, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA, RESPEITO, CARACTERISTICA, REGIÃO AMAZONICA, PREVENÇÃO, DESMATAMENTO, AUMENTO, PRODUTIVIDADE.
  • REGISTRO, PESQUISA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), EXPLORAÇÃO, ESPECIE, FLORA, PRODUÇÃO, OLEO, VALOR, MERCADO INTERNACIONAL.

           O SR. FLAVIANO MELO (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em visita recente ao meu estado, pude testemunhar os resultados de uma nova filosofia de desenvolvimento que está sendo colocada em prática por técnicos competentes, preocupados, sobretudo, com a melhoria da qualidade de vida da nossa população rural e com o crescimento econômico da região sem, contudo, destruir a floresta, a nossa maior fonte de riqueza.

           Muito se fala da devastação e do desmatamento da Amazônia, devido à expansão de áreas destinadas à agricultura e à pecuária, à agricultura migratória que abandona áreas degradadas e à forte demanda por madeira, além da expansão das áreas urbanas.

           Entretanto, o Acre é um estado com um gigantesco potencial na área florestal: aproximadamente 95% de sua área estão cobertos pela floresta tropical. E num estado cuja economia depende maciçamente do extrativismo, essa nova mentalidade poderá transformar, tenho certeza, o estágio de desenvolvimento em que se encontra o Acre.

           Refiro-me, em especial, à união de esforços empreendida pelos técnicos da Embrapa-Acre, do Incra e da Fundação de Tecnologia do Acre (FUNTAC) no desenvolvimento de técnicas para a utilização dos recursos florestais sob um regime de rendimento sustentado, considerando todas as opções de manejo florestal em áreas com ou sem população.

           Esta busca de novas técnicas está voltada às grandes áreas de reservas extrativistas, de projetos de colonização, de comunidades e de pequenos e médios proprietários que têm grande parte de suas terras imobilizadas como reserva legal e, finalmente, às grandes áreas de floresta tropical. O objetivo é promover, a médio e longo prazo, o desenvolvimento de modelos de manejo de florestas da Amazônia Ocidental, como parte de uma política de administração sustentada e integrada dos recursos naturais da região.

           Um dos modelos utilizados é o manejo sustentado de produtos não madeireiros, que podem ser extraídos da floresta. Entre estes produtos encontram-se óleos, resinas, bambu, produtos medicinais, látex e frutas. Já o manejo de uso múltiplo considera todas as alternativas possíveis de administração dos recursos da floresta, como os produtos madeireiros e não madeireiros, a produção de alimentos, o eco-turismo e a proteção da vida silvestre.

           A idéia básica do manejo florestal comunitário, que agora começa a despertar o interesse do país, foi desenvolvida, pioneiramente, na Floresta Estadual do Antimary, em meu estado. Este plano foi desenvolvido pela Funtac, pela Embrapa-Acre e financiado pela Organização Internacional de Madeiras Tropicais.

           Tanto a Funtac, quanto o Instituto do Meio Ambiente do Acre - IMAC, foram criados na época em que eu governava o estado, em 1987, em conjunto com as reservas extrativistas. Naquela época, percebi que o desenvolvimento do nosso estado só seria viabilizado se fossem consideradas como prioritárias a questão ambiental, as populações tradicionais que vivem na floresta e o potencial econômico dos recursos naturais.

           É com satisfação que posso registrar que o Acre foi o pioneiro na busca de um modelo de desenvolvimento alternativo à tradicional substituição da floresta por sistemas de produção agropecuários que acabavam resultando na reconcentração de terra, degradação ambiental e exclusão das populações tradicionais do processo de desenvolvimento.

           Um dos projetos mais promissores que visitei é o da implantação de um novo modelo de reforma agrária, baseado na ocupação adequada às peculiaridades locais, que poderá servir de exemplo para a Amazônia, corrigindo os erros dos modelos tradicionais e promovendo o desenvolvimento rural de forma sustentável, garantindo a manutenção do homem no campo, sem depredar a natureza.

           O fracasso dos modelos de assentamento tradicional ficou provado com a incapacidade dos pequenos produtores rurais de produzir até para sua própria subsistência, acabando por abandonar suas glebas de terra. Isso porque, anteriormente, após as desapropriações para efeito de reforma agrária, a divisão dos lotes nos projetos de assentamentos era feita em retângulos padronizados, destinados exclusivamente à agricultura, sem um planejamento prévio que levasse em consideração o potencial do solo, o relevo, os recursos hídricos e a vulnerabilidade ambiental das áreas em vias de desapropriação.

           Nesses projetos de colonização tradicional, os 50% da área que constituem a reserva florestal legal têm sido encarados, pelos pequenos produtores, como sem importância econômica e um obstáculo ao desenvolvimento das atividades produtivas. Eles acabam por derrubar as espécies mais valiosas, vendidas aos madeireiros por preços irrisórios, ou por avançar sobre a reserva legal, com o objetivo de aumentar a área destinada a atividades agrícolas e pecuárias.

           Outro grande problema da ocupação tradicional das áreas de reserva, dos projetos de assentamento e das pequenas propriedades, no Acre, é a falta de capacitação dos produtores e a ausência de um planejamento prévio da infra-estrutura e do processo de ocupação e exploração nestas áreas, que leva, em muitos casos, ao abandono dos lotes.

           Dessa maneira, esses assentamentos transformam-se em áreas-problema, ocasionando o desmate em áreas ricas em espécies com potencial extrativista, como seringueiras, castanheiras e outras adequadas ao manejo de uso múltiplo da floresta. Por isso, o Incra foi acusado, muitas vezes, de fomentar a destruição da floresta primária.

           O trabalho conjunto entre a Embrapa, o Incra e a Funtac propõe uma alternativa viável de assentamento rural sustentável. Trata-se de um modelo que compatibiliza todo o potencial das áreas de assentamento, tais como os recursos hídricos, com planejamento adequado dos lotes, identificação do tipo e vocação dos solos e potencial da floresta, com normas de manejo da área de reserva legal. Nesses novos projetos agro-extrativistas, parte-se do princípio do conhecimento da área a ser trabalhada, seu potencial e suas restrições, traduzindo-se num zoneamento agro-ecológico de alta precisão.

           Esta proposta, em comparação com o assentamento tradicional, tem inúmeras vantagens, como a diminuição dos custos de implantação da rede viária local, e a distribuição dos lotes sobre as manchas de solos de maior aptidão agrícola. A técnica proporciona maior produtividade e menos insucesso nos cultivos; a distribuição dos recursos hídricos, por sua vez, permite que a maioria dos assentados tenham acesso à água; e a criação de áreas de reserva legal coletiva, permite o manejo florestal, ao otimizar o uso dos lotes e garantir uma fonte de renda coletiva, por meio da extração de madeira nobre, de maneira sustentável.

           Este modelo inovador de assentamento rural sustentável permitirá, também, uma redução no impacto ambiental, uma vez que a área passível de desmatamento abrangerá, no máximo, 30% da área total do imóvel, bem como uma redução de 25% nos custos do assentamento.

           O projeto piloto, cujo sucesso pude testemunhar em minha visita, está sendo implantado no seringal Caquetá, com cerca de 500 beneficiários. Este projeto é uma referência para um novo modelo de reforma agrária para a Amazônia, em que o assentamento se baseia não somente na propriedade da terra, mas na valorização de seu uso racional e na produção em bases sustentáveis, combinando-se as explorações extrativista, florestal e agrícola.

           A dedicação desses técnicos, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, já foi reconhecida além das divisas do nosso estado: o Centro de Pesquisa da Embrapa no Acre foi contemplado, no ano passado, com o primeiro lugar em eficiência, no âmbito do sistema de avaliação da empresa, realizado em todas as unidades do país, como aquela que conseguiu apresentar os melhores resultados, com os menores custos.

           Uma das mais importantes pesquisas desenvolvidas pela Embrapa-Acre, em colaboração com o Museu Paraense Emílio Goeldi, com apoio financeiro do governo britânico, é a da pimenta longa. Essa planta poderá, em breve, garantir a maior parte da produção brasileira de um óleo essencial rico em safrol, substância utilizada na produção de inseticidas biodegradáveis, cosméticos e produtos farmacêuticos, cujo litro chega a USD 6 (seis dólares) no mercado externo.

           A espécie Piper hispidinervium, comumente chamada pimenta longa só é encontrada no Acre, onde ocorre, normalmente, em áreas de capoeira. Anteriormente considerada erva daninha, a exploração da pimenta longa pode significar a salvação dos pequenos produtores rurais no Acre, contribuindo para o desenvolvimento do estado e para a economia de divisas do país.

           A planta foi identificada, há dez anos, por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Ela existe em várias partes do mundo, mas só no Acre é encontrada esta espécie específica, com um teor de safrol acima de 90%. Este ano, a Embrapa-Acre já trabalha em duas áreas-piloto de plantio e beneficiamento da pimenta longa, com os colonos dos assentamentos de Vila Extrema, em Rondônia, e com os seringueiros da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Município de Brasiléia, na execução da pesquisa participativa, em parceria com a associação de produtores. Os projetos contam com o apoio da Sudam, do CNPq, e recursos do Ministério de Ciência e Tecnologia e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), por intermédio do Ibama.

           O primeiro destilador que dará início à extração do óleo safrol já está sendo montado em um dos projetos-piloto. Para os seringueiros que vivem em áreas sem estradas vicinais, a Embrapa-Acre já está testando micro-destiladores ou destiladores caseiros, que irão auxiliá-los na extração do óleo em suas próprias casas. Empresas do sul do Brasil já assinaram contrato com os produtores, garantindo-lhes um preço mínimo de USD 4,5 (quatro dólares e meio).

           O Brasil já foi o maior produtor mundial de safrol, extraído da canela sassafrás, no Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Esta é uma árvore da Mata Atlântica que leva vinte anos até entrar na fase de corte para beneficiamento. Em 1991, a árvore foi considerada espécie em risco de extinção, pelo Ibama, que proibiu o corte e a exploração comercial de plantas nativas como esta. Depois disso, o país passou a importar safrol. A oferta de safrol no mercado mundial é de duas mil toneladas por ano, sendo a China e o Vietnam os principais produtores. Mas estes países extraem o óleo a partir de espécies de canela (Cinnamomum), num processo destrutivo, uma vez que a matéria prima é a madeira.

           Já na pimenta longa, o óleo essencial concentra-se nos galhos finos e nas folhas, permitindo sua extração sem a destruição da planta, por meio de cortes sucessivos. Em cultivos racionais, é possível realizar o primeiro corte oito meses após o plantio. A planta se recompõe por meio de rebrotações, estando apta para outro corte após seis meses. Considerando o alto valor comercial do safrol, a pimenta longa se constituirá numa alternativa econômica de produção no Acre, podendo ser cultivada por pequenos, médios ou grandes produtores locais.

           Num momento em que a reforma agrária na Amazônia e o Movimento dos Sem Terra estão sendo acusados de serem os principais responsáveis pelo desmatamento da Amazônia - como estampa a manchete de primeira página do Jornal da Tarde, ontem - é com orgulho que trago aqui o meu testemunho. O exemplo do Acre, - com seus projetos de exploração extrativista, florestal e agrícola, como parte do uso múltiplo da floresta tropical, e as mais recentes pesquisas - prova que uma nova mentalidade já se instalou na região. É este o modelo que concilia a necessidade de melhorar a renda e a qualidade de vida das nossas populações, promovendo o crescimento econômico regional e a conservação do meio ambiente.

           É com iniciativas como estas que corrigiremos os erros do passado, e não com outro tipo de erro, incentivado por aqueles que querem manter a Amazônia apenas como um santuário ecológico estático, que não leva em consideração as necessidades dos habitantes da região e o seu desenvolvimento, condenando aquelas populações ao atraso eterno.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/03/1998 - Página 4080