Discurso no Senado Federal

BREVE RELATO DE S.EXA., EM SEMINARIO REALIZADO NA AFRICA DO SUL, SOBRE A SUPERAÇÃO DO RACISMO NAQUELE PAIS, NO BRASIL E NOS ESTADOS UNIDOS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • BREVE RELATO DE S.EXA., EM SEMINARIO REALIZADO NA AFRICA DO SUL, SOBRE A SUPERAÇÃO DO RACISMO NAQUELE PAIS, NO BRASIL E NOS ESTADOS UNIDOS.
Aparteantes
Gilvam Borges.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/1998 - Página 4159
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, SEMINARIO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL.
  • DEFESA, VALORIZAÇÃO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, INTERVENÇÃO, ESTADO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, MOTIVO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • COMENTARIO, AUSENCIA, NEGRO, UNIVERSIDADE FEDERAL, NECESSIDADE, AUMENTO, DEBATE, DEMOCRACIA, RAÇA, DIREITOS HUMANOS, DEFESA, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, CORREÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, eu iria fazer uma análise de vários fatos acontecidos no Rio de Janeiro, da ética no caso Naya e do desemprego no País, mas, ao ler a coluna de Ricardo Boechat no jornal de hoje, deparei-me com o seguinte:

Supremacia Racial

O Senador Abdias Nascimento, do PDT, radicalizou geral.

Apresentou um projeto na Comissão de Constituição e Justiça do Senado determinando que 20% de todas as futuras vagas abertas em órgãos públicos deverão ser preenchidas por candidatos negros.

E outros 20% por negras.

Brancos, amarelos, azuis, que também integram a legião dos desempregados brasileiros, ficarão muito felizes.

Abdias também quer que o ensino dos dialetos africanos yoruba e kiswahili seja adotado nas escolas públicas do País.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, coincidentemente, acabo de chegar da África do Sul, onde participei de um seminário, promovido pela Soft Education Foundation, que tem como Presidente Lynn Walker, sobre a superação do racismo na África do Sul, no Brasil e nos Estados Unidos.

Estou fazendo um relatório, mas achei pertinente abordar o assunto hoje, não como resposta ao artigo que li, em absoluto, muito menos para fazer uma análise de comportamento, mas apenas como uma antecipação dos comentários que faria sobre minha participação nesse seminário, em que pretendemos unir esforços para a melhor utilização do capital acumulado pelo negro.

O primeiro seminário desta série ocorreu nos Estados Unidos, o segundo, no Brasil, e o terceiro, na África do Sul. O seminário contou com a presença do ilustre Secretário José Gregori e o Governo enviou seus representantes também através da Fundação Palmares e do GTI, o grupo interministerial para tratar da questão racial. Portanto, trata-se de um evento oficial, que tem recebido o respaldo desses três países.

Temos buscado ampliar o conceito de renascimento africano para que ele possa incorporar a diáspora bem como a intervenção do Estado na diminuição das desigualdades, não só sociais mas também raciais. A participação dos organismos internacionais e da iniciativa privada constitui, para nós, parceria fundamental nesse processo. Com a diminuição das desigualdades entre brancos e negros todos saem ganhando. O Brasil, como segunda maior nação negra do mundo, depois da Nigéria, tem um papel importante nesse processo, assim como exerce um papel importante a África do Sul.

Tenho projetos em tramitação na Casa, com pareceres favoráveis ou contrários, e gostaria de uma audiência pública para debatê-los, porque alguns deles, inclusive, têm o apoio do Governo, uma vez que respaldam as argumentações do Presidente da República, que reconhece na sociedade brasileira a existência do racismo. Não buscamos privilégios, mas uma integração já amadurecida. E não apenas nesses três países. Hoje estamos aquém das nossas possibilidades.

O racismo não é estático. Ele surgiu com o colonialismo europeu, com o genocídio de indígenas e com a escravização involuntária de negros. Partimos do pressuposto de que para destruir o racismo é preciso que exista uma consciência racial, com pluralismo e culturalismo. Isso é o que buscamos: que a consciência racial exista no seio da sociedade brasileira, porque ela é racialmente plural.

A barreira racial deu lugar a estratégias negras para a superação desse momento, e uma delas foi unir as forças desses três países, em evidência nessas questões, na busca de uma saída.

A ação afirmativa nos Estados Unidos apenas acabou com a segregação, mas não se constituiu numa ação transformadora do poder. Por isso, o Governo Federal tem discutido conosco, para que as suas ações afirmativas não sejam, pura e simplesmente, mais uma dádiva, como se fôssemos minoritários e invisíveis dentro da sociedade brasileira. O fato de pedirmos quotas - como fizemos para as mulheres - significa apenas oportunidade igual para o exercício de nossa capacidade intelectual, porque a temos. A maioria dos brasileiros é pobre e não pode freqüentar as universidades, mas as pesquisas revelam que o negro não chega ao terceiro grau não por falta de capacidade - ele até presta vestibular e passa -, mas porque não pode pagar as mensalidades da faculdade.

As universidades públicas não expressam a pluralidade racial existente na sociedade. Nas faculdades da iniciativa privada, encontraremos um contingente enorme de negros, porque, no Brasil, existe uma elite, um segmento intelectual negro, que não é visível.

Promover então um debate sobre essa questão significa buscar a consciência negra da sociedade brasileira, que deixou de existir durante o processo de colonização e de escravização.

O Sr. Gilvam Borges (PMDB-AP) - Senadora Benedita da Silva, permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Gilvam Borges (PMDB-AP) - Agradeço a V. Exª pela gentileza. Realmente, V. Exª tem sido um expoente na grande luta da consciência negra neste Parlamento. Ao fazer algumas considerações, quero lhe dizer que a situação está mudando, nobre Senadora. Há as consciências negra, branca e amarela. Há também a questão do racismo, que vem dos próprios segmentos, das tribos, dos grupos sociais. Mas há algo para o que gostaria de alertar V. Exª: daqui a 40 anos, talvez nem eu nem V. Exª estejamos vivos. Com certeza absoluta, num futuro próximo, esse discurso automaticamente cairá por terra. O racismo, hoje, é uma questão cultural. A partir do momento em que exista, no planeta Terra, independentemente de cor, de suas preferências e aptidões, uma padronização cultural, certamente a compreensão será maior. Através da educação, teremos, sem sombra de dúvida, condições de nos compreender melhor. Isso se dará com o processo de globalização. Daqui a um século, esse processo ocorrerá. E vamos ter registrada, nos Anais da Casa, a grande luta da Senadora Benedita, uma luta justa, pois realmente existe a discriminação, mas ela é oriunda de vários segmentos, tanto do negro, como do branco, do amarelo ou do pardo. Parabenizo V. Exª pela Parlamentar corajosa, atuante, aplicada, dedicada e honesta que é, e que tem desempenhado o mandato honrando o Estado do Rio de Janeiro. Saiba V. Exª que prefiro a cor negra à branca. Portanto, nobre Senadora, o que conta é o caráter, a moral, a dignidade do ser humano. Não se trata da questão do branco de alma negra ou do negro de alma branca. Trata-se de uma questão de justiça, que se fará por intermédio do processo de educação. Parabenizo V. Exª pelo seu brilhante pronunciamento.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Senador Gilvam Borges, agradeço o aparte de V. Exª. Também comungo da opinião de que existe preconceito entre as etnias. Mas a questão do preconceito não é das etnias propriamente ditas, mas entre os seres humanos.

Acredito que quando ocorrer essa revolução cultural, não estaremos mais aqui - ainda que eu venha a ter seguidores - falando sobre isso. Mas esse é um assunto que abordo com a propriedade de quem superou o racismo e de quem tem a consciência de que essa é também a realidade nacional. Sei que não sou uma voz isolada clamando num grande deserto. Acredito no meu País e espero que ele reconheça a pluralidade étnica.

Na África do Sul, para combater o apartheid, foi preciso que negros e indianos se unissem. Foi assim que se iniciou essa luta. O racismo corrompe os direitos sociais. O capitalismo quer adaptar o homem ao sistema econômico, porém o capital branco sempre esteve à parte do desenvolvimento do negro. Se o negro não está no poder, se ele não tem acesso às universidades, se não é presidente, governador ou prefeito, cabe-lhe, dentro da discussão atual acerca dessa realidade, fazer propostas, oferecer alternativas que lhe dêem não apenas visibilidade, mas as oportunidades devidas.

Há projetos, nesta Casa, que deveríamos encarar com mais seriedade, com, por exemplo, o do Senador Abdias Nascimento e os meus. Contamos, no Senado da República, com um grande colaborador da raça negra. Falo do Senador Bernardo Cabral, que, na Assembléia Nacional Constituinte, inseriu na Constituição vários artigos que tornaram visível a pluralidade da sociedade brasileira. A igualdade racial coloca em questão a democracia racial no País. Nos Estados Unidos, na África do Sul e no Brasil temos culturas diferentes. Evidentemente não queremos imitar ninguém; queremos, sim, buscar integralmente os nossos direitos.

No Brasil, nas décadas de 60 a 80, falava-se que vivíamos em uma democracia racial. Havia os que vendiam a imagem das relações raciais harmônicas, o que não era verdadeiro. A nova ordem política no Brasil excluiu a presença do negro, a começar pela lei da terra, que é fundamental. Depois, criminalizou-se a capoeira. E, a partir daí, houve as questões da macumba, da vadiagem, da criação de manicômios, que são coisas correlatas, praticadas no nosso País. 

A ideologia da incompetência tem atingido milhões de negros. Liberdade e igualdade são apenas formais. O sistema racial é incompreensível no Brasil, porque somos negros, crioulos, mulatos, morenos, cafuzos. E não buscamos uma identidade real. A mim não importa se alguém é branco, negro, mulato, cafuzo. Importa-me dar à raça brasileira todos os direitos, com igualdade. E isso estamos buscando: criar a raça brasileira; que eu não tenha necessidade de estar aqui falando dessa dicotomia existente entre indígenas, negros e brancos, numa sociedade plural como a nossa.

Ora, o ódio racial não era inerente, daí a diferença do negro brasileiro. O Brasil pode perfeitamente servir de modelo para a luta anti-racista. Para isso, basta que tenha a consciência negra, porque é uma sociedade plural. Estamos chamando a atenção deste País para essa questão! O movimento negro brasileiro tem colocado, com muita propriedade, as desigualdades raciais. Aliás, o próprio Presidente da República reconhece isso.

No seminário de que participei, na África do Sul, durante sete dias, pudemos constatar que o fim do apartheid marcou uma nova era. Mas os problemas existem. Sabemos que um quarto da população mundial continua na pobreza. Na África do Sul, as políticas sociais atingem um setor minoritário da população, que é, em sua maioria, negra; e a África do Sul é um país rico. Por isso digo que o capital não está a serviço da promoção do ser humano. Na África do Sul observamos a opressão e a pressão política. Há desigualdades. Há conflito, dadas as expectativas criadas a partir da eleição de Mandela. As metas foram muito ambiciosas, não eram realistas, inclusive. Por que não eram realistas? Porque os recursos fiscais não vão para os pobres, pois quem detém o poder político e econômico ainda são os brancos. E é preciso uma revolução cultural para que possam absorver a nova situação. Há que se estabelecer novas prioridades na África do Sul, a estratégia de desenvolvimento deve ser reformulada.

A África do Sul tem a sua forma de racismo, ouvimos isso de sul-africanos comprometidos, do Governo, da imprensa. Não foram apenas militantes do movimento negro que se reuniram, mas pessoas que ocupam cargos estratégicos nos governos de Bill Clinton, Nelson Mandela e Fernando Henrique Cardoso.

Temos de discutir, no Brasil, com muita propriedade, a questão dos direitos humanos. É fundamental que nosso País dê esse passo. Quando falamos em direitos humanos no Brasil, alguns pensam que queremos dar pão-de-ló para os presos - já repeti isso várias vezes desta tribuna. Mas não é isso. Respeitar os direitos humanos é ter, também, uma democracia racial.

Voltarei a esta tribuna para dar mais informações a esta Casa a respeito desse seminário, após receber o relatório do Secretário José Gregori. Na representação do Governo poderemos ter um intermediário que nos faça ser ouvidos, porque até então temos encontrado grande dificuldade. A África do Sul tem de construir uma nova nacionalidade, um povo, uma nação, uma raça. E temos de criar a raça brasileira.

Obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/1998 - Página 4159